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Manifestantes durante a Greve Geral em Belo Horizonte, na última sexta (14). Foto: Luiz Rocha/Mídia NINJA

Por que o “hacker” não é um criminoso

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Pedro Serrano, constitucionalista e autor de livros sobre golpes na América Latina, explica porque a fonte do The Intercept, Walter Delgatti, mais conhecido como Vermelhinho de Araraquara, não pode ser criminalizada ao expor a conspiração jurídica da Lava Jato.

UMA ENTREVISTA DE

Hugo Albuquerque e Cauê Ameni

Francisco Boix Campo, fotógrafo e militante comunista espanhol, foi enviado em 1941 para o campo de concentração de Mauthausen-Guse, na Áustria, anexada ao III Reich. Neste campo, é estimado que cerca de um terço de seus 8 mil prisioneiros espanhóis tenha morrido. Para não levar o mesmo fim, Francisco se ofereceu para trabalhar no laboratório de fotografia da administração do campo Ekennungsdienst, destinada principalmente para fins policiais. A partir daí, o fotógrafo começou a esconder inúmeros negativos, que mais tarde seriam usados como provas contra as atrocidades praticadas nos campos de concentração nazistas espalhados por toda a Europa. Em 1946, ao testemunhar no Tribunal Internacional de Nuremberg contra o alto comando nazi – figuras como Ernst Kaltenbrunner e Albert Speer –, Francisco foi acusado de ter obtido as provas ilegalmente e tê-las forjado.

Este paralelo histórico é feito pelo advogado constitucionalista Pedro Serrano, ao analisar para Jacobin Brasil as recentes tentativas do Ministério Público e do governo Bolsonaro de criminalizar a fonte, ou melhor, o suposto hacker, pelo vazamento de informações sigilosas para o site de jornalismo investigativo The Intercept, revelando indícios de uma conspiração política entre os procuradores da Operação Lava Jato e o então juiz, e agora ministro, Sérgio Moro, responsável pela condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à prisão.

Especialista em Estado de Exceção e pós-doutor na Universidade de Lisboa, Serrano é o pedregulho mais antigo no sapato da Lava Jato desde sua gênese. Seu livro de 2016, Autoritarismo e Golpes na América Latina, alerta para um fenômeno que o advogado já observa há pelo menos uma década: o impeachment inconstitucional – método jurídico orquestrado por elites locais e internacionais para varrer da América Latina governos populares de esquerda defensores de suas soberanias frente interesses do imperialismo norte-americano. Esse método foi implantado numa série de processos jurídico-políticos que levaram à deposição do presidente de Honduras em 2009 e do Paraguai três anos depois, e que também guarda alguns paralelos com o golpe do impeachment de Dilma Rousseff em 2016.

Crítico da Operação Lava Jato, inclusive quando sua própria categoria permaneceu em silêncio, Serrano afirma que sua análise partiu da intersecção entre dois fatores: sua pesquisa sobre o Estado de Exceção, que investiga os momentos nos quais o sistema de justiça aparece como agente aplicador de medidas excepcionais e sua experiência prática nos tribunais.

Em sua leitura do fenômeno do Estado de Exceção, Serrano identifica que o neoliberalismo rompeu as barreiras entre o que conhecemos por “democracia” e “ditadura”, gerando o que ele qualifica comoautoritarismo líquido”. Também constata que o aparecimento deste fenômeno no Brasil se dá durante a década de 90, no contexto da guerra às drogas, quando o neoliberalismo brasileiro, capitaneado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, inicia um brutal processo de encarceramento contra a população pobre, negra e periférica, configurando-a como “inimigo interno”, no sentido do pensamento do jurista Carl Schmitt, um dos principais ideólogos do nazismo.

Este processo passa a se desenvolver em seguida para a criminalização dos adversários políticos. O ciclo se inicia com força-total com a judicialização política no caso do Mensalão, em 2005, e encontra seu ápice no processo inquisitorial da Operação Lava Jato, pintada à princípio como uma “missão corajosa” contra a corrupção, a qual se revelou inserida no contexto do neoliberalismo contra a esquerda, trabalhadores, minorias e, sobretudo, com um implacável processo contra o primeiro operário a chegar à presidência do Brasil.


HA/CA

Diante das revelações do The Intercept, em que o ex-juiz Sérgio Moro orientava e mantinha conversa permanente com procuradores da Lava Jato, ele cruzou linhas jurídicas que podem anular o processo e libertar o ex-presidente Lula?

