Agentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) elogiaram repetidamente a resposta do governo mexicano à crise do COVID-19: “O México está implantando várias lições aprendidas por outros países, como a China, e aplicando medidas consistentes com as recomendações da OMS; foi o primeiro país a implementar um programa de detecção do coronavírus e essa é uma premissa básica para reduzir a velocidade da pandemia”.
Com casos ligeiramente acima de 400, cinco mortes (uma taxa de mortalidade de 1,5%, bem abaixo da média global) e 10% dos casos exigindo hospitalização, a estratégia apresentada pelo vice-secretário de saúde pública Hugo López-Gatell Ramírez parece estar funcionando até então. O rastreador de resposta ao COVID-19 da Universidade de Oxford coloca o México na mesma categoria de rigor que os Estados Unidos (apesar da diferença drástica no número de casos e mortes), e medidas de distanciamento social foram implementadas muito antes de outros países em relação ao número de casos.
Nós não saberíamos de nada disso se dependesse dos ataques da imprensa nacional e estrangeira, pintando o governo mexicano como inerte e o presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO) como um populista supersticioso que usa imagens de santos para combater o vírus. Quase sem exceções, esses artigos omitem até as mais básicas premissas subjacentes de um plano de saúde pública em andamento há meses.
López-Gatell deu entrevistas coletivas diariamente durante todo o mês de março. Um plano para identificar e isolar casos e testar todos os contatos possíveis está em vigor desde janeiro. As taxas de teste continuam baixas, mas bem direcionadas. De acordo com Jean-Marc Gabastou, da OMS, “9.000 testes para a fase 1 da epidemia [quando todos os casos de contágio estão relacionados a viagens para fora] e, eventualmente, para a fase 2 [quando o contágio já acontece por transmissão local] é suficiente.”
Os níveis atuais de testes direcionados são complementados com dados de um sistema de rastreamento permanente que acompanha casos com sintomas semelhantes, como influenza ou doenças pulmonares, não tendo mostrado picos anômalos nesse período. Até agora, mesmo com os casos ainda na casa das centenas, as escolas estão fechadas, os eventos com mais de cem pessoas estão proibidos, o home office está sendo recomendado para todos que podem fazê-lo, as populações vulneráveis ganharam direito a um mês de licença remunerada e uma campanha de distanciamento social está em vigor em nível nacional. Medidas mais rigorosas foram adotadas na Cidade do México.
No entanto, a questão sem dúvidas permanece: por que as autoridades não pediram um bloqueio total, sabendo — como elas próprias admitiram — que o vírus continuará se espalhando, mesmo que o número de casos ainda esteja baixo? A resposta que López-Gatell articulou extensivamente (mas que misteriosamente parece não ter repercutido na maioria dos noticiários da mídia) é a seguinte: em um país com uma taxa de pobreza de 50% e uma força de trabalho informal de 60%, uma quarentena perde seu poder ao longo do tempo, à medida que as pessoas são incapazes de mantê-la. Portanto, o governo precisa adiá-la até que essa seja única medida eficaz (em estágios subsequentes de contágio, quando será mais necessária).
Com um número relativamente pequeno de casos, detecção, isolamento e distanciamento social moderado ainda são medidas eficazes. Pelos próprios cálculos de López-Gatell, os números irão aumentar; será uma epidemia longa e a quarentena poderá ser necessária. Mas preservar a eficácia do bloqueio como uma intervenção para achatar a curva requer estratégias cronológicas. Na Espanha e na Itália, de acordo com essa teoria, o bloqueio foi implementado tarde demais; em outros países, os líderes que respondem a pressões políticas em vez de preceitos epidemiológicos o instituíram muito cedo e serão forçados a revertê-lo com o passar do tempo (ou mantê-lo através de uma perda grave dos direitos civis).
Aqui, é interesse fazer um contraste com Jair Bolsonaro no Brasil e Donald Trump nos Estados Unidos que, em diferentes graus, se opuseram ao bloqueio total. Bolsonaro é contra qualquer quarentena, negando o coronavírus como se fosse uma “gripezinha”. Trump também é contra, temendo prejudicar suas perspectivas eleitorais e seus amigos ricos. Ele está considerando reverter a quarentena, mesmo enquanto o número de casos aumenta. López Obrador, por outro lado, vê o país em uma fase incipiente de uma batalha progressiva, ao contrário de Bolsonaro, e quer instituir um bloqueio precisamente quando os casos começarem a aumentar, ao contrário de Trump.
O trabalho deplorável da imprensa internacional (e mexicana) na transmissão da lógica por trás da estratégia mexicana é embaraçoso e irresponsável. A maioria dos artigos que circulam nas principais publicações simplesmente recicla o pensamento de grupos do Twitter, provenientes de um elenco de críticos instintivos de López Obrador (uma mistura de reacionários e liberais de centro-direita), expressando indignação por declarações públicas descontextualizadas.
Por exemplo, quando López Obrador exibiu uma coleção de imagens de santos que havia recebido de alguns apoiadores para sua proteção, isso foi interpretado como seu suposto “plano de combater o vírus”. As falhas de comunicação entre ele e outros agentes do governo, verdadeiras, mas, em última instância, pequenas, foram tiradas de qualquer proporção legítima.
No entanto, o desafio do México ainda está por vir, à medida que o número de casos aumenta e o planejamento dos estágios subsequentes é colocado à prova. E, como em todos os outros países, a principal crise a ser enfrentada será o colapso econômico iminente. Até o momento, os planos de López Obrador para a crise econômica ainda estão sendo estudados.
Medidas importantes foram anunciadas, como o adiantamento de transferências de dinheiro para idosos, estudantes e outros; a concessão de um milhão de empréstimos a pequenas empresas; e uma recusa firmemente expressa de socorrer corporações. Mas a principal limitação estrutural de seu projeto permanece — a crença de que a economia feita com o fim da corrupção governamental pode compensar a necessidade de aumentar os impostos sobre os ricos ou os déficits orçamentários. E, no entanto, embora uma reforma tributária redistributiva esteja sendo difícil de implementar em um país onde os fundos do governo foram sistematicamente desviados, a gravidade da crise que está por vir pode muito bem quebrar esse tabu. Quando esse momento crítico chegar, o projeto de López Obrador deverá ser reavaliado.
Sobre os autores
é professor assistente de sociologia na Universidade de Syracuse e pesquisador visitante no Weatherhead Center for International Affairs em Harvard.