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Mural "todos por la revolución", Havana, Cuba.

Construir o socialismo cubano no século XXI

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Tradução
Gleice Barros

Com a crescente pressão pela liberalização econômica, o que seria necessário para tornar Cuba uma democracia mais socialista?

Em julho de 2016, graças à redução de 20% dos embarques de petróleo vindos da Venezuela, o ministro da economia de Cuba, Marino Murillo, anunciou um corte de 6% no fornecimento de energia e de 28% no de combustível.  Também ordenou uma redução imediata no uso de energia elétrica pelo setor público, com a consequente redução de horas trabalhadas pelos servidores públicos, e alertou sobre possíveis blecautes, despertando o fantasma dos dias sombrios e famintos do Período Especial dos anos 1990.

Esta mudança nos acontecimentos desferiu mais um golpe contra as tentativas de Raúl Castro de estabelecer uma versão cubana do modelo sino-vietnamita, que mantém um Estado de partido único enquanto abre a economia à iniciativa privada e ao mercado.

No campo político, isso tem significado um relaxamento do controle estatal sobre os cidadãos; porém, isso não tem sido acompanhado pela democratização. Por exemplo, a reforma de migração de 2012 facilitou aos cidadãos cubanos entrar e sair do país, mas não reconheceu a viagem para o exterior como um direito.

No campo econômico, o governo tem implementado uma estratégia contraditória e modesta. Por exemplo, as reformas estruturais no setor agrícola concederam a cessão de terras por um período máximo de vinte anos; os governos chineses e vietnamitas, em contraste, estabeleceram, períodos mais longos e, em alguns casos, permanentes.

Agora o governo permite o trabalho autônomo em algumas ocupações (pouco mais de 200). Se tivesse aberto para toda a economia – reservando apenas os setores considerados como altas prioridades sociais, como a medicina -, a reforma aumentaria os produtos e serviços disponíveis.

Mudanças complementares introduzidas para reforçar estas reformas estruturais – como o estabelecimento de mercados/feiras e créditos de bancos comerciais – têm sido insuficientes e acabaram por impactar negativamente o programa de reforma. Além do mais, a burocrática e ineficiente Acopio – a agência estatal com o poder de monopólio para comprar a maioria dos produtos agrícolas com preços estabelecidos pelo governo – desacelerou a produção agrícola.  Como resultado, colheitas têm estragado enquanto aguardam processamento em galpões do governo.

O mais provável é que as meias medidas do regime de Castro acabem empurrando Cuba mais perto de uma forma de capitalismo de Estado sem democracia. Mas há uma alternativa viável para o país.


Nada de Recuperação

Até esta nova crise, a economia cubana havia se recuperado parcialmente depois dos piores anos do Período Especial, que devastou o país logo após o colapso do bloco soviético no final dos anos 1980 e início dos 1990.

O país atingiu o ápice da crise entre 1992 e 1994, quando a extrema escassez de alimentos levou a um surto de neuropatia óptica que afetou algo em torno de 50 mil pessoas. Desde então, a economia cubana superou o PIB atingido em 1989.

Porém, outros indicadores – como salários reais e aposentadorias, que em 2014 ainda eram 27% e 50% dos valores de 1989, respectivamente – nunca voltaram a ser iguais. Enquanto isso, os gastos sociais continuam caindo e o consumo familiar tinha expectativa de queda de 2,8% para 2016 e 7,5% em 2017.

Apesar da fome do início dos anos 1990 ter acabado, os cubanos ainda têm dificuldades para encontrar comida suficiente. O muito elogiado desenvolvimento da agricultura orgânica e urbana na ilha representa uma parte relativamente pequena da produção agrícola. Como o economista cubano C. Juan Triana Cordovi apontou,  o declínio da produção doméstica obrigou hotéis a importar vegetais, incluindo a yucca, a principal raiz vegetal que compõe a dieta cubana. O pequeno progresso da agricultura sustentável não compensou o fato de que a produção alimentícia nunca mais alcançou os níveis de 1989 e que mais da metade do fornecimento de alimentos de Cuba vem de importações, a um custo anual de US$ 2 bilhões.

Muitas conquistas da revolução em educação e saúde também foram perdidas. Os professores que fugiram do baixo salário do setor educacional não foram totalmente substituídos, e as aulas particulares – muitas vezes dadas pelos professores das escolas públicas em seu tempo livre – tem crescido exponencialmente. Além disso, muitas instalações de escolas, bibliotecas e laboratórios estão desmoronando. Antes do início do ano letivo de 2016, 350 escolas foram fechadas depois de suas condições físicas serem consideradas perigosas demais.