PS

Em um primeiro momento, é preciso fazer uma avaliação técnica do que foi publicado pelo The Intercept. Acredito, pela minha experiência de 35 anos como advogado, pela qualidade do Glenn Greenwald e por uma série de outros aspectos que o conteúdo publicado é verdadeiro. Mas acreditar é pouco. Os atingidos pelo vazamento falam, naturalmente, que o leak não é verdadeiro ou algo do gênero. Então é necessário fazer essa verificação mediante perícia.

Entretanto, mesmo sendo ilícita a forma de obtenção, não pode deixar, pelo conteúdo dela, de beneficiar réus e investigados que estejam em seu circuito porque é muito grave o que ela revela. Ela coloca a nu a parcialidade de um juiz com uma finalidade política. É conhecido como medida de exceção, que é o elemento teórico disso no plano estrutural de Estado e de Direito. Isso significa que não houve processo de fato, materialmente. Houve processo como forma, com aparência, mas no conteúdo não houve processo.

No direito brasileiro isto é vedado expressamente no artigo 254 do Código de Processo Penal. É vedado também ao Ministério Público, aos procuradores, e a Lei Orgânica proíbe esse tipo de conluio. Ou seja, é tudo nulo. É muito grave, porque viola um direito essencial ao ser humano: ser julgado por um juiz imparcial.

Lula, Zé Dirceu, Vaccari e outros. Todos eles foram julgados aquém do humano. Foram tratados como inimigos no sentido estrito. Então os réus são beneficiados. Ou seja, qualquer processo em que Deltan Dallagnol, aqueles procuradores e Moro tenham participado é nulo. Houve uma persecução do Lula como inimigo político, então, isso se reproduz nos outros processos, como no caso do sítio [em Atibaia]. Tudo está nulo.

HA/CA

E o jornalista pode ser criminalizado por ter divulgado esses vazamentos?

PS

O jornalista cometeu crime? Não! O jornalista está no papel dele na sociedade democrática. Eu falei isso, inclusive, antes, quando havia os vazamentos da Lava Jato: o crime é do funcionário público que vazou, não do jornalista que deu a notícia. Ele recebe uma informação de interesse público e divulga. Este é o papel dele na democracia e no Estado de direito. Quem tem o papel de garantir a segurança de informação de Estado é o funcionário público. Então, mutatis mutandis, é a mesma coisa. O jornalista do The Intercept não cometeu ilícito nenhum. Ele recebeu uma informação de interesse público, usou os métodos do jornalismo para verificar a autenticidade e, depois disso, divulgou. Ele agiu absolutamente como se exige de um jornalista dentro de uma democracia.

HA/CA

E o suposto hacker? cometeu um crime?

PS

A meu ver, também não. Embora, nessa hipótese, tenha havido ilegalidade, o fato da conduta dele ser ilegal não quer dizer que ele tenha cometido crime, porque ele agiu em legítima defesa do direito de terceiro. A ideia de legítima defesa exclui a antijuridicidade, exclui o tipo, a criminalidade de uma conduta. Por exemplo: matar alguém é crime. Mas se eu mato em legítima defesa minha não é crime. Se eu mato alguém porque ele está tentando matar um terceiro, também não é crime. É ilícito, mas não é antijurídico, portanto não é criminoso. Então, um eventual hacker teria agido para mostrar que o julgamento era uma fraude, uma farsa, porque tem gente presa ilegalmente por causa disso. Portanto ele agiu em defesa dos direitos fundamentais desses presos ilegalmente. A imprensa enaltece este eventual crime menor, deixando de lado o crime maior.

HA/CA

Hannah Arendt, em Crises da República, ao comentar o caso do Watergate e as lutas de Gandhi, Martin Luther King, Sócrates e etc. fala sobre a diferença entre a desobediência civil e o crime quando se infringe a lei. O crime é para obtenção de vantagens pessoais, já a desobediência civil é para beneficiar a sociedade. Seria neste contexto?

PS

O contexto aqui, segundo esse cenário, é até mais específico e simples, porque nesse caso é permitido diretamente pela lei: a conduta foi ilegal, mas a razão é lícita. Em princípio é crime, mas isso acaba não se confirmando, porque o suposto hacker agiu para proteger o direito de alguém. Ali houve uma fraude judicial. O juiz aparentemente agia como juiz, mas ele já estava comprometido politicamente com o resultado final, condenatório. Isso é gravíssimo. Lula já estava pré-condenado. E ele está lá sofrendo. Cada dia que essas pessoas estão presas, elas estão perdendo um dia de vida vivida livre. Então para defender o direito mais importante que existe, depois da própria vida, que é o da liberdade, uma pessoa foi lá e cometeu uma ilicitude menor. Face a perda do direito de liberdade de alguém, em razão de um processo nulo, o que é invadir a intimidade de quem participou da fraude? Então, o suposto hacker agiu na legítima defesa de direito de terceiro.

