Em 22 de novembro de 2000, uma falange de membros republicanos vestidos com calças cáqui apareceu na sede eleitoral do condado de Miami-Dade, na Flórida, onde as autoridades locais lutavam para completar uma recontagem manual dos votos dados na disputa presidencial entre George W. Bush e Al Gore. Sitiando o prédio do governo, os manifestantes do Partido Republicano gritavam e batiam na parede de vidro enquanto as autoridades locais tentavam revisar as cédulas. Diante de uma situação cada vez mais perigosa, o Conselho de Recrutamento do condado abandonou sua recontagem, que parecia prestes a entregar um número substancial de votos para Gore.
Os membros daquilo que foi posteriormente apelidado de “o motim dos irmãos Brooks” forneceram o apoio extralegal para o desafio que estava sendo levado aos tribunais por Bush com o apoio de Ted Cruz, John Roberts, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett. Levados à beira da vitória pela injustificada privação de direitos dos negros da Flórida, os ataques coordenados pela campanha de Bush contra a recontagem nos tribunais e nas ruas pavimentaram a duvidosa vitória de Bush.
A lição que os republicanos tiraram de 2000 foi que a repressão funciona. “Funcionou na época, e eles estão pensando que pode muito bem funcionar novamente”, explicou Brad Blakeman, o agente da campanha de Bush que assumiu o crédito pelo “motim dos Irmãos Brooks” ao jornal Miami Herald em 2018.
É uma lição que Donald Trump e o Partido Republicano colocaram em prática este ano. Já auxiliados pelas estruturas antidemocráticas do Senado e do Colégio Eleitoral, a manipulação de distritos eleitorais e a destruição da Lei de Direitos de Voto pela Suprema Corte em 2013 na decisão do caso Shelby v. Holder, os republicanos empreenderam um esforço orquestrado em alguns estados para suprimir o voto, fechando seções eleitorais, limitando as urnas, prejudicando o serviço postal, rejeitando as cédulas por motivos duvidosos e privando muitas pessoas do direito ao voto, usando essas entre outras táticas.
Se tudo falhar, Trump deixou claro que espera que os juízes republicanos “se livrem das cédulas” que resultariam em sua derrota. Em um comício na semana passada em Reading, Pensilvânia, Trump convocou seus apoiadores para uma “vitória na terça-feira ou – muito obrigado, Suprema Corte – logo depois disso”. Seus aliados treinados na Federalist Society nos tribunais deixaram claro que estão prontos para ajudar. Em uma opinião que concordava com uma decisão por 5 votos a 3 que proíbe a contagem dos votos que chegarem atrasados em Wisconsin, o juiz Brett Kavanaugh sinalizou que a maioria conservadora do Tribunal pode estar disposta a parar de contar os votos e declarar Trump o vencedor se houver um dilúvio de cédulas (desproporcionalmente democratas) enviadas pelo correio que demorarão muito para serem contadas depois do dia da eleição. O plano de Trump é declarar falsamente a vitória na noite da eleição e, em seguida, esperar que seus aliados no judiciário subvertam a vontade dos eleitores.
Embora tenha se tornado comum desde 2016 classificar Trump e seu desrespeito pela democracia como “sem precedentes”, a convicção de que as “pessoas erradas” não deveriam ter permissão para votar – e, crucialmente, que os republicanos não podem ganhar se elas votarem – tem sido fundamental para o Partido Republicano e o movimento conservador em geral por décadas.
Como admitiu recentemente Bill Kristol, um dos muitos conservadores a tentar uma reinvenção do “Trump jamais” no final da vida: “Nós [republicanos] perdemos a fé na democracia. Perdemos a fé de que poderíamos competir por votos e ganhar eleições. Portanto, você tem que começar a restringir o eleitorado, e isso é muito ruim para os princípios democráticos e muito ruim para um partido político.”
Mas, apesar da insistência de Kristol no contrário, esta “perda de fé” não foi uma ocorrência recente.
