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Nguyen-Ai-Quoc (mais tarde conhecido como Ho Chi Minh) falando no congresso do Partido Comunista Francês em dezembro de 1920. Foto de Michael Goebel.

O jovem Ho Chi Minh

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Tradução
Gustavo Racy

Há 50 anos falecia o jovem vietnamita que abraçou o internacionalismo radical em Paris e mudou o destino de sua nação.

Setenta e quatro anos atrás, dia 2 de setembro em Hanoi, o movimento Vietminh, liderado por Ho Chi Minh, emitiu a Declaração de Independência da República Democrática do Vietnã. Ho Chi Minh era pouco conhecido no Ocidente, mas a partir da década de 1960 seu nome seria entoado por manifestantes ao redor do mundo, se tornando um símbolo da vontade do Terceiro Mundo em se erguer contra o imperialismo norte-americano. 

Em outros tempos, Ho Chi Minh era conhecido como Nguyen-Ai-Quoc. Favorecido por uma educação privilegiada, teria supostamente dito, assim que ouvira o slogan “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, que queria ver a França. Entretanto, a lei colonial proibia nativos vietnamitas de deixar o país: o único modo que ele chegaria à Europa era assumindo um trabalho num navio. Ele viajou primeiro para Londres, depois para Paris.

Os primeiros contato de Nguyen ao chegar em Paris parecem ter sido com a esquerda sindicalista. Ele visitou a Librairie du Travail, uma livraria operária, naquilo que havia sido o escritório do La Vie Ouvrière, um jornal sindicalista revolucionário de Pierre Monatte e Alfred Rosmer, dois dos internacionalistas mais consistentes desde o início da Primeira Guerra Mundial.

Ele então se juntou ao Partido Socialista Francês (SFIO), em meio a um intenso debate para decidir se deveria ou não se filiar à recém formada Internacional Comunista, criada na sequência à Revolução Russa.

O SFIO se reuniu em um congresso em Tours, em dezembro de 1920 para a deliberação, votando a favor da filiação e se tornado o Partido Comunista Francês (PCF), com uma minoria socialista rompendo por aversão à ideia da hegemonia dos bolcheviques russos sobre a Internacional Comunista. 

Nguyen falou enquanto delegado, contando à assembleia como sua terra natal era “vergonhosamente oprimida e explorada”, bem como “envenenada” pelo álcool e pelo ópio. As prisões eram mais numerosas que as escolas e a liberdade de imprensa não existia. Ele insistiu que “o Partido deveria fazer propaganda em todas as colônias”, concluindo com o apelo: “Camaradas, salvem-nos!”

Ele foi aplaudido, mas obviamente tocou em certas feridas. Ele foi interrompido duas vezes. Na primeira interrupção, Jean Longuet, neto de Karl Marx, exclamou em defesa de sua própria reputação: “Eu já intervi pela defesa dos nativos!”. Pouco depois, sob a interrupção de um delegado anônimo, Nguyen respondeu com um sonoro “Silêncio, parlamentares!”

As palavras de Nguyen tinham peso especial, uma vez que uma das condições de filiação ao partido exigia dos comunistas que expusesse os truques e esquivas de “seus” imperialistas nas colônias, apoiando não somente em palavras, mas em atos, todos movimentos de libertação colonial, exigindo a expulsão de seus próprios imperialistas das colônias, inculcando entre os trabalhadores de seus países uma atitude genuinamente fraterna aos trabalhadores das colônias e às nações oprimidas, dando continuidade a agitações permanentes entre as tropas de seus países contra qualquer opressão dos povos colonizados.

Uma forma em que o PCF tentou implementar esta nova política foi buscando relações com um grande número de pessoas colonizadas.

Estima-se que entre 1914 e 1918, algo em torno de 900,000 homens das colônias foram arrastados ao conflito europeu: mais de meio milhão de soldados, ao menos 250,000 do norte da África e muitos milhares da Indochina, além de 220,000 trabalhadores. O PCF logo fundou a Union inter-coloniale organização voltada a pessoas de origem colonial vivendo na França e em abril de 1922 lançou a publicação Le Paria, editada por Nguyen-Ai-Quoc.