Ninguém está falando isso, mas é importante falar. Retomemos: o que eu estou falando é uma hipótese, baseada no que tem sido alegado pela Lava Jato e no que tem sido reverberado pela Globo e grande parte da mídia. A informação, inclusive, pode ter sido obtida de forma lícita se foi um dos integrantes das conversas que, por exemplo, entregou.

HA/CA

Alguns juristas, como a do ex-ministro da justiça Eugênio Aragão, dizem que nem poderíamos falar de invasão de privacidade, uma vez que se tratava de agentes do Estado falando sobre um processo que já estava sendo julgado em público. Ou seja, o âmbito do debate sobre o vazamento é uma questão de desobediência civil e resistência de agente públicos conspirando no privado?

PS

Aí entramos em outro ambiente. O parágrafo 2º do Art. 5º da Constituição Federal de 1988, no meu entendimento, implicitamente, prevê um direito que é inerente a qualquer sistema de defesa de direitos humanos e fundamentais: o direito à resistência. Isso não é algo novo. Tem suas raízes na ideia do constitucionalismo na modernidade, embora guarde raízes remotas com a antiguidade europeia, na Península Ibérica e África, sobretudo nos antigos reinos da Etiópia. Mas surgiu mesmo como algo articulado no protestantismo, nas guerras religiosas do século XVI, pelos huguenotes franceses que eram perseguidos pelos reis católicos.

E qual era a ideia essencial – que depois foi mais bem construído, e de forma muito mais sistemática e radical, eu diria, por John Locke, que para muitos é considerado o fundador do liberalismo político e constitucional. E todo mundo esquece que o direito central, que Locke via, no ser humano, era o direito à resistência. Ou seja, o que transformaria o soberano em tirano – a grande questão clássica na filosofia política -, seria a inobservância contumaz dos direitos naturais. Assim, surge o direito à resistência, que iria desde o exercício daquilo que chamamos hoje de expressão do livre pensamento, crítica, e passaria pela desobediência civil e até o tiranicídio, a revolução, a violência vista como algo legítimo.

O direito à resistência é um direito humano fundamental. Não tem sentido você falar que o sujeito tem direito à vida, à liberdade, se ele não tem direito a resistir quando o Estado falha na sua defesa. A Constituição do Ano III da Revolução Francesa, o texto normativo literariamente mais bonito que eu já vi escrito, prescrevia claramente essa questão: se os órgãos incumbidos de aplicar a constituição são desleais, cabe ao povo, e às pessoas, defendê-la. Só que neste caso, os juízes e procuradores da Lava Jato estão usando a justificativa de que ali estavam discutindo questões em âmbito privado, no sentido de que seria inadequado a defesa saber, por causa do princípio de “paridade de arma” no processo.

Pouco interessa se é privado ou público o que eles estão falando. É legítima defesa de um direito humano essencial de terceiros. As pessoas estão presas de forma medieval, estão presas sem processo. Seja quem for esta fonte, ele agiu na defesa de direito humano de terceiro. Tem que ser tratado assim em vários outros casos, que são tratados como crime.

HA/CA

Há algum exemplo histórico para ilustrar?

PS

Foram feitas fotos e interceptadas mensagens que provaram a existência dos campos de concentração do genocídio nazista e foram usadas como provas legítimas em Nuremberg. As pessoas que as obtiveram não foram condenadas pela forma ilícita, naquele contexto, da obtenção. Porque estavam defendendo o direito de quem estava ali morrendo. Essas coisas são assim.

Aquele sujeito que tirou foto de milhares de judeus morrendo – tem até um filme no Netflix sobre isso, O fotógrafo de Mauthausen. O sujeito que usou as fotos como denúncia cometeu crime por ter tirado fotos ilegalmente, sem direito de imagem, sem autorização do Estado alemão? Até que ponto vamos chegar com esse papo de “alguém hackeou”?

Estão dando uma baita importância para algo que nem se sabe se foi crime, quando isso comprovou um enorme crime contra os direitos humanos.

Pessoas foram presas sem processo numa ação política de Estado. Por uma soberania bruta, que eu falo que é a medida de exceção, sem ter a mediação dos direitos.

