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John Lennon e Yoko Ono em seu "bed-in for peace" no Hilton Hotel de Amsterdã em 1969. (Eric Koch / Anefo)

John Lennon e a política da nova esquerda

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Tradução
Guilherme Ziggy

Quarenta anos após seu assassinato em Nova York, lembramos o histórico engajamento político de John Lennon no movimento anti-guerra. Ser um autoproclamado "socialista instintivo" o colocou em conflito frontal com Richard Nixon e J. Edgar Hoover.

Quando John Lennon foi assassinado há quarenta anos, em 8 de dezembro de 1980, acreditávamos que Richard Nixon havia sido o pior presidente da história dos Estados Unidos – por conta da Guerra do Vietnã, da repressão que ele chamava de “lei e ordem”, do racismo da Estratégia do Sul, e também pelo tratamento que deu a John Lennon. Nixon tentou deportar Lennon em 1972, quando o ex-Beatle fez planos para liderar um esforço eleitoral que desafiava a reeleição do presidente republicano com uma campanha para que os jovens se registrassem para votar. 

No final, é claro, Lennon ficou nos Estados Unidos e Nixon deixou a Casa Branca em desgraça. Mas a batalha aparentemente interminável nos tribunais arruinou sua vida nos anos seguintes. Para se recuperar, em 1974 deixa Los Angeles, onde vivia separado de Yoko Ono em um tipo de exílio, e volta para Nova York e o edifício Dakota.

Ele e Yoko tiveram um filho e ele se proclamou dono de casa. Ficou fora de vista por cinco anos, depois voltou para a música e a vida pública com um novo álbum, Double Fantasy, que abria com a gloriosa “Starting Over” [Recomeçando]. Até ser baleado e morto por um fã enlouquecido. 

Dando uma chance à paz

Sempre nos lembraremos de John Lennon como parte dos anos 60. Em 15 de novembro de 1969, ele escreveu e gravou “Give Peace a Chance” [Dê uma chance à paz]; enquanto isso, meio milhão de pessoas que se reuniam em Washington para se opor à Guerra do Vietnã, cantaram a canção, ao mesmo tempo em que Nixon estava sozinho na Casa Branca, assistindo futebol na TV. Esse foi um dos melhores dias dos anos 60.

A política do compositor se desenvolveu durante vários estágios distintos, cada um marcado por uma nova música. E “Give Peace a Chance” não foi o começo do relacionamento dele com a esquerda. Ele deu seus primeiros passos em direção à política radical em 1966, quando os quatro Beatles denunciaram publicamente a Guerra do Vietnã. “Pensamos nisso todos os dias”, disse Lennon. “Achamos que é errado”. Foi um movimento ousado e arriscado: na época, apenas 10% do público estadunidense concordou. 

Lennon dirigiu-se diretamente à esquerda no ano anterior ao lançamento de “Give Peace a Chance”, em agosto de 1968, com uma música que criticava os ativistas radicais. “Você diz querer uma revolução?”, canta o então Beatle – e conclui “Não conte comigo aí”. Ele reclamou dos esquerdistas “carregando fotos do presidente Mao” e “falando sobre destruição”. A libertação genuína, ele declarou em entrevistas, assim como naquela música, consistia em “libertar sua mente”, o que, de acordo com o músico, era possível por meio de drogas psicodélicas e meditação. 

Mas essa fase não durou muito. Lennon lançou uma versão alternativa de “Revolution” em novembro de 1968, no White Album, que era diferente do single. Esta foi mais lenta, então as palavras foram mais fáceis de entender, assim, depois das linhas “Quando você fala sobre destruição, não conte comigo aí”, ele insere uma única palavra: “dentro”. Fora ou dentro? Ele deixa claro sua ambivalência. 

Depois de ir morar com Yoko Ono em maio de 1968, Lennon aprendeu que, para se transformar, ele precisava se juntar à tarefa de transformar o mundo. Em de vez de apresentar a libertação pessoal como alternativa à ação política, ele e Yoko trabalhariam juntos por ambas. E ele usaria seu status de celebridade para desafiar não apenas a guerra, mas também as convenções do protesto de esquerda.

