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1998: Michael Jordan, número 23 do Chicago Bulls descansa na quadra durante um jogo. Mike Powell / Allsport.

Michael Jordan era um ícone capitalista e Arremesso Final é sua mitologia comercial

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Tradução
Victor Alexander

Série muito elogiada da ESPN não é um documentário. É uma peça de ficção de dez horas para criar mitos que dá a Michael Jordan mais chances de vender produtos focados onde ele mais se importa: nele mesmo.

Arremesso Final, comercial de dez horas da ESPN – perdão, documentário – sobre o último ano de Michael Jordan como jogador do Chicago Bulls na temporada 1997-98, começa em 1984 com um então novato garoto aquecendo antes de um jogo. Ele é magrelo e cabeludo. Seu arremesso parece desajeitado, não a forma perfeita em que chegou mais tarde. O jovem Jordan é questionado sobre o futuro e o que ele queria da sua carreira.

“Eu só quero que a franquia e o Chicago Bulls sejam respeitados como um time”.

Arremesso Final mostra entrevistas com a família Jordan, seus colegas de time, suas famílias, treinadores, executivos da NBA, oponentes, amigos, celebridades, e, mais proeminentemente, o próprio Jordan para mostrar apenas o quanto ele conquistou muitas coisas além de ser “respeitado”.

A série de dez partes foi originalmente pensada para ser lançada em junho. Mas a ESPN – reconhecendo a alta audiência quando transmitiu um episódio – moveu a data de lançamento para 19 de abril para ter alguma vantagem frente a escassez de esportes ao vivo causado pela pandemia. 

Com Arremesso Final, ESPN e Jordan – que manteve autoridade sobre o corte final – estão vendendo propaganda como fatos, uma criação mitológica como registro histórico. A série é promovida como documentário. Mas não é. Após ganhar quase US$ 2 bilhões ao longo da vida, Jordan está vendendo tudo o que resta: ele mesmo.

O conteúdo de Arremesso Final ficaram na biblioteca de Nova Jersey por quase vinte anos sem uso. Quando Jordan deu a luz verde para o projeto? Em 23 de junho de 2016 – o dia que Lebron James e o Cleveland Cavaliers realizaram um desfile de vitória após vencer o campeonato na NBA. Dado que Jordan admite na série que ele tem um “problema competitivo”, não é difícil de imaginar ele concordando com o projeto para alavancar sua mitologia assim que seu histórico rival está construindo o seu.

Jason Hehir, o diretor, ficou supostamente “chocado” com as filmagens e as histórias sobre a fúria de Jordan com seus colegas de equipe, como a vez que ele socou Steve Kerr – cenas incluídas em Arremesso Final. Ele não deveria. É seguro compartilhar essa história porque não contraria os mitos de Jordan – ele apoia a divulgação. Quando Jordan fala sobre o confronto com o Detroit Pistons no fim dos anos 1980, a implicação é clara: o Pistons era violento e a violência era ruim para o basquete. Mas Jordan deixa Kerr com um olho roxo durante o treino, ele é um competidor heróico que empurra a si e a todos ao redor dele. Mas o mito está sempre à venda.

E é aqui que as deficiências da série começam: quando Jordan é isentado dos mesmos padrões de todos os outros. O quinto episódio tem a participação de Kobe Bryan em uma entrevista feita antes de sua morte na queda de helicóptero em janeiro deste ano. Bryant e Lebron são os únicos sucessores de Jordan a ganharem projeções semelhantes. Bryan diz: “O que vocês conseguem de mim veio dele. Eu não conquistei cinco campeonatos… sem ele. Porque ele me guiou tanto. Ele me deu muitos conselhos.”

É comum para os maiores jogadores de basquete dar crédito a suas inspirações. Mais cedo na série. O colega de Jordan no Chicago, Scottie Puppen, lista Julius Erving como um herói. Mas durante as primeiras oito horas de Arremesso Final, não há menção a quais jogadores inspiraram Jordan. Mas os mortais têm ancestrais.

A falta de objetividade cria brechas na narrativa, mesmo quando a produção tentar parecer crível. Quando mostra o Chicago Bulls com seu segundo troféu após as finais de 1992, o então comissário David Stern proclama, “um é bom. Dois é quase impossível”. Mas, dois anos antes dos títulos do Chicago, o Detroit tinha ganhado o bicampeonato. E dois anos antes disso, o Los Angeles Lakers também tinha ganho duas vezes. Mas a NBA dependia do mito Jordan para sua explosão de lucros, então por que não mentir descaradamente né?

Após o time masculino olímpico de 1992 ganhar a medalha de ouro, Jordan, o porta-voz mais famoso da Nike, cobriu com uma bandeira norte-americana o logo da Reebok no uniforme oficial das Olimpíadas. Willow Bay, que trabalhou na NBC quando ela exibia a NBA durante o começo da carreira de Jordan, diz, “Michael era tão único na sua busca competitiva e a busca se estendeu a seus parceiros como a Nike que ele não poderia suportar e imaginar vestir a logo da Reebok em um estádio… então ele cobriu o logo com uma bandeira dos EUA. Isso foi extraordinário.” Possivelmente não tão extraordinário quanto o legado de Jordan como ícone corporativo e politicamente vazio.

