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Foto: M Prince Photography / Flickr

O sindicato é uma equalização de poder

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Tradução
Deborah Almeida, David Guapindaia e Marco Túlio Vieira

Taylor Moore foi demitido da Kickstarter por tentar se sindicalizar. Conversamos com ele sobre a campanha da empresa de crowdfunding para impedir a sindicalização, a promessa do ativismo dos trabalhadores de tecnologia e a importância da democracia nas plataformas digitais.

UMA ENTREVISTA DE

Megan Day

Quando os trabalhadores estadunidenses tentam se sindicalizar, cerca de um terço de seus empregadores recorre a demissões como retaliação. A chance de um organizador sindical de perder seu emprego enquanto tenta assegurar a sua capacidade de negociar coletivamente hoje está entre uma em cinco e uma em sete .

No final de 2018, o Sindicato Internacional dos Trabalhadores de Escritório e de Colarinho Branco (Office and Professional Employees International Union Local 153) apresentou uma queixa ao Conselho Nacional de Relações do Trabalho (National Labor Relations Board) dos EUA, alegando que esse foi o caso de Taylor Moore e dois de seus colegas de trabalho quando tentaram fundar um sindicato na empresa de tecnologia de crowdfunding Kickstarter.

Meagan Day conversou com Moore sobre porque os trabalhadores da Kickstarter queriam se sindicalizar, em primeiro lugar (o conflito começou para valer com a capitulação da administração à pressão da alt-right); o que aconteceu durante o processo (táticas clássicas de combate aos sindicatos) e se tudo valeu a pena (valeu).


MD

De onde surgiu a ideia de formar um sindicato na Kickstarter?

TM

As coisas vinham sendo realmente imprevisíveis e frustrantes na Kickstarter por um bom tempo, mas a luta em torno do Sempre Soque Nazistas (Always Punch Nazis) foi a gota d’água.

Isso foi há pouco mais de um ano e, na época, o principal projeto dos nacionalistas brancos e da extrema direita era bloquear e envergonhar as pessoas que eles consideravam progressistas, e vinham obtendo um grande sucesