Poucos períodos do passado recente da Grã-Bretanha escaparam da desmitificação com mais sucesso do que a época do pós-guerra. Quando discute os cinco anos anteriores a 1950, a maioria das pessoas de praticamente todas as tendências políticas concorda com a percepção geral sobre aqueles anos – uma Grã-Bretanha que era destemida e otimista; pobre, mas ascendente; austera, mas reformando-se para adequar a uma nova era, mais humana e ciente de suas responsabilidades morais, depois de ter sido a força política que interrompeu o massacre dos judeus europeus.
Mas a realidade daquele período era um pouco diferente. Na alta sociedade, figuras como a escritora do Grupo de Bloomsbury, Elizabeth Bowen, ainda se sentiam confortáveis para concordar com velhas teorias da conspiração sobre os judeus bolcheviques e avisava aos seus leitores que votar no Partido Trabalhista era votar para ser “governado por judeus e galeses”. Os graves desabastecimentos de combustíveis que ocorreram durante o governo trabalhista tiveram como bode expiatório Manny Shinwell, o político trabalhista judeu mais proeminente da época, e a crescente raiva por causa das mortes de soldados britânicos no Mandato Britânico da Palestina levou a violentos tumultos contra os judeus nas principais cidades em 1947.
Debaixo das pedras
Enquanto os exércitos dos Aliados acabaram com o Holocausto, a Grã-Bretanha estava presa na guerra e aprendendo as lições em um longo caminho de aprendizado. As condições para um novo fascismo estavam maduras. Ainda assim, o Ministério do Interior – mesmo um comandado por Clement Attlee, um homem que teve um batalhão das Brigadas Internacionais nomeado em sua honra – parecia mais preocupado com os direitos dos fascistas do que com as comunidades ameaçadas.
Nenhuma ação foi tomada para restringir as atividades daqueles que teriam governado uma Grã-Bretanha ocupada pelo nazismo; em 1946 o jornal pró-trabalhista Reynolds News denunciava amargamente que a Grã-Bretanha era “o único país na Europa fora Espanha ou Portugal em que alguém pode pregar o fascismo sem ressalvas e com completa proteção policial”.
Chuter Ede, o Secretário do Interior, acreditava que os fascistas deveriam ser deixados “para o senso de humor do povo britânico”. Mas essa bobagem não era nada engraçada para a comunidade judaica britânica, cujo humor, disse Jules Konopinski ao Tribune, era “muito, muito delicado”.
Nascido em uma família judia em Wroclaw, no então território alemão de Breslau, Konopinski e sua mãe fugiram para a Inglaterra em 1939 sem o seu pai, que foi detido pelos nazistas no final de 1938 (mas depois escapou). Ele perdeu nove tios e tias no Holocausto, e um tio que sobreviveu foi morar com eles em Londres. “Minha família aqui de repente percebeu que perdeu muita gente. Quando descobriram como perdemos eles, ficou ainda pior”.
Enquanto milhares de pessoas estavam de luto por entes queridos ou tentavam rastreá-los em campos de concentração espalhados pelo continente, fascistas impenitentes como Victor Burgess começaram a pregar uma “guerra contra os judeus” para “libertar o país do seu jugo”. Ameaçando começar uma campanha em Londres para “desalojar os elementos estranhos” e “dar suas casas para os ex-soldados britânicos”, os materiais impressos por Burgess ajudaram a inflamar a escrita de outros militantes da extrema direita como John Marston Gaster, cujas ideias não estariam deslocadas no Der Sturmer:
“Os judeus são seres inferiores – se um judeu anda na mesma calçada que você, derrube-o na sarjeta, que é onde ele merece estar… Os judeus vão contaminar você – se um judeu está no mesmo ônibus ou trem que você, jogue-o para fora… Os judeus são donos de muita coisa – boicote as suas lojas; se você trabalha em uma loja, não atenda os judeus”.
Depois de terem sido humilhados pelo nazismo durante a guerra, os fascistas que foram detidos viram sua chance de saírem de debaixo das pedras. Soldados judeus voltando da guerra contra Hitler retornavam para comunidades judias que estavam sob crescente ameaça de violentas gangues fascistas. Reuniões pedindo a retomada do Holocausto estavam se tornando comuns no coração de comunidades judaicas como Ridley Road em Dalston, e todo mundo sabia que os policias locais frequentemente eram antissemitas e não dava para confiar neles.