O mesmo se aplica a muitos hospitais e outras instalações de saúde, que agora operam com equipes reduzidas: o governo enviou uma grande quantidade de clínicos gerais e de especialistas para a Venezuela e outros países em troca de petróleo ou de divisas.

As contraditórias reformas do regime provavelmente passarão com a geração histórica de líderes. Os funcionários burocráticos da segunda geração provavelmente se comprometerão totalmente com o modelo sino-vietnamita, talvez até se inclinando para um capitalismo no estilo russo, que combina um massivo roubo oligárquico de propriedades do Estado com uma “democracia” nominal – o que daria ao congresso estadunidense o pretexto político de que precisa para anular a lei Helms-Burton de 1996 e remover o bloqueio econômico à ilha.

Além de ganhar o entusiasmo dos Estados Unidos, essa nova geração de líderes atrairá capital estrangeiro e, ao menos, um setor de capital cubano-estadunidense, dando garantias de que o governo manterá controle total sobre o Estado, a grande mídia e as organizações de massa – inclusive os sindicatos controlados pelo Estado – para garantir a seus novos investidores capitalistas, estrangeiros e cubanos, paz, lei e ordem.

No entanto, há outros modelos econômicos sobre os quais se comenta dentro e fora do governo, embora de maneira muito discreta devido, em grande parte, ao sistema político que não permite uma completa e clara exploração de ideias.


Livre e Racional

Os críticos dos veículos dominantes há algum tempo defendem o estabelecimento de uma economia de livre-mercado, que apresentam como única alternativa “racional” à administração econômica burocrática do Partido Comunista.

Esse grupo abrange um amplo espectro, variando entre posições de estrito livre-mercado até uma perspectiva de Estado de Bem-Estar social-democrata. Neste último grupo, críticos moderados se sobrepõem com grupos de economistas acadêmicos, incluindo membros do Centro de Estudos da Economia Cubana da Universidade de Havana.

Contudo, dificilmente quaisquer destes críticos têm enfrentado a questão sobre o que fazer com relação à parte mais importante da economia cubana: as grandes empresas estatais.  Ao invés disso, focam no estabelecimento de “PyMEs” privadas – acrônimo em espanhol para empresas pequenas e médias – embora não esclareçam o que “média” realmente significa.

Eles também têm apoiado os movimentos do governo para substituir o sistema de racionamento universal por um que subsidie categorias de pessoas ao invés de produtos.  Hoje, todos os cubanos, seja qual for sua renda, podem receber um número de produtos a preços baixos e subsidiados. O novo sistema apenas forneceria esses produtos aos mais pobres e mais desfavorecidos, racionalizando, dessa forma, o mercado agrícola e reduzindo os gastos governamentais. A recente redução pelo governo no número de produtos distribuídos por esse sistema marca o primeiro passo nesta direção.

Finalmente, sugerem que o monopólio do governo sobre o comércio exterior deve terminar, e que todos os cubanos deveriam importar livremente tudo o que puderem adquirir do exterior.


Tito em Cuba

Como todos os oponentes do regime, a nascente esquerda crítica – majoritariamente composta por correntes anarquistas e social-democratas – precisa operar sob forte monitoramento e repressão estatal. Estas formações de esquerda resistem às reduções de benefícios estatais e – algo sem precedentes na história da esquerda cubana – propõem uma economia gerida pelos trabalhadores.

Curiosamente, eles nunca mencionam planejamento ou coordenação democrática entre os setores econômicos. Como resultado, sua versão de autogestão dos trabalhadores criaria uma economia de empresas auto-suficientes em competição umas com as outras. Isso lembra o sistema implementado na Iugoslávia de Tito entre os anos 1950 e 1970.

Esse socialismo de mercado era localmente autogestionado, mas era controlado regional e nacionalmente pela Liga dos Comunistas. De fato, esse esquema aumentou a contribuição, a tomada de decisões e a produtividade dos trabalhadores no nível local, mas, devido à sua natureza competitiva e não planejada, também criou desemprego, ciclos comerciais acentuados, desigualdade salarial e notáveis disparidades regionais que favoreceram as repúblicas do Norte.

A impotência dos trabalhadores para decidir qualquer coisa além do que acontecia nos seus locais de trabalho encorajou um paroquialismo, isolando-os das decisões econômicas nacionais mais amplas. Os trabalhadores não viam razão para apoiar investimento em outras empresas, particularmente naquelas em locais distantes deles.