HA/CA

O jornalista Glenn Greenwald já teve relação com Edward Snowden, um informante interno tido como “hacker”, no caso da NSA.

PS

Ele é um símbolo. Snowden é um rapaz que utiliza de uns métodos de informática para defender a verdade. É gozado que o instrumento é só o instrumento, sempre. Esses mecanismos que deram essa vazão para a extrema-direita são os mesmo que expõem o modo do autoritarismo – e que, talvez, não tivesse outro modo de ser expresso tão claramente. Se for pensar assim, o nazismo usava o discurso da democracia como homogeneidade e a ciência instrumental como fundamentação para o autoritarismo. Não se colocava como autoritário, mas como espírito do povo ou algo do gênero. O autoritarismo é muito eficiente em se esconder.

Então esses mecanismos têm um traço de desobediência civil e de resistência. No caso do Brasil, eu acho juridicamente mais sólida a conduta, por incrível que pareça. Eu acho menos relevante que o que o Glenn fez nos EUA, porque ele estava revelando interesses maiores de nações – soberania de Estados, grandes questões públicas no âmbito mundial. Aqui tem uma grande questão pública que é a democracia, uma vez que no fim e como consequência uma grande candidatura foi impedida, mas fora disso, há direitos pessoais. No plano jurídico está muito mais consolidado com a ideia de legítima defesa de direito de terceiro. As ações do Glenn foram legítimas em qualquer parte e vistas sob qualquer âmbito.  

HA/CA

E se a entrega desse conteúdo foi feito por uma empresa privada, como o Telegram?

PS

Haveria a ilicitude porque a empresa tem o compromisso de não entregar e não havia decisão judicial para ela entregar. Mas empresas de internet fazem isso constantemente a pedido do Estado, segurança nacional, e etc. Então, por que não fazer em favor de direitos humanos? Ela suspende o direito de livre expressão em favor dos direitos humanos, por que é que não poderia entregar, suspendendo o direito de intimidade?

HA/CA

É a face punitivista do Estado brasileiro?

PS

Aqui no Brasil se fala, de uma forma muito exagerada, em impunidade em termos de crimes comuns. Mas nada se fez ou faz sobre os crimes contra o cidadão e a pessoa humana feitos pelo Estado. Foi criada toda uma estrutura de punição para crimes contra o Estado, e nada de crimes do Estado contra o cidadão. Isso faz parte desse novo movimento autoritário, que eu chamo de Autoritarismo Líquido, ligado ao neoliberalismo.

É líquido porque ele dilui a diferença entre democracia e ditadura. E também dilui a diferença entre público e privado, não só no sentido clássico dessa diluição, que é o privado se apropriar do público, mas como algo interessante, que é o público distribuir suas funções para o privado.

A noção de cidadania se transforma sob uma noção autoritária. As pessoas acham que ser cidadão é policiar o outro. O outro cometeu uma infração de trânsito e você buzina – olhar para a cara dele, agir como polícia é sinônimo de cidadania. Transferir para ele, por exemplo, a arma com a função dele se defender. Outro dia um dos filhos do atual presidente estava falando que a polícia não consegue defender todo mundo que é assaltado e é dever da pessoa defender sua casa. Ou seja, a pessoa passa a ser o agente policial de sua casa, armado.

Cidadania deixa de ser aquela lógica de defesa dos meus direitos em oposição ao poder do Estado e passa a ser transferida a função de poder policial do Estado para o cidadão.

Então tem lá um artigo do nosso Código de Processo Penal que dá direito ao cidadão prender em flagrante. Daqui a pouco vai ter gente armada querendo prender outras pessoas. Isso leva à noção de impunidade quando os crimes contra o Estado não são punidos como os autoritários de direita acham que deveriam ser punidos.

Há uma diluição de fronteiras, por isso é líquido; uma diminuição de papéis institucionais que se diluem. É difícil você diferenciar, agora, o que é democracia do que é ditadura, por causa dessas medidas de exceção. Elas ocorrem juntas: medidas de exceção junto com medidas democráticas. Está tudo diluído, é muito mais difícil de identificar – e muito mais eficiente como mecanismo autoritário.

Por isso que acho que não é menos que a ditadura do passado, por não ter tanque na rua: é muito mais eficiente. A humanidade é legal: vem os moleques e pegam os telefones dos caras e subvertem tudo. Graças a Deus que tem essas coisas, é a nossa chance de ainda ter liberdade.

HA/CA

Na época em que Moro vazou o áudio dos ex-presidentes Dilma e Lula, ele disse que o problema não era o vazamento, mas sim o conteúdo. Qual a diferença e semelhança desse vazamento e o atual?