Uma crítica à Jordan que persistiu ao longo das décadas foi sua recusa a apoiar o Democrata da Carolina do Norte Harvey Gantt em sua campanha ao Senado em 1990 contra o republicano Jesse Helms, racista assumido (Jordan cresceu em Wilmington e estudou na Universidade da Carolina do Norte). A infame defesa de Jordan foi que “republicanos também usam tênis”. Hoje Jordan diz que esse comentário foi feito como uma piada entre seus colegas de time. Ainda assim, ele continua defendendo sua falta de envolvimento político: “Eu não era um político. Eu estava focado no que estava construindo. Isso era egoísta? Provavelmente, mas essa era minha energia. Era ali onde estava meu vigor.” Nike, McDonald’s, Gatorade, Hanes e uma galeria de marcas felizmente poderia provar que Jordan estava errado nessa afirmação. Ele estava focado no objetivo dessas empresas para promover mais merchandising. Nisto também estava seu foco.

Claro, Arremesso Final não se aprofunda nisso. Até os sucessos corporativos são cuidadosamente selecionados. David Falk (agente de Jordan) e Sonny Vaccaro (o homem que assinou com Jordan seu primeiro contrato de tênis) são dois dos maiores nomes de destaque na ascensão do atleta a ícone comercial. Falk é entrevistado e discutido frequentemente. Vaccaro nunca é mencionado. Pergunte-se qual deles a Nike demitiu em 1991?

Jordan guarda sua maior ira na série para Jerry Krause, o antigo gerente do Chicago que faleceu há três anos. “Eu não poderia deixar alguém que não coloca o uniforme todo dia dizer o que nós devemos fazer na quadra”. Jordan fala da insistência de Jerry Krause ultrapassar os limites do escritório. Jordan ficou ressentido com as tentativas da gerência de interferir no produto em quadra. Mas, se aplicarmos suas palavras em outros contextos? Nike não tinha nada a ver com o Dream Team ganhando a medalha de ouro em 1992? Claramente Jordan cobriu o logo da Reebok para não desafiar os desejos da Nike. Por que o interesse da burocracia no time é menos apropriado do que uma empresa de calçados impactando uma cerimônia de medalha?

Uma das ironias do sucesso é como ele pode afastar alguém das mesmas condições necessárias para obter mais sucesso. Jordan foi implacável em sua jornada para ser o melhor jogador de basquete até então, e ele alcançou esse status. Mas seu sucesso no trabalho e as qualidades que levaram ele a tais alturas pode ter criado pontos cegos em Jordan. Ele não percebeu que por trás dele estava o aposentado e proprietário do Charlotte Hornets que ele tanta reclama: Jerry Krause.

Krause foi nomeado gerente geral depois da temporada de estreia de Jordan. Ele orquestrou as compras de jogadores para adquirir Pippen logo após sua saída da faculdade. Ele contratou Doug Collins, um treinador que Jordan admirava em parte por concordar que a melhor estratégia era levar a bola para ele o mais rápido possível, então demitiu Collins apesar do afeto de Jordan porque ele sabia que o Bulls precisava de algo diferente. Outra contratação de Krause foi Tex Winter, que designou o famoso “triângulo ofensivo” que Chicago usou durante seis das suas temporadas de campeonato. Collins foi substituído por Phil Jackson, que não estava no radar de nenhum outro time e que caminhou até ganhar onze títulos, mais que qualquer outro treinador na história da NBA.

Krause trouxe Toni Kukoč em 1990. Ele se tornou membro chave em seus últimos três campeonatos do Chicago. Possivelmente mais impressionante, foi quando Krause se opôs a ideia da troca por Dennis Rodman, uma personalidade desafiadora que estava no Detroit quando eles intimidaram e bateram o Chicago Bulls anos antes. Mas Krause ouviu outras opiniões no escritório e confiava nelas o suficiente para aprovar a mudança. A amizade de longo prazo de Jordan com Charles Barkley acabou há alguns anos atrás, após Barkley dizer: “Assim como amo Michael Jordan, mas se ele continuar a contratar babacas e amigos, ele não seguirá sendo bem-sucedido.”

Um dos momentos mais humanos em Arremesso Final acontece quando Jordan reclama da busca de Krause por Kukoč. “Krause… ele está disposto a colocar alguém na frente de seus verdadeiros filhos, que deram a ele tudo o que poderíamos”. Muitos de nós lutaríamos contra o comportamento de Krause. Quando ele contratou o croata, o Chicago Bulls já era o time número um da liga, e pelo time, Kukoč deixou a Europa pelos Chicago Bulls que já havia vencido três campeonatos. No entanto, aqui estava Krause, cortejando abertamente um estranho e pagando-lhe mais do que Pippen. Por que arriscar balançar o barco?

Krause não estava contenta em estacionar no topo de um vencedor. Ele herdou Jordan, a peça mais importante do quebra cabeça. Um esforço incansável para vencer, fazer do seu jeito, para mostrar ao mundo que ele não estava satisfeito, mesmo depois de três títulos: isso manteve Krause. 

Se qualquer um poderia apreciar essas qualidades em um concorrente, deveria ser Michael Jordan. Mas isso não se encaixa no mito – e o mito, como o homem por trás dele está agora, e sempre, à venda.

Sobre os autores

escreve sobre a NBA e EPL para SBNation e FanSided e ensina a escrever para a Stony Brook University.

Cierre

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