Uma canção para o movimento

Para sua lua de mel em 1969, o casal convidou a imprensa para seu quarto no Hilton Hotel de Amsterdã, onde declarou que iria fazer um “bed-in for peace” [Na cama pela paz, grosso modo] por uma semana para protestar contra “toda a violência no mundo”. Eles ofereceram esse “bed-in” como uma alternativa à manifestação tradicional de rua e convidaram os jovens a criar suas próprias formas de protesto contra a guerra – “deixe seu cabelo crescer pela paz”. Como um evento de contracultura midiático, foi um grande sucesso, provocando o ridículo nos jornalistas e o entusiasmo dos cabeludos.

John e Yoko queriam realizar um segundo protesto nos Estados Unidos, mas foram impedidos de entrar no país, então fizeram no lugar mais próximo que conseguiram – no hotel Queen Elizabeth, em Montreal, no Canadá. Lá, sabendo que era principalmente um compositor, Lennon decidiu escrever um hino para o movimento anti-guerra – o resultado foi “Give Peace a Chance”, gravado no quarto do hotel com seus amigos. 

Nas ruas, a música era cantada principalmente como um canto com uma melodia, uma linha repetida: “Tudo o que estamos dizendo…” O resto da letra deixava claro que na realidade se tratava de uma crítica à esquerda, com suas análises e argumentos, “Todos estão falando sobre revolução, evolução, estes-ismos, aqueles-ismos”, cantou. “Tudo o que estamos dizendo, é dê uma chance à paz”. 

Foi um apelo ao movimento anti-guerra para deixar de lado as diferenças políticas e se unir em torno da simples demanda por “paz”. A esquerda, é claro, criticou essas políticas, mas em novembro de 1969 se adequou à elas para o protesto da Moratória do Vietnã, em Washington. E muitas outras vezes nos anos e décadas seguintes.

Uma canção para as ruas

No mesmo outono de 1969, Lennon telefonou para Tariq Ali, um dos líderes da Nova Esquerda britânica, querendo discutir política. Ali era um dos principais dirigentes da Campanha de Solidariedade ao Vietnã, que organizou marchas na Embaixada dos Estados Unidos em Londres – grandes, grandes eventos militantes. Junto dele trouxe Robin Blackburn, colega editor do jornal independente de esquerda Red Mole, e Lennon concordou em dar uma entrevista, que saiu em março de 1971. 

Agora John Lennon se alinhava como parte do projeto da Nova Esquerda: “Devemos tentar alcançar os jovens trabalhadores porque é quando você é mais idealista e sente menos medo”, disse, acrescentando: “Não podemos ter uma revolução que não envolva e liberte as mulheres.” Nos Estados Unidos, a revista Ramparts republicou a entrevista, com a manchete “O herói da classe trabalhadora agora é vermelho”.

As conversas entre Lennon, Tariq Ali e Robin Blackburn também inspiraram uma nova música: “Power to the People”, uma canção para as ruas, para protestos e marchas, de luta. A gravação foi lançada a tempo para a ofensiva de maio de 1971 em Washington, “Pare a guerra ou vamos parar o governo”, que levou centenas de milhares às ruas da capital estadunidense. 

Nixon respondeu com as maiores prisões em massa da história dos Estados Unidos: doze mil manifestantes presos em um único dia. Surpreendentemente, “Power to the People” vendeu um milhão de cópias em todo o mundo, se mantendo nas paradas de sucesso por nove semanas naquela primavera de 1971. 

Lennon e Nixon 

John e Yoko se mudaram para Nova York no outono de 1971, e então ele lançou “Imagine”, que rapidamente se tornou a música mais popular de sua carreira pós-Beatles. Nela propõe uma utopia, apresentada em instruções simples: “Imagine que não há mais países”, “E não há mais religião também”. Contudo, de alguma forma, foi amplamente mal compreendida. 

A revista Rolling Stone chamou de “irracional, mas bonita”. Eles acreditavam que “ganância e fome” eram “racionais”? O jornal New York Times descreveu como uma canção de “otimismo”. Ok, mas o jornal nacional de maior circulação nos Estados Unidos realmente acreditava que uma chamada para imaginar “que não há posses” fosse “otimista”? O Conselho Mundial de Igrejas perguntou a Lennon se poderia usar a música e mudar a letra para “Imagine uma religião”. A resposta foi que “não entenderam nada”.

No entanto, no outono de 1971, “Imagine” soava para muitas pessoas do movimento um hino à derrota da Nova Esquerda. Os ativistas estavam deprimidos e exaustos. Apesar dos maiores protestos pacíficos da história do país, combinados com a desobediência civil militante generalizada, Nixon encaminhava-se para uma reeleição fácil. 