Em última análise, como Catherine Samary analisou em Yugoslav Desmembrared [“Iugoslávia Desmembrada”], a autogestão iugoslava não foi capaz de enfrentar nem o plano burocrático nem o mercado. Os anos 1970 foram a última década de crescimento. Ao final, uma dívida de US$20 bilhões levou à intervenção do Fundo Monetário Internacional.

O modelo iugoslavo não é uma escolha sem problemas para ser emulada pelos cubanos, portanto. Além de tornar ainda mais improvável qualquer tipo de controle dos trabalhadores, nenhum dos oponentes de esquerda ao governo explicou como esse modelo poderia ser implantado na ausência de um movimento dos trabalhadores ou como ele poderia operar caso os trabalhadores não estivessem dispostos a lutar por esses objetivos.

Existem outras vozes entre os críticos de esquerda que rejeitam qualquer concessão à iniciativa privada e ao capital, baseados em que as empresas capitalistas, por definição, são contraditórias ao socialismo. Entretanto, ainda não foram capazes de responder à pergunta central de como uma Cuba socialista e democrática poderia emergir da pobreza e da estagnação econômica sem qualquer tipo de concessões.


O Que é Possível

Um crescente número de cubanos, tanto na ilha quanto fora dela, veem o socialismo como uma impossibilidade – seja ele democrático ou autoritário. Um número cada vez menor de cubanos ainda o considera desejável ou adequado. Certamente, as condições econômicas atuais da ilha – combinadas com um capital internacional extraordinariamente poderoso – tornam difícil imaginar uma forma totalmente desenvolvida de socialismo.

Essa visão deriva de uma aplicação específica da teoria geral marxista que rejeita a possibilidade do socialismo em um só país, particularmente quando este país é subdesenvolvido economicamente e existe num mundo capitalista atualmente não ameaçado por revoluções socialistas.

Além de ter de enfrentar as hostilidades do seu vizinho imperialista ao norte, um desenvolvimento econômico socialista autônomo não seria apropriado para o país, por ainda depender da importação de petróleo.  E mais, sua dependência do turismo e da exportação de serviços médicos, níquel e, em menor grau, de produtos farmacêuticos, além da indústria açucareira drasticamente encolhida, marcam o aspecto do comércio externo da economia cubana. A considerável integração da ilha no mercado capitalista mundial impede o estabelecimento de uma democracia socialista completa.

Mas isso não significa, contudo, que Cuba deveria abandonar o socialismo. Ao invés disso, os críticos deveriam pensar em termos de uma economia de transição, uma operação temporária que possa, de maneira realista, ser implantada até uma situação internacional mais favorável ao desenvolvimento do socialismo.

A economia política marxista clássica fornece um modelo para como poderia ser esse padrão de gestão temporária. Esta teoria reconhece o papel maior que a produção e a distribuição individual, familiar e em pequena escala cumprem em economias menos desenvolvidas como Cuba.

Em Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, Friedrich Engels, diferencia o capitalismo moderno – onde a produção é um ato social, mas o produto social é apropriado e controlado por capitalistas individuais – e o socialismo – onde ambos, a produção e a sua apropriação são socializados.

Seguindo esta distinção, a propriedade produtiva que requer trabalho coletivo se torna o objeto apropriado para a socialização, deixando de lado a produção individual e familiar, assim como a propriedade pessoal.

Uma economia de transição em Cuba deveria, por consequência, permitir pequenas propriedades produtivas privadas. Este ajuste deriva de uma análise marxista fundamental, não de uma adaptação oportunista à política liberal de livre-mercado.

Em Cuba, como em muitos outros países menos desenvolvidos, uma economia de transição deveria subordinar um setor privado de pequenas empresas reguladas por mecanismos de mercado sob o comando de um setor estatal que administre a grande indústria da ilha – farmacêuticas, turismo, mineradoras e bancos – através do controle dos trabalhadores e sob coordenação e planejamento democráticos, em um sistema político democrático. Com o conhecimento das condições de mercado e previsões econômicas adequadas, o governo deverá se esforçar para harmonizar a economia estatal e autônoma de acordo com um plano definido.


Obstáculos Econômicos

Mas primeiro temos de avaliar honestamente a economia cubana, que, mesmo antes da redução do fornecimento de petróleo venezuelano provocar a crise atual, já estava num estado notável de deterioração. Por um lado, seu abrangente setor público está cambaleante. Como lembrou o economista cubano Pedro Monreal, o governo admitiu abertamente que 58% das empresas estatais funcionam “de forma deficiente ou em más condições”.

