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Michael Brooks (1983-2020) teve a chance de conhecer o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva no início deste ano, depois de defender sua libertação da prisão.

Lembrando nosso amigo e camarada Michael Brooks

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Tradução
Fábio Fernandes

Perdemos uma parte insubstituível da família Jacobin. Homenageamos aqui sua vida e seu legado.

É muito difícil para mim escrever isto, ou dar a meu amigo o tributo que ele merece. Hoje cedo, recebi a notícia devastadora da súbita doença e falecimento de Michael Brooks.

Conheci Michael em 2013, quando a Jacobin estava começando e Michael trabalhava no Majority Report. O âncora do Majority Report, Sam Seder, me disse que havia conhecido Michael no ano anterior. Michael tinha raízes na cidade de Nova York, mas passou seus anos de formação no oeste de Massachusetts e estava retornando à cidade e procurando emprego.

Sam precisava de um produtor, encontrou-se com Michael para tomar uma bebida e ficou “imediatamente impressionado com sua inteligência e senso de humor e decidiu contratá-lo, apesar de seu aviso ameaçador de que ‘não era bom em detalhes’”.

Essa podia não ser a melhor característica para um produtor, mas Sam encontrou alguém com um talento especial para traçar comentários com humor. Em pouco tempo, Michael tornou-se co-apresentador do Majority Report, capitaneando a transmissão na maioria das quintas-feiras.

Foi confuso para mim no começo. Eu fui convidado para um programa que na época considerava progressista, mas de maneira liberal, e um anfitrião me perguntou de tudo um pouco, desde o New Jewel Movement de Granada até o declínio do Partido Comunista da África do Sul e por que o Plano Meidner acabou não dando certo na Suécia.

Não lembro direito como Michael se identificava politicamente na época, mas sei que ele era mais curioso intelectualmente do que a maioria dos socialistas que conheci. Michael era fascinado pelo mundo e pelos movimentos transformadores que as pessoas construíam. Ele era sedento por conhecimento e se cercar por um grupo de pessoas que eram politicamente comprometidas e também amavam a vida.

Saíamos de vez em quando para tomar uma bebida – primeiro foram as cervejas, antes de acabarmos confessando que na verdade não gostávamos muito de cerveja e preferíamos gin com muita fruta dentro – e batíamos papo por horas. Em algum momento, eu pedia que ele fizesse algumas das imitações que seus espectadores adoravam, como “o Mandela da direita” e “o Obama da Nação do Islã”. Eu também tenho algumas imitações de que gostava particulamente, como o seu sotaque indiano muito bom (passei algum tempo em 2019 e 2020 tentando ensinar a ele algumas sutis diferenças regionais).

Michael não tinha medo de controvérsia – ele gostava de dar um oportunidade para os convidados que criticavam as atitudes reverentes e menos produtivas da esquerda. Mas ele também não era uma pessoa que gostava de chocar. Michael poderia “sair de fininho” de controvérsias pela maneira como misturava seu humor com muita honestidade. Ele realmente se importava com a melhoria da vida da classe operária, em combater todas as formas de opressão e com a solidariedade internacional. Não havia contradição entre suas críticas ao “reducionismo racial” da esquerda e o fato de ele ter se esforçado para criar uma plataforma para esquerdistas negros no cenário midiático.

Sam Seder definiu bem as habilidades de Michael como artista quando falou comigo hoje cedo:

Já trabalhei com muitos grandes apresentadores de televisão e alguns dos comediantes mais talentosos do país, e o que Michael tinha de especial não era apenas sua inteligência e discernimento sobre política, em particular na política externa, mas sua capacidade de fazer uma comédia política genuinamente brilhante. Conto nos dedos de uma das mãos somente a quantidade de pessoas que conheci com a habilidade de Michael de criar uma imitação ou personagem engraçado que não era apenas um veículo para sátira política, mas satírico em sua essência. Foi um talento incrível e genuinamente único que fazia do trabalho cotidiano diário uma diversão para mim.