A partir desta necessidade de ação, o Grupo 43 foi criado no início de 1946. Apesar da organização ter se dissolvido há quase sete décadas, foi somente com o livro We Fight Fascists: The 43 Group and Their Forgotten Battle for Post-War Britain de Daniel Sonabend que uma descrição abrangente das atividades do Grupo 43 reapareceu.
Operando com um sistema baseado em discutir, decidir e executar, os objetivos do Grupo 43 eram bem diretos: acabar com a disseminação de propaganda por organizações fascistas e fazer campanha por uma proibição geral de todas elas. Seus fundadores incluíam Gerry Flamberg, condecorado veterano da batalha Arnhem; Alec Carson, do reverenciado Esquadrão Pathfinder; e Tommy Gould, que segurou no peito por quase uma hora uma bomba nazista de 75kg que não explodiu enquanto tentava desesperadamente removê-la do seu submarino torpedeado (e ganhou uma Cruz Vitória por seus esforços).
Através de algumas tentativas incrivelmente bem-sucedidas de acabar com manifestações públicas de fascistas, a fama do grupo aumentou e voluntários apareceram aos montes para ajudar os seus membros. O contato do próprio Daniel Sonabend com a história do Grupo 43 reflete esta situação: depois de ter ouvido sobre o grupo através de um amigo, ele aproveitou a oportunidade de levar seu avô para jantar na casa dos seus pais em uma sexta-feira para perguntá-lo se ele se lembrava daqueles dias.
“Vale a pena tentar, eu pensei”, contou ele ao Tribune, “então eu perguntei e ele respondeu: ‘você ouviu falar do Grupo 43? Eu estava lá!’”. Parece que quando seu avô John era um adolescente ele ia espionar reuniões fascistas abertas para o grupo, mas nunca mencionou seu envolvimento para o neto ou para outros familiares.
Rostos sempre machucados
O avô de Sonabend era um dos muitos jovens que, mesmo não sendo velhos o suficiente para lutar contra o fascismo na guerra, se comprometeram a acabar com ele no lugar onde moravam.
Enquanto trabalhava como aprendiz de design de bolsas, Jules Konopinski ia regularmente a protestos antifascistas e logo se tornou um dos membros do Grupo 43. Hoje um aposentado de 90 anos caloroso e bem-humorado, Jules passou sua adolescência com o que ficou conhecido como o “grupo de comando” dentro do Grupo 43 – judeus jovens da classe trabalhadora que, em suas palavras, “não tinham medo de rasgarem suas roupas”.
Lembrando os seus “rostos sempre machucados”, Jules brincou ao contar ao Tribune sobre como além de derrubar os palcos dos fascistas, os membros do Grupo 43 iam para as estações de trem para garantir que os fascistas que estavam vindo para Londres não alcançassem seu destino.
“Eles eram persuadidos de uma maneira gentil e bem física a voltarem para casa: se eles aparecessem de novo, eles tomariam a maior surra”. Para Jules era simples: “Se você dissuadir os apoiadores deles, então um convence o outro. É uma bola de neve e se no final eles não tem apoiadores eles não vão para rua fazer manifestação”.
Ao ganhar uma reputação por não arredar o pé, o Grupo 43 cresceu em poucos anos até se tornar uma rede confiável de milhares de pessoas. Muitas manifestações da Liga de ex-soldados de Jeffrey Hamm e do Movimento União de Mosley foram interrompidas, incontáveis palcos de fascistas foram derrubados, e o grupo coletou uma boa quantidade de informações sobre grupelhos e organizações fascistas.
Uma complexa operação de inteligência liderada por Murray Podro levou a infiltração de vários espiões nas fileiras fascistas. Um espião subiu tanto na hierarquia fascista que se tornou o segurança do próprio Oswald Mosley. Podro se gabava mais tarde que, no auge das operações do Grupo 43, “se Mosley coçasse o nariz, eu saberia uma hora depois”.
Mais sorte do que decisão
We Fight Fascists, ao contrário da maioria dos trabalhos não acadêmicos sobre o antifascismo, ultrapassa a profundeza das emoções inerentes a qualquer movimento antifascista. Diferentemente do livro de Morris Beckman sobre o grupo – uma fantástica memória, mas saturada de um certo triunfalismo que desagradou muitos veteranos do Grupo 43 – Sonabend retrata com maestria os riscos, os momentos de derrota, desmoralização e as minúcias da política antifascista, onde as tarefas tediosas de organizar pacientemente e coletar informações a longo prazo eram tão valiosas quanto os flashes de confrontos diretos.
