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Fidel Narvaez, ex-cônsul do Equador em Londres e Kristinn Hrafnsson, editor-chefe do WikiLeaks, realizam uma conferência de imprensa sobre o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, em 10 de abril de 2019 em Londres, Inglaterra. Jack Taylor / Getty

“Fui demitido por ajudar Assange e não me arrependo”

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Tradução
Cauê Ameni

Conversamos com Fidel Narvaez, o diplomata equatoriano deposto que trabalhou no caso do fundador do Wikileaks, Julian Assange, para saber mais sobre o motivo pelo qual Lenín Moreno cedeu à pressão internacional, quebrou suas promessas e entregou o ciberativista às autoridades britânicas.

UMA ENTREVISTA DE

Stefania Maurizi

Julian Assange recebeu asilo em 2012, no auge da maré cor de rosa da América Latina, quando governos progressistas em todo o continente desafiaram a interferência dos EUA na região. Seis anos e meio depois, a expulsão de Assange reflete uma guinada à direita na política equatoriana e um novo presidente, Lenín Moreno, disposto a servir os interesses dos EUA novamente.

Por sua cooperação, Moreno foi calorosamente recebido por Washington, pelo Secretário de Estado Mike Pompeo expressando seu entusiasmo por “continuar trabalhando em parceria” com o Equador.

Para discutir a dinâmica por trás da decisão de expulsar o fundador australiano do Wikileaks, Jacobin conversou com Fidel Narvaez, ex-cônsul equatoriano em Londres, que foi fundamental na obtenção de asilo para Assange em 2012 e que passou seis anos na embaixada convivendo com ele.

SM

Quando você soube pela primeira vez sobre Julian Assange?

FN

Ouvi falar de Assange pela primeira vez em 2010, quando o Wikileaks começou a publicar os documentos militares e diplomáticos norte-americanos. Eu o contatei pessoalmente em 2011, porque meu governo estava interessado em divulgar todos os telegramas diplomáticos sobre o Equador. Não estávamos procurando acesso privilegiado aos vazamentos, mas queríamos que eles estivessem disponíveis em domínio público. Para esse fim, em maio de 2011, o Wikileaks divulgou todos esses documentos – e sem restrições.

Desde daí, eu mantive algum contato com a equipe do Wikileaks. Então, quando Assange chegou ao estágio em que precisava de proteção e bateu à porta do Equador, ele veio a mim primeiro. Eu senti fortemente a ideia de protegê-lo, porque minha formação não é em diplomacia, mas em direitos humanos. Eu estava absolutamente convencido de que ele precisava de proteção.

SM

Você teve a sensação de que, ao oferecer proteção a Assange, o então presidente do Equador, Rafael Correa, queria antagonizar os Estados Unidos?

FN

Os Estados Unidos são uma grande superpotência. Também é o parceiro econômico mais importante do Equador, por isso não é do nosso interesse procurar uma luta. No entanto, queríamos deixar claro que não queríamos ter os mesmos relacionamentos que historicamente tínhamos. Por isso, dissemos “não” à base militar dos EUA em Manta: queríamos exercer nossa soberania de acordo com nossa nova Constituição, que não permite presença militar estrangeira no país.

Quando os vazamentos do WikiLeaks trouxeram à tona a interferência de uma embaixadora americana nos assuntos internos do Equador, ela foi expulsa em seguida. Também expulsamos vários agentes da CIA, porque estavam interferindo em nossas forças policiais. Recusamos entrar em acordos de livre comércio com os Estados Unidos, porque não eram o melhor negócio para o nosso país. No caso de Assange, não éramos obrigados a fornecer asilo, mas víamos isso como uma questão de direitos humanos e a coisa certa a se fazer.

SM

O que aconteceu imediatamente depois que você concedeu asilo a ele?

FN

Os Estados Unidos, é claro, não ficaram felizes, e acho que eles estavam agindo através do Reino Unido. O discurso oficial americano era negar que eles estavam indo atrás do Assange. Mas um dia antes de anunciarmos o asilo, o Reino Unido entregou uma carta ameaçando entrar na embaixada para prender ele. Eles também mobilizaram um contingente desproporcionalmente grande de policiais e, à noite, fecharam a rua. Havia policiais por toda parte: eles estavam do lado de fora de todas as janelas e estavam dentro do prédio, porque havia um pátio interior. A diplomacia equatoriana reagiu rapidamente e rejeitou publicamente as ameaças: você não pode invadir uma embaixada, nem mesmo durante uma guerra. Os britânicos recuaram e até tentaram dizer que havíamos entendido mal. De qualquer forma, o Equador permaneceu firme e concedeu asilo. Protegemos Assange por seis anos até a mudança de governo.