Além disso, o crescimento econômico da ilha, que em geral já é baixo, pode ser agravado pela crise atual.

Vozes importantes da oposição de esquerda têm argumentado contra o crescimento econômico por motivos ecológicos, dentre outros. Porém, melhorar as condições materiais dos cubanos é um requisito para o sucesso da democratização. A alternativa – estagnação contínua e declínio do padrão de vida – vai incentivar uma emigração massiva. Isso já representaria uma tragédia em si, mas também minaria potenciais movimentos de oposição progressistas e democráticos – quem dirá, socialistas.

De maneira alarmante, a taxa de novos investimentos – que é necessária para reabastecer o estoque de capital existente – tornou-se uma das mais baixas da América Latina, caindo abaixo de 12% do PIB. Previsões do governo em 2016 indicavam que os investimentos cairiam 17% em 2016 e 20% em 2017. Isso resulta numa taxa de formação bruta de capital ligeiramente superior a 10%, apenas metade da taxa de investimento considerada necessária para o desenvolvimento econômico.

A deterioração do estoque de capital de Cuba torna impossível manter os resultados econômicos atuais e o padrão de vida, muito menos expandi-los. Como resultado, o aumento substancial do turismo – de 3 milhões de turistas em 2014 para 3,5 milhões em 2015, e uma projeção de 3,7 milhões até o final de 2016, aquecida pela retomada das relações entre EUA e Cuba, em dezembro de 2014 – levou a capacidade turística de Cuba ao limite.

Além disso, a medida do Presidente Obama que pôs um fim às restrições de remessas de dinheiro à ilha por cubano-americanos piorou significativamente a escassez de alimentos e bebidas. A oferta não consegue atender o aumento da demanda.

A produtividade econômica cubana também vai ficando para trás. As safras agrícolas – com exceção da batata – estão bem abaixo do resto da América Latina. Na indústria, a biotecnologia é o único sector que desfruta de uma alta produtividade em relação ao resto da região.

O aumento da produtividade não é somente um esquema capitalista para o lucro. Uma economia que priorize a redução do trabalho penoso, a melhoria das condições de vida e o aumento do tempo de lazer somente pode fazer isso se também priorizar uma produção maior com a força de trabalho existente.

Che Guevara defendia o que na prática era o “suor dos trabalhadores”. No entanto, uma melhor organização, tecnologia e – mais importante – um controle operário, teriam o mesmo efeito. O controle, por si só, representa um poderoso motivador. A baixa produtividade atual vem de um sistema burocrático que cria desorganização e caos sistematicamente, e que não dá aos trabalhadores nem incentivos políticos (permitindo que tivessem voz e controle sobre o que fazem), nem incentivos materiais  (típicos do mundo capitalista desenvolvido) para motivá-los. Os incentivos morais de Che falharam: eram métodos para fazer os trabalhadores assumirem a responsabilidade sem o poder e trabalhar mais, sem o controle ou o pagamento.


Obstáculos Ecológicos

Muito da oposição de esquerda ao crescimento econômico na Ilha é fundamentada em considerações sobre o meio ambiente. Cuba hoje enfrenta muitos problemas ecológicos graves, incluindo o número crescente de rupturas e vazamentos nas antigas e mal reparadas canalizações de água em toda a ilha. Isso levou a ilha a uma grande perda de água, que frequentemente escorrem pelas ruas e terrenos baldios e ao armazenamento inadequado e frequente a que muitos moradores foram forçados a fazer em resposta à falta de água. Em consequência, o mosquito Aedes Aegypti, que transmite Dengue, tem se proliferado.

Além do mais, o crescente número de porcos, aves e culturas domésticas – parte do muito alardeado (mas muito problemático) movimento de agricultura urbana – combinado com o serviço de coleta de lixo deteriorado tem aumentado consideravelmente o risco de crises sanitárias urbanas.

A recente alegação do governo de ter impedido a epidemia de Zika e quase ter eliminado a dengue, deve ser vista com desconfiança, enquanto esta e outras condições que propiciam a proliferação dessas doenças permanecerem.

O sentimento anti-crescimento entre os oposicionistas cubanos de esquerda foi reforçado quando, em visita recente a Cuba, o economista Jeffrey Sachs recomendou que “o povo cubano não progrida para o século XX”. Como o jornalista de esquerda Fernando Ravsberg explicou, Sachs argumentou que os cubanos não deveriam se esquecer da sustentabilidade e sim concentrar-se no desenvolvimento da agricultura orgânica, semeando sem tratores e sem adubos químicos ou pesticidas.