Lennon queria ajudar a impedir isso. Então, se encontrou com Abbie Hoffman e Jerry Rubin e desenvolveu um plano para uma turnê nacional que coincidisse com a eleição de 1972. A ideia era aliar o rock à organização política e registrar os eleitores nos shows. 

Isso parecia particularmente promissor naquela que seria a primeira eleição em que os jovens de dezoito anos teriam o direito de votar. Todos sabiam que esse era o eleitorado mais anti-guerra, mas também o menos provável de votar. A primeira turnê de um ex-Beatle nos Estados Unidos teria sido um grande acontecimento.

Eles fizeram um teste em Ann Arbor, Michigan, em dezembro de 1971. Lennon e Yoko tocaram com uma nova banda e quinze mil pessoas ouviram os discursos de Rennie Davis, Jerry Rubin e David Dellinger do julgamento dos sete de Chicago e de Bobby Seale dos Panteras Negras. O poeta Allen Ginsberg cantou um novo mantra, e o convidado surpresa, Stevie Wonder, tocou “For once in my life” [Pela primeira vez na minha vida] e depois fez um breve discurso denunciando Nixon. Foi um triunfo. 

Agentes do FBI reportaram ao diretor J. Edgar Hoover sobre o show de Ann Arbor e os planos de Lennon. A CIA também se juntou, e até mesmo a agência de inteligência da Grã-Bretanha, o MI5, colaborou. A informação chegou no senador republicado Strom Thurmond, notório racista e segregacionista que na época presidia o Subcomitê de Segurança Interna no Senado. Ele descreveu os planos da turnê à Casa Branca de Nixon e sugeriu que “a deportação seria uma contramedida estratégica”.

Em poucas semanas, Lennon recebeu uma ordem de deportação. Seu advogado disse que seu caso era fraco e que a turnê teria que ser cancelada. Foi o que ele fez. 

Um socialista instintivo 

Em 1980, no dia em que foi morto, Lennon deu uma longa entrevista para uma estação de rádio de Nova York. Ele disse que crescer na classe trabalhadora de Liverpool o tornou um “socialista instintivo”. Isso lhe deu uma profunda hostilidade à classe dominante da Grã-Bretanha, um ódio à guerra e um tipo distinto de humor verbal. Esses fatores facilitaram que ele se transformasse no herói rebelde da classe trabalhadora. Todavia, sua posição dificultava o feminismo; para isso, ele precisava de Yoko Ono.

Em retrospecto, o assassinato de John Lennon marcou o início de uma crise política de quarenta anos que culminou com quatro anos de Donald Trump. Um presidente republicano que provou ser mais de direita do que era possível imaginar Nixon em dezembro de 1980. Lennon foi assassinado quatro semanas depois que Ronald Reagan foi eleito, seis semanas antes do ex-astro de cinema assumir como presidente.

Foi Reagan, não Nixon, que disse que “o governo não é a solução, é o problema”. Foi Reagan que defendeu cortes em massa de impostos e gastos. Foi Reagan, não Nixon, que usou o poder federal para atacar o movimento operário na greve PATCO (Nixon desfrutou do apoio dos sindicatos conservadores, que se recusaram a endossar seu adversário, George McGovern, na mesma eleição de 1972). Em 1988, quando Reagan deixou a Casa Branca, não acreditávamos mais que Nixon era o pior republicano que podíamos imaginar. Então George W. Bush começou uma guerra no Iraque, e não acreditávamos mais que Reagan tinha sido o pior. E então apareceu Trump.

Os republicanos de nossos dias são bem piores do que seus antecessores no tempo de Lennon, mas os movimentos de hoje estão quilômetros à frente daqueles que ele se juntou. O verão do Black Lives Matter viu protestos de rua não só nos grandes centros, mas em praticamente todas as cidades dos Estados Unidos. Milhões de pessoas marcharam nos maiores protestos da história do país. 

Os manifestantes eram multirraciais e faziam parte de um movimento fundado e liderado por mulheres negras. E combinaram habilmente o protesto com a política. John Lennon teria odiado Donald Trump, mas teria adorado do verão de 2020.

Sobre os autores

é o autor, mais recentemente, de "Set the Night on Fire: L.A. in the Sixties", com co-autoria de Mike Davis. Seus livros incluem "Come Together: John Lennon in His Time".

Cierre

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Published in América do Norte, Antifascismo, Cultura and Perfil

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