A Le Paria era um tanto mal-acabada e certamente mal financiada, e sua circulação era sempre baixa. Entretanto, ela conseguiu amalgamar um grupo pequeno porém dedicado de camaradas comprometidos com a luta anti-imperialista. Grupo este que incluía não só Nguyen-Ai-Quoc, mas também um jovem norte-africano, Hadjali Abdelkader, que mais tarde seria candidato à eleição no partido em 1924.

No decurso da campanha, ele recrutou um operário fabril, Messali Hadj e, juntos, fundaram a Étoile Nord-Africaine, a primeira organização a exigir a independência argelina, de onde surgiria a FLN (Frente Nacional de Libertação) nos anos 1950.

Deste modo o Le Paria semeou ao menos algumas das sementes das duas grandes guerras de libertação que dominariam a política francesa nas duas décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial. Trinta e seis edições do Le Paria  apareceriam entre 1922 e 1926, geralmente em folha única de grande formato, com as manchetes dispostas em alfabetos árabe e chinês.

A principal preocupação do jornal era a situação do império colonial francês. Nguyen-Ai-Quoc escreveu sobre a “crueldade inacreditável” do “funcionário sádico” da administração colonial, contrastando a barbárie da prática colonial francesa com a imagem tradicional da política republicana.

Evocando a imagem feminina de Marianne, que era vista como a personificação da República desde a Revolução Francesa, Nguyen escrevera:

Há dolorosa ironia ao observar que a civilização, simbolizada em suas diversas formas (liberdade, justiça, etc.) pela imagem gentil da mulher e estruturada por uma categoria de homens cuja reputação é de polidez perante as damas, devam fazer com que o símbolo vivo sofra o tratamento mais desprezível, e atacando-a vergonhosamente em seu comportamento, sua modéstia e sua própria vida.

Igual atenção foi dada à luta pelas liberdades políticas, principalmente a liberdade de imprensa, e também protestaram contra o serviço postal por interferir na correspondência ao Le Paria. O jornal animou diversas campanhas, em particular protestando contra a visita do imperador de Annam, Kaï Dinh à Paris.

Raramente o Le Paria colocava a exigência pela independência dos territórios coloniais. O principal impulso das demandas do jornal era pelo fim da repressão e brutalidade nas colônias, assim como pelos direitos iguais entre as populações coloniais e os cidadãos da França metropolitana.

Para este fim, encorajava-se a união entre as classes trabalhadoras da Europa e da Indochina. Num artigo do jornal diário do PCF, L’Humanité, de maio de 1922, Nguyen-Ai-Quoc reconheceu a profundidade da ignorância e preconceito que existia tanto entre os trabalhadores metropolitanos assim como entre os trabalhadores coloniais.

Após citar Lenin acerca da necessidade dos trabalhadores metropolitanos auxiliar as lutas em nações subjugadas, ele observou tristemente: “Infelizmente, há ainda muito militantes que pensam que a colônia não é nada senão um país cheio de areia sob a luz reluzente do sol, alguns coqueiros verdes e homens de cor; e só”.

Enquanto isso, a maioria do habitantes das colônias ou eram repelidos pela ideia do Bolchevismo, ou identificavam-no puramente com o nacionalismo. No que diz respeito à minoria educada, esta talvez compreendesse de que se tratava o comunismo, mas não possuía interesse em vê-lo estabelecido: “como o cão da fábula, eles preferem usar uma coleira, mas garantir seu osso”.

Por isto, Nguyen argumentou:

Da ignorância mútua de ambos os proletariados nascem os preconceitos. Para o trabalhador francês, o nativo é um ser inferior, insignificante, incapaz de compreender e muito menos de agir. Para o nativo, os franceses – sejam lá quem eles forem – são todos exploradores maldosos. Imperialismo e capitalismo não falham em tirar vantagem desta desconfiança mútua e desta hierarquia racial artificial para obstruir a propaganda e dividir forças que deveriam se unir.