Se a explicação de Ravsberg estiver correta, os argumentos de Sachs falharam em ponderar os custos e os benefícios relativos de medidas ambientalmente conscientes. Tratores pequenos e econômicos, como os que o governo cubano planeja produzir em associação com o capital dos EUA, continuam a consumir petróleo. Mas os efeitos negativos ao meio-ambiente do petróleo não se comparam ao custo da agricultura movida a energia humana e animal.  Este último modelo produz menos comida enquanto requer uma absorção massiva de energia humana e animal.

A história cubana já provou isso: o abandono forçado dos veículos agrícolas no começo do Período Especial constituiu, em termos líquidos, um grande passo atrás para o povo cubano.

Também nos anos 1990 diminuiu o uso de transporte urbano motorizado, e muitos moradores passaram a andar de bicicletas. Depois as bicicletas foram abandonadas – não porque os cubanos preferissem os ônibus escassos e superlotados ou os caríssimos táxis coletivos (apenas uma pequena parte dos cubanos tem automóveis), mas porque as bicicletas não permitiam aos trabalhadores chegar a tempo vindo dos distantes bairros operários, nem protegem os ciclistas das chuvas e ventos tropicais de junho a novembro.

O governo chinês encorajou a propriedade individual de carros, o que contribuiu para a esmagadora poluição urbana do país. Isso deveria servir como um sinal de alerta para que Cuba vise a adoção de um sistema efetivo de transporte coletivo de massa como uma política ambiental alternativa.

Finalmente, no mínimo Cuba precisa aumentar os 5% de sua eletricidade derivada de fontes renováveis, o que significa um quarto da média latino-americana.


A Política de uma Alternativa Socialista

O movimento na direção a uma sociedade socialista não apenas requer um programa, mas também uma política. Isso exige o uso de considerações estratégicas e táticas baseadas em princípios para debater as propostas do governo e das várias correntes oposicionistas.

Fazendo isso, socialistas cubanos poderiam encontrar áreas de coincidência com as críticos católicos liberais e social-democratas – incluindo propostas que promoveriam a produção e a produtividade agrícolas, como a codificação dos direitos de usufruto dos agricultores individuais, a eliminação da venda compulsória da produção agrícola ao governo por preços determinados pela Acopio e a criação de mercados/feiras para pequenas empresas e produtores individuais.

No campo do emprego urbano, essas propostas incluem a formação de cooperativas baseadas nas iniciativas dos trabalhadores interessados, ao invés dos ditames do governo tantando se livrar dos chamados “limões” – empresas ou negócios não lucrativos que são difíceis de administrar de forma centralizada, como pequenos restaurantes.

Ao mesmo tempo, esta nova esquerda precisará se contrapor a outras propostas desses mesmos grupos. Por exemplo, eles pedem a legalização de todas as formas de trabalho autônomo, incluindo ocupações que devem ser operadas em defesa do interesse público, como a educação e a saúde.

A esquerda pode responder aos gritos pela livre importação argumentando que um Estado dirigido democraticamente deve alocar divisas estrangeiras com base em prioridades estritas, com critérios sociais que favoreçam os setores mais desprovidos economicamente da população e a compra de bens de capital que dariam maior suporte ao desenvolvimento econômico do país. De outra forma, os cubanos abastados podem desperdiçar as divisas estrangeiras relativamente escassas do país com importações frívolas, como carros importados ou móveis e aparelhos domésticos luxuosos.

Os socialistas devem também resistir à visão dominante – defendida tanto pelos críticos como por um crescente número de economistas do governo – de que o governo deveria subsidiar pessoas, não produtos, de que deveria substituir seus subsídios universais por um sistema que provesse apenas os mais necessitados.

Certamente, esses subsídios universais beneficiam desnecessariamente os cubanos mais ricos.  Entretanto, os críticos deste programa nunca mencionam as desvantagens da sua proposta, que prejudica a solidariedade social. Experiências internacionais mostram que programas de auxílio por faixas de renda produzem estigmatização e, como resultado, perdem legitimidade política com o tempo, ameaçando assim o seu financiamento e viabilidade no longo prazo.

Uma resposta a este problema poderia ser a introdução de uma escala móvel onde todos se beneficiem em proporção inversa à sua renda. Isso reconheceria as diferentes necessidades, ao mesmo tempo em que manteria o máximo de apoio político.