PS

Veja que interessante: a gravação do Lula e da Dilma não revelava nenhum crime, na minha opinião. Nomear o Lula ministro não era proibido, ele não era condenado. Qual o problema de nomear? Atualmente estão nomeando vários investigados. Alguém falou alguma coisa? No governo Temer também foram nomeados inúmeros investigados.

HA/CA

Argumentavam que o Lula queria fugir da primeira instância para ser julgado pelo STF.

PS

E quem disse que é fugir? Está dizendo que o STF é um tribunal menos aplicador da lei que o Moro? Isso foi tratado como escândalo sem ser. O conteúdo não tem crime nenhum. A grande diferença entre os dois é o conteúdo: o mérito do que se revelou. As pessoas foram julgadas sem processo. É um delito grave, uma ilegalidade gravíssima contra o sistema democrático constitucional. A imprensa desvia o foco para normalizar o escândalo.

Alexandre Garcia, ex-âncora da Globo, falou outro dia que função de juiz é combater o crime. Função de polícia é combater o crime; o juiz é um garantidor de direitos. Ele está ali para garantir o direito do réu.

HA/CA

E as semelhanças entre Mãos Limpas e Lava Jato continuam coerentes?

PS

Dois dos maiores juristas vivos do mundo, Luigi Ferrajoli e Friedrich Müller, ao analisar o caso do Lula, soltaram críticas muito intensas ao juiz e ao procurador. Ferrajoli chegou a falar que se “fosse ex-juiz das Mãos Limpas, eu processaria os juízes e procuradores da Lava Jato por falarem que há semelhança entre as duas operações”. Isso antes dessas revelações. O que ele queria dizer é que, em termos de garantia de direitos, não há comparação.

A comparação é falsa. Jurídica e, por consequência, política, moralmente. Não há comparação. Na Mãos Limpas havia um juiz de inquérito, outro na instrução de provas; o juiz que fazia o inquérito era diferente do juiz que julgava, não estava contaminado pela investigação.

Em termos de garantias de direitos não dá para comparar. Lá com certeza não houve esta fraude, ninguém cogitou fraude desse jeito que está havendo aqui no Brasil. Eu fui o primeiro a cogitar, porque estava muito evidente, entende? Para qualquer jurista que olhou este processo com honestidade – esquece as gravações – vai falar que houve fraude. Dois dos maiores juristas do mundo, um alemão e outro italiano, olharam e falaram “é um absurdo”.

HA/CA

Moro diz que o processo é legitimo porque foi referendado pelo TRF.

PS

Tudo isso é muito estranho. É um sinal de prejulgamento o fato do revisor ter levado seis dias para analisar um processo de 24 mil páginas. Impossível isto. Os desembargadores tiveram um segundo para ler cada página? O processo foi passado na frente de todos os outros. Foi muito rápido para ser julgado e muito lento para encaminhar o recurso contra o julgamento. Ou seja, você já tem sinais que dão a entender que o tribunal podia julgar o caso como juízo de exceção. Usaram os argumentos do Carl Schmitt. A explicitação de que houve processo de exceção foi feita pelo próprio TRF-4.

Todos os desembargadores que julgaram o presidente Lula defenderam que a Lava Jato era uma medida de exceção e que isto era legítimo. Essa explicitação, agora, é para o público, não é para os juristas. Foi defendida por um tribunal que defende que o Moro pode desobedecer a Lei porque ele é um tribunal de exceção.

Sobre os autores

é advogado constitucionalista, professor da PUC-SP e autor do livro Autoritarismo e Golpes na América Latina (Alameda 2016).

é publisher da Jacobin Brasil, editor da Autonomia Literária e um dos organizadores da Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (FLIPEI).

é publisher da Jacobin Brasil, editor da Autonomia Literária, mestre em direito pela PUC-SP, advogado e diretor do Instituto Humanidade, Direitos e Democracia (IHUDD).

Cierre

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Published in América do Sul, Entrevista, FORMATO, Golpes de estado and Política

3 Comments

  1. […] Delgatti, the hacker responsible for leaking the material to the media, was also arrested. Delgatti’s illegal arrest was especially outrageous: while it was deemed a crime to divulge clandestinely held conversations […]

  2. […] de estas. Es decir, fue encarcelado de forma ilegal, tal como anticipó en Jacobin Brasil el abogado Pedro Serrano. El escándalo escaló rápidamente y se hizo imposible mantener a Lula en […]

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