E ele conclui: “frente a essas dificuldades, o que deve fazer o Partido? Intensificar a propaganda para superar-los.”

Assim o Le Paria defendeu a unidade entre os operários metropolitanos e coloniais. Em um “Apelo às Populações Coloniais” de agosto de 1922, insistia: “Perante o capitalismo e o imperialismo, nossos interesses são os mesmos. Lembremos das palavras de Karl Marx: Trabalhadores de todos os países, uni-vos”. Na edição seguinte, Max Clainville-Bloncourt reforçaria: “Irmãos nas colônias, é indispensável que vocês se dêem conta que não há salvação possível para vocês por fora da conquista do poder político na Europa pelas massas trabalhadoras”. 

Esta mensagem atingiu principalmente as colônias. Sua tiragem inicial parece ter sido de 1.000, chegando até 3.000. A maioria dos exemplares foram para as colônias; de 2000 cópias, somente 500 ficaram em França, enquanto 500 foram para Madagascar, 400 para o Daomé, 200 para o Magrebe, 100 para a Oceania e 200 para a Indochina.

Dado que a distribuição era clandestina e as cópias frequentemente confiscadas pelas autoridades, é difícil saber de fato a amplitude em que o jornal era distribuído. Mas o Le Paria sem dúvida foi bem sucedido na construção de um time entusiasmado de ativistas que carregavam o jornal a despeito da pouca adesão por camadas mais amplas do PCF.

Le Paria na prática desapareceu após setembro de 1925, lançando sua última edição em abril de 1926. Aos poucos, porém continuamente, os quadros entusiasmados e corajosos que haviam construído o Le Paria se dispersaram. Nguyen-Ai-Quoc/Ho Chi Minh partiu para Moscou em 1923 e logo embarcou na linha majoritária stalinista, do comunismo oficial. 

Internacionalismo Minguante

O espírito do internacionalismo proletário que animou o pequeno grupo de pioneiros em torno do Le Paria desapareceu junto com Ho Chi Minh, cimentando a relação desigual da esquerda francesa com o imperialismo.

Em nenhum lugar isso ficou mais claro do que no Sudeste Asiático. A Indochina Francesa foi formada inicialmente em outubro de 1887, após a Guerra Sino-Francesa. Um dos arquitetos da colonização foi Jules Ferry, primeiro-ministro até 1885. Ferry era abertamente racista, tendo declarado à Assembleia Nacional em 1885 “Nós devemos dizer abertamente que raças superiores… têm o dever de civilizar raças inferiores”.

Sua outra conquista notável foi estabelecer a educação gratuita, compulsória e laica na França. Ainda que isto às vezes seja visto como parte da herança de esquerda, ela era integral as aspirações imperiais de Ferry. Uma vez que França deveria se tornar um grande poder imperial, necessitaria de um exército, largamente composto de camponeses com um forte senso de identidade nacional.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a Indochina foi governada por uma administração colonial francesa controlada pelo governo pró-Alemanha de Vichy, que fez um acordo com o Japão em 1940. Em 1945 o Japão, por sua vez, ocupou o território. Após os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, o Japão se rendeu rapidamente, tomando de surpresa os Aliados, que imaginavam que a guerra continuasse até 1946.

Inicialmente, não foi a França que reocupou o Vietnã, mas a Grã-Bretanha, então governada pelos trabalhistas. Foi decidido na conferência de Potsdam, em julho de 1945, que as forças chinesas ocupariam a parte norte da Indochina e as tropas britânicas a metade sul.