Socialistas da tradição marxista entendem que os subsídios devem ser seletivos; se, sob as condições atuais, tudo fosse fornecido gratuitamente ou vendido abaixo dos custos de produção, uma economia poderia colapsar no curto prazo. Além do mais, uma economia relativamente subdesenvolvida como a cubana possui um excedente muito menor para alavancagem de bens gratuitos e subsídios.

Porém, manter viva a ideia de subsídios universais deixa o caminho aberto para uma futura expansão, conforme a economia cubana se tornar mais produtiva e mais rica.

Críticos liberais e o próprio governo apoiam investimentos estrangeiros como um meio para lidar com a subcapitalização da economia cubana. Muitos setores de esquerda têm se oposto a isso, enxergando-no como um Cavalo de Troia do capitalismo e da dominação estrangeira. Entretanto, uma política seletiva e controlada de investimentos de capital estrangeiro é indispensável na falta de uma indústria doméstica desenvolvida de bens de capital. Essas importações poderiam trazer novo maquinário e renovar a infraestrutura de transporte e dos serviços.

Novos investimentos externos também podem gerar empregos significativos e efeitos multiplicadores que disparem o desenvolvimento de indústrias completamente novas que complementem e que aprofundem o desenvolvimento das que já estiverem estabelecidas no país.

E mais, os impactos dos investimentos estrangeiros sobre os salários e as condições de trabalho poderiam ser negociados por sindicatos independentes, que, entre outras coisas, deveriam priorizar a abolição imediata das práticas do governo cubano de coletar os salários dos trabalhadores cubanos por investidores estrangeiros e então devolver aos cidadãos apenas uma pequena parcela do dinheiro coletado. O governo explica que faz isso para financiar os gastos sociais e outras operações governamentais. Mas o mesmo objetivo poderia ser alcançado por meio de um sistema tributário transparente e equitativo em vez de o ser por meio do monopólio do governo sobre a venda e controle do trabalho.

É verdade que o controle operário sobre a produção e sindicatos fortes poderiam dissuadir investimentos externos. Entretanto, uma administração pública e um sistema tributário honestos, assim como a existência de recursos naturais e humanos não reproduzíveis em qualquer lugar também podem servir como um atrativo para superar estas desvantagens.

Críticos e oposicionistas de direita minimizam – se não ignoram completamente – a questão crucial do crescimento da desigualdade em Cuba. Para a esquerda, isso apresenta uma oportunidade única de pressionar por sindicatos independentes, o que, combinado com um sistema tributário progressivo, pode ser uma política mais efetiva que a atual, em que a proliferação de regras burocráticas assedia as pequenas empresas e os trabalhadores autônomos.

Isso não é sobre acabar com essa regulamentação por completo; ela é necessária na segurança ocupacional, na saúde, nas aposentadorias e nos direitos sindicais. Se essas regras fossem administradas – sob controle e supervisão dos trabalhadores – por organizações profissionais ao invés de uma burocracia central, poderiam certamente beneficiar trabalhadores e não patrões. Mas para isso, seria necessário distinguir entre as regras destinadas a proteger os interesses dos trabalhadores e aquelas que protegem os interesses dos burocratas.

Se engajando com as propostas específicas apresentadas tanto pelo governo não-democrático como pelo setor oposicionista pró-capitalista, a esquerda terá a oportunidade para formular demandas específicas e para mobilizar o povo para lutar por elas. Isso criaria um movimento – ou pelo menos um polo organizacional claro – apesar da repressão do governo e do ceticismo popular.

O atual regime de Cuba não permitirá a existência de outros partidos políticos legais, de sindicatos independentes ou de meios de comunicação de massa livres. Claro, estes elementos constituem precisamente o cenário político que facilitaria o tipo de sistema de transição social e política descrito acima.

No entanto, a oposição de esquerda precisa falar sobre um modelo alternativo que reconheça abertamente as possibilidades e as dificuldades envolvidas na construção de uma democracia socialista. Isso empodera o povo, ao invés de fazê-lo sentir que nada pode ser feito para pressionar o país numa direção anticapitalista, radicalmente democrática e socialista. Mas há uma alternativa.


Sobre os autores

nasceu e foi criado em Cuba e é autor de muitos artigos e livros sobre esse país. Seu livro Before Stalinism: The Rise and Fall of Soviet Democracy acaba de ser reimpresso e disponível para venda pela Verso Books.

Cierre

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Published in América Central, Análise, Capital and Economia

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