Dos oponentes dos direitos civis na década de 1950 aos republicanos de Trump que atualmente ocupam a Suprema Corte, por décadas o Partido Republicano tem sido representado por um desfile de conservadores bem vestidos e superficialmente respeitáveis justificando a privação de direitos dos eleitores com o absurdo refrão de “somos uma república, não uma democracia”.
Quando o genro e conselheiro do presidente Trump, Jared Kushner, descartou as lutas de Trump para ganhar eleitores negros reclamando que “Trump não pode querer o sucesso deles mais do que eles próprios”, ele estava recitando quase que literalmente os comentários infames sobre os “47%” feitos pelo então candidato presidencial Mitt Romney. O Partido Republicano não teria apelo para a metade mais pobre da população, disse Romney em uma reunião com doadores ricos em 2012, porque essa metade seria formada por “dependentes do governo”. “Meu trabalho é não me preocupar com essas pessoas”, concluiu Romney. “Nunca vou conseguir convencê-los de que devem assumir responsabilidade sobre si mesmos e cuidar de suas vidas.”
Quando Trump disse à Fox & Friends no início deste ano que as tentativas dos democratas de facilitar a votação pelo correio durante o COVID-19 eram “loucas” porque criariam “níveis de votação que, se você aceitasse, nunca mais elegeria um republicano neste país”, ele estava reproduzindo falas de Paul Weyrich, o cofundador da Heritage Foundation e do American Legislative Exchange Council, que zombou em 1980: “Não quero que todos votem… Nossa influência nas eleições aumenta consideravelmente à medida que o número de votantes diminui”.
Quando os republicanos fazem acusações infundadas de fraude eleitoral, eles estão se apoiando em ícones conservadores como Ronald Reagan e John McCain. Em 1977, Reagan insistiu que as modestas propostas de reforma eleitoral de Jimmy Carter “convidavam a fraude eleitoral no atacado” ao tornar mais fácil o voto para “aqueles que obtêm muito mais do governo federal – em vários tipos de assistência social – do que contribuem para isso”. Em 2008, McCain alimentou uma teoria da conspiração de direita alegando que a associação de organizações comunitárias ACORN estava “prestes a perpetrar uma das maiores fraudes da história do eleitorado neste país, talvez destruindo o próprio tecido da democracia”.
Quando o senador de Utah Mike Lee tweetou recentemente que “a democracia não é o objetivo; a liberdade, paz e a prosperidade é que o são … A democracia de multidões pode impedir isso”, repetindo a insistência de William F. Buckley em 1957 de que “as reivindicações da civilização substituem aquelas do sufrágio universal”.
E quando a campanha de Trump mobiliza seu “exército” de apoiadores para patrulhar as urnas e intimidar os eleitores suspeitos de serem democratas no dia da eleição, ela se baseia no exemplo do “motim dos Irmãos Brooks” e da “Força-Tarefa de Segurança Eleitoral Nacional” da era Reagan.
Os republicanos sabem que é improvável que hoje eles sejam capazes de prevalecer em uma eleição livre e justa. No longo prazo, eles se veem cercados pela crescente parcela de jovens curiosos pelo socialismo e latinos e asiático-americanos inclinados para a esquerda. Embora seja sempre possível para os democratas desperdiçar suas vantagens demográficas, o Partido Republicano parece pronto para refinar e intensificar sua campanha de décadas de supressão eleitoral e maquinações anti-majoritárias para manter o controle do poder.
Caso os democratas consigam assumir o controle da Casa Branca, da Câmara e do Senado, sua principal prioridade deve ser prevenir subterfúgios futuros do Partido Republicano, promulgando uma Lei de Direitos de Voto moderna, adicionando estados à federação, dando poderes aos trabalhadores e sindicatos e usando impostos para colocar de joelhos os financiadores plutocráticos do Partido Republicano, entre outras medidas. Se nada for feito, os EUA podem entrar em uma era de republicanismo antidemocrático que vai fazer o “motim dos Irmãos Brooks” acontecer toda eleição.
Sobre os autores
é PhD em história e sociologia pela University of Michigan e atualmente é pós-doutorando na University of Virginia.