A França ainda se recuperava de quatro anos de ocupação e precisava de tempo para reorganizar suas forças armadas. Somente em outubro as tropas francesas iniciaram (por navio) sua retirada da Indochina. As forças britânicas, utilizando as tropas japonesas recém derrotadas, intervieram para garantir que a França pudesse reclamar sua colônia mais para frente. Charles De Gaulle, que encabeçou  o governo provisório da França em 1945, expressou o momento pós-guerra em transmissão radiofônica, anunciando a fundação da Quarta República:

Nossos portos estão reabrindo. Nossos campos estão sendo arados. Nossas ruínas estão sendo clareadas. Quase todos que deixaram a França retornaram. Estamos recuperando nosso imperio. Estamos estabelecidos no Reno. Estamos retomando nosso lugar no mundo.

Os partidos de esquerda que dominavam o governo – comunistas, socialistas e democratas cristãos – não fizeram oposição às exaltações imperialistas de De Gaulle. De fato, até 1947, mesmo após o início de uma guerra de larga escala, ministros comunistas respeitaram a disciplina ministerial votando a favor dos créditos de guerra (ainda que deputados comunistas tenham demonstrado sua oposição se abstendo na votação).

Um representante da Indochina que visitou a França em 1946 relatou uma reunião com o líder comunista Maurice Thorez na qual declarou que o partido “não tinha a intenção de ser considerado responsável por liquidar as posições francesas na Indochina, e que [ele]  desejava ardentemente ver a bandeira francesa tremulando em todos os cantos da União Francesa”.

O Partido Socialista estava igualmente disposto a preservar o império. O líder veterano Léon Blum defendeu a fórmula de reconhecer o Vietnã como “um estado livre dentro da União Francesa”, mas justificou a decisão com uma retórica muito própria ao imperialismo: “Há apenas um único meio de preservar, na Indochina, o prestígio de nossa civilização, de nossa influência política e espiritual, assim como de nossos legítimos interesses materiais, e isto seria um acordo sincero baseado na independência”.

A guerra na Indochina começou em 1946, sob o governo de Blum, em parte por ele ter fracassado em questionar o comando militar francês que tornou a guerra inevitável.

Apenas pequenas correntes à esquerda se opuseram à recolonização da Indochina. Em 22 de dezembro de 1945, o jornal independente de esquerda Franc-Tireur publicou um ataque vigoroso à política externa francesa, citando uma carta de um um soldado francês que comparava as ações francesas na Indochina ao Massacre de Oradour, uma das piores atrocidades durante a ocupação nazista da França.

Uma série de fatores levou a esquerda francesa a fracassar na oposição ao restabelecimento do Império Francês, incluindo a lealdade do Partido Comunista à Rússia, que naquele ponto não queria causar problemas desafiando o imperialismo ocidental.

Mas o principal fator foi a tradição republicana que dominava o pensamento político francês, especialmente à esquerda. Isto encorajou a noção de que o papel da França no mundo era um progressivo, trazendo a civilização e o esclarecimento aos territórios ignorantes – a chamada “missão civilizatória”

Acreditava-se que os habitantes do mundo colonial podiam e deviam aspirar a nada mais do que serem cidadãos da República Francesa. É interessante contrastar tal visão com a postura do governo britânico pós-Guerra, que aceitou a independência indiana. A França, ao contrário, se agarrou à Indochina e à Argélia até que fosse expulsa por meio de amargas e prolongadas lutas pela independência.

O restante da história é conhecido. Os franceses lutaram para manter a Indochina até serem finalmente derrotados na batalha de Dien Bien Pu em 1954. O Vietnã foi dividido, mas o papel estadunidense em inflar seu aliado sul-vietnamita levou a mais guerra. Somente em 1975 o Vietnã finalmente alcançou a independência, após três décadas de guerras que deixaram em cerca de dois milhões de mortos.A realidade poderia ter sido outra? Estas especulações são sempre complicadas. Porém, se a esquerda francesa tivesse sido verdadeira aos princípios verdadeiramente internacionalistas em 1945, aqueles pelos quais o jovem Ho Chi Minh havia lutado no início dos anos 1920, a história talvez tivesse tomado um rumo menos trágico.

Sobre os autores

é autor do livro "Tony Cliff: A Marxist for His Time", entre outros.

Cierre

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Published in Ásia, Guerra e imperialismo, História, Imperialismo and Perfil

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