SM

Qual foi o momento mais difícil?

FN

A noite em que os britânicos ameaçaram a embaixada foi provavelmente a mais tensa, mas depois disso, eu diria as eleições nos EUA, quando o WikiLeaks publicou os documentos do Partido Democrata.

SM

Os Estados Unidos enviaram alguma comunicação diplomática oficial nessa ocasião?

FN

Não, não que eu saiba. Só posso especular que a pressão foi feita de maneira diplomática, provavelmente através do embaixador nos Estados Unidos. Além disso, pela primeira vez, o governo suspendeu a conexão com a Internet de Assange durante as eleições, por cerca de dez dias. No entanto, o Equador não retiraria a proteção, não sob o presidente Correa. Mas esse foi um momento difícil.

SM

Vocês tiveram medo?

FN

Pessoalmente, não. No entanto, durante esses anos, houve algumas vezes em que a embaixada recebeu ameaças, principalmente por correio. Também recebemos pó branco em envelopes.

SM

Como foi o relacionamento de Assange com os funcionários da embaixada?

FN

Ao contrário do que o governo de Moreno alega às pessoas, havia respeito mútuo entre Assange e a equipe diplomática e administrativa da embaixada.

SM

O jornal espanhol El País revelou recentemente que a UC Global, empresa de segurança contratada pelo Equador para proteger Assange dentro da embaixada, estava realmente espionando ele, assim como sua equipe e todos os jornalistas, advogados e ativistas que o visitaram. El País informou que a empresa compartilhou as informações com a CIA. Você já suspeitava de algo assim?

FN

Eu nunca confiei na segurança da embaixada. Eles foram trazidos em 2012, dois meses após a chegada de Assange. Precisávamos de segurança porque a embaixada não tinha câmeras instaladas, mas acho que a empresa não era profissional. Para garantir seu próprio emprego, eles estavam deturpando o comportamento de Asange dentro da embaixada.

SM

Você tem algum exemplo disso?

FN

Deixe-me descrever um pequeno episódio. No começo, durante a noite, alguém jogava algo das ruas nas janelas de Assange. Ele foi imediatamente ver o segurança e pediu-lhe que olhasse através das câmeras de segurança. O guarda não falava inglês, ele não sabia o que Assange queria, não deixou ele olhar para as câmeras e houve uma pequena discussão. O que a empresa fez? Queixou-se dele. No vídeo, vi que a polícia britânica do lado de fora estava se divertindo, jogando moedas na janela de Assange às duas horas da manhã.

Por isso, reclamei da empresa, dizendo que Assange não era o problema e pedi para ver o vídeo – que eles nunca reproduziram, alegando que tinham perdido. Devo dizer que subestimamos a extensão da espionagem dessa empresa. Sabíamos que a UC Global havia começado a produzir relatórios muito imprecisos, deturpando o que estava acontecendo na embaixada. Era do interesse da empresa retratar Assange como uma presença problemática. Por quê? Porque assim estavam justificando seu próprio emprego.

SM

É a velha estratégia de “manter o problema, para que o dinheiro continue fluindo”…

FN

Exatamente. Nós subestimamos isso. Logo, os relatórios da empresa vazaram e, obtendo acesso a eles, a imprensa equatoriana começou a atacar Assange, pressionando o governo a se livrar dele. Então, com base nesses relatórios, a mídia internacional também lançou campanhas agressivas de difamação, especialmente no The Guardian e na CNN.