Nos últimos anos, a política de Michael mudou para um socialismo mais confiante. Ele nunca perdeu seu humanismo, sua espiritualidade nem abandonou seus retiros silenciosos de meditação, coisa que o destacava no cenário às vezes sem alma do discurso político. Mas ele casou o calor que trouxe dessas empreitadas com uma análise apurada que reconhecia a centralidade da classe e a necessidade da organização. A interação entre essas perspectivas estava por trás de sua visão da esquerda: uma que pudesse falar claramente das aspirações dos trabalhadores, mas nunca perdesse suas ambições maiores de mudar o mundo.

Como uma ramificação a partir de seu trabalho no The Majority Report, Michael criou o The Michael Brooks Show (TMBS) em 2018. Esse programa se tornou rapidamente uma voz importante na esquerda, alcançando quase 130.000 assinantes no YouTube e apresentando luminares como Noam Chomsky, Cornel West e Adolph Reed. O TMBS foi uma força radicalizadora para um grande número de jovens, que desprezavam o establishment político com razão, mas que estavam apenas começando a descobrir alternativas. Dessa maneira, Michael, muito mais que a Jacobin, alcançou um público que não vinha da esquerda tradicional – mas que logo descobriu que acreditava em seus valores.

Michael e eu começamos a planejar juntos um canal da Jacobin no YouTube logo após a eleição de Trump, embora nossos planos só tenham começado a se concretizar no início deste ano. No começo, você poderia dizer que havia um incentivo material por trás da parceria. Em 2016, colocar um pé em outra plataforma lhe daria alguma independência do já estabelecido Majority Report – por mais que ele adorasse Sam e o programa. No entanto, em 2020, o TMBS estava crescendo a uma velocidade vertiginosa, e ele estava seguro financeiramente pela primeira vez e sobrecarregado de trabalho.

Perguntei a ele por que ainda queria seguir em frente e sua resposta era simples: ele queria ajudar a construir instituições que durassem. Michael acreditava em aproveitar as habilidades de um grande número de pessoas, desenvolvê-las como protagonistas de um projeto maior, em vez de confiar em um punhado de indivíduos talentosos.

Então, em abril, lançamos Weekends, seu programa com sua amiga Ana Kasparian, e estávamos programados para lançar uma transmissão nos dias de semana chamada The Jacobin Show, que teria Michael como âncora, mas apresentaria convidados regulares da equipe da Jacobin. Ele esperava treinar seus colegas, e a equipe regular do programa, como um plantel que pudesse substituí-lo dali a um ano e meio. Também tínhamos planos de construir um estúdio após o término da pandemia, oferecendo um espaço para as transmissões do TMBS, Jacobin e para o uso de movimentos.

Esse sonho de uma comunidade vibrante alimentando a mídia esquerda foi fundamental para o trabalho de Michael. Não porque ele aspirasse a ser um “influenciador” com uma grande plataforma individual, mas porque sabia como era importante criar o tipo de vínculo sem o qual não se pode ter ação política. Seria fácil atrair consumidores passivos por trás de um “produto”, e bem mais difícil de ajudar a promover mudanças reais.

Victor Serge disse uma vez – numa frase que discuti recentemente com Michael – que “o único sentido da vida está na participação consciente na transformação da história”. Agora que ele se foi, isso parece quase artificial. Michael procurou fazer o mundo em vez de ser feito por ele, isso é verdade, mas vou me lembrar de mais do que sua política. Vou me lembrar de alguém que era profundamente humano; alguém que causou impacto naquelas partes da vida que a política nunca resolve completamente. Ele era tudo isso, e também era um vencedor ambicioso, alguém que queria chamar a atenção dos nossos governantes insensíveis e ajudar a construir um mundo justo, onde os acidentes de nascimento não condenassem milhões à miséria.

Essa perda ainda parece tão surreal. Sempre sentirei falta de Michael, por sua incrível amizade e sua imitação hilária do Bill Clinton.

Sobre os autores

é editor e fundador da revista Jacobin.

Cierre

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