Sonabend contou que mais ou menos uma dúzia dos membros do Grupo 43 que foram entrevistados para o livro insistiram em destacar quão mundano era o seu trabalho: para cada ação bem-sucedida contra os fascistas, havia “horas e horas sem fim parado em uma esquina com um jornal observando a casa dos fascistas”.
Dito isto, o livro está cheio de histórias emocionantes sobre essas batalhas, particularmente quando os fascistas atormentados abandonavam qualquer pretensão de respeitabilidade e respondiam à determinação dos antifascistas com brutalidade. “As pessoas sempre perguntam, como ninguém nunca foi morto?” disse Konopinski. “Bem, foi mais por sorte do que por decisão”.
Nesse período Jules quebrou todas juntas das mãos. Ele foi violentamente agredido pela polícia local e seu camarada Jackie Myerovitch foi gravemente esfaqueado por um gangster maltês contratado por Mosley. Depois de um incidente quando o mesmo gangster atacou antifascistas com batatas recheadas com lâminas de barbear, ele começou a andar com uma lâmpada (“era a coisa mais inofensiva que você poderia ter – como uma pequena bomba”), mas admitiu que sua arma defensiva favorita era seu guarda-chuva: “A ponta era afiada. Se uma coisa daquelas fosse enfiada na orelha ou no traseiro de alguém, iria ser muito doloroso, e ainda era uma coisa perfeitamente normal de se ter”.
Apesar desses níveis de intensidade, foi ficando cada vez mais claro que o Grupo 43 estava quebrando o espírito do fascismo britânico e o número de pessoas em manifestações e reuniões fascistas estava esvaziando consideravelmente. No dia 4 de junho de 1950, a direção se sentiu suficientemente confortável para acabar com a organização, ainda que este tenha sido um movimento que Jules e muito dos seus camaradas mais jovens se opuseram, vendo-o como equivocado.
Não demorou muito para provar que eles estavam certos – em poucos anos Mosley escolheu a comunidade negra de Londres como o seu novo alvo principal, enquanto que em 1964, o militante neonazista Colin Jordan se sentiu confortável o suficiente para fazer uma manifestação em Trafalgar Square debaixo de uma bandeira de 25 metros de cumprimento e 2,5 metros de altura onde estava escrito “LIBERTE A GRÃ-BRETANHA DO CONTROLE JUDEU”. Isto levou a criação do Grupo 62, que pretendia continuar o trabalho do seu antecessor.
Cheio de histórias de heróicos veteranos de guerra, militantes comunistas, sionistas convictos e gangsters, We Fight Fascists é como uma biografia coletiva de uma certa parte de Londres que desapareceu há muito tempo. Pela primeira vez, as vidas e as façanhas dos antifascistas foram discutidas.
Isto inclui pessoas como Lennie Rolnick, um ativo comunista que estreitou a conexão entre o Grupo 43 e o movimento dos trabalhadores em geral; Ivor Arbiter, um adolescente entusiasmado que alcançou a fama mais tarde como o designer do “T” no bumbo de Ringo Starr; e Harry Bidney, um homem abertamente gay que iria se tornar um renomado dono de boates no Soho (“esse é um homem que merecia a Cruz Vitória por seu trabalho antifascista”, contou Konopinski ao Tribune. “Que cara”).
O livro também traz um importante argumento sobre a autodefesa como uma ferramenta efetiva para os antifascistas: como Sonabend disse ao Tribune, os inimigos do fascismo tendem a ser “os que permitem as cores da vida”, e que “há a necessidade de nós, que queremos uma sociedade mais civilizada e compassiva, reconhecermos que as vezes a violência é o único jeito de consegui-la”. Alternativamente, o comentário de Jules Konopinski em um recente evento sobre o livro foi menos florido, mas igualmente apropriado: “eles podem dizer o que quiserem, e eu posso socar a cara deles”.
De um modo interessante e fascinante, We Fight Fascists salvou adequadamente a história daqueles que, em uma era mais ameaçadora do que muitos gostariam de admitir, estavam dispostos a fazer coisas desagradáveis a pessoas desagradáveis. Nos próximos anos, nós não podemos nos dar ao luxo de esquecer as lições do Grupo 43.
Sobre os autores
é militante internacional da Young Labor e editor associado do Tribune.