SM

O The Guardian chegou a reportar o “plano secreto da Rússia para ajudar Julian Assange a escapar do Reino Unido”…

FN

Antes de tudo, existe uma obsessão em tentar vincular o WikiLeaks à Rússia. Acho que não há motivo para isso – nem em termos de estado russo, nem de serviços de inteligência russa. Em 2017, o Equador nomeou Assange como diplomata e solicitou ao Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido que o registrasse na lista diplomática. A ideia era aumentar a proteção do asilo político, de maneira semelhante ao que o Reino Unido fez com o jornalista Nazanin Rafcliffe [detido pelo Irã]. O Reino Unido rejeitou e, embora o Equador pudesse levar o caso ao Tribunal Internacional de Justiça, havia outra opção: nomear Assange como diplomata para que um outro país o aceitasse. Portanto, é verdade que o Equador considerou designá-lo como diplomata na Rússia, mas, no final, isso não aconteceu.

SM

Por que?

FN

Não sei ao certo, mas acho que os Estados Unidos souberam do plano e ameaçaram com ações hostis. Esse foi o ponto de ruptura. Depois disso, o Equador começou a retirar sua proteção. Esse é o fato. O The Guardian publicou uma história muito diferente, dizendo que a Rússia havia planejado uma operação secreta para fazer a fuga do Assange.

SM

Uma história meio James Bond…

FN

Foi assim que o The Guardian relatou. O artigo dizia que eu era o contato de Moscou, em outras palavras, que estava tramando com a Rússia. Eu registrei uma queixa contra o jornal e isso ainda está sendo avaliado.

SM

Por que você acha que Lenín Moreno parou de proteger Julian?

FN

Lenín Moreno nunca gostou de Assange, nem mesmo quando era vice-presidente. Ele não entende o que é o WikiLeaks ou o que eles fazem. No início de seu governo, Maria Fernanda Espinosa – que se tornou presidente da Assembléia Geral da ONU logo depois – era quem protegia Assange, apesar da aversão de Moreno por ele. Mas, quando ela saiu de lá, foi quando acho que o destino de Assange foi decidido: eles começaram a defender o fim de seu asilo. Como? Eles o isolaram, tentaram derrubá-lo, para que ele deixasse a embaixada por vontade própria. Mas eles falharam.

Quando o isolamento começou a provocar uma condenação internacional, eles tentaram impor o chamado “protocolo”, que era um regime carcerário ultrajante de colocar “cascas de banana” por todo o chão para provocá-lo e ter uma desculpa para expulsá-lo. Essa foi uma das estratégias. Outra era difamá-lo para justificar sua expulsão e abordar os britânicos e americanos para entregar Assange.

SM

Você não era mais um diplomata naquela época, certo?

FN

Não, eu saí em julho de 2018, porque me pediram. Eles não me queriam mais – e eu também não os queria. Era insuportável. O isolamento de Assange começou quando eu estava lá. Eu testemunhei isso.

SM

Moreno obteve um acordo de 4,2 bilhões de dólares do Fundo Monetário Internacional (FMI). Você acha que isso foi relacionado à entrega de Assange?

FN

Moreno estava desesperado para conseguir dinheiro de qualquer fonte. Sob Correa, evitamos acordos com o FMI, mas com Moreno as coisas eram diferentes. Eu acho que ele teria expulsado Assange de qualquer maneira, mesmo que não tivesse recebido dinheiro para isso, porque faz parte de sua mentalidade colonial ser subserviente, tentar agradar os Estados Unidos. Eu não seria capaz de dizer se a expulsão dele era uma condição do acordo, mas sabemos que os Estados Unidos têm poder de veto no FMI.

SM

Você perdeu sua posição privilegiada por não ser mais um diplomata. Você tem algum arrependimento?

FN

Claro, eu paguei um preço. Não acho que minhas oportunidades de emprego sejam muito amplas. Se as pessoas pesquisam meu nome no Google, veem que o The Guardian me chama de “conspirador russo” e que o governo do Equador está tentando me desacreditar. Mas não me arrependo de nada. Como diplomata, as pessoas mais interessantes que conheci estavam relacionadas ao asilo de Julian Assange e na tentativa de ajudar Edward Snowden. Eu faria isso de novo, com certeza.

Sobre os autores

é o ex-cônsul equatoriano em Londres que foi fundamental na obtenção de asilo para Assange em 2012 e que passou seis anos na embaixada com ele.

é jornalista investigativa do jornal italiano La Repubblica. Ela trabalhou em todos os principais lançamentos do WikiLeaks e fez uma parceria com Glenn Greenwald para revelar os arquivos Snowden sobre a Itália.

Cierre

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Published in América do Sul, Entrevista, Imperialismo, Legislação, Política and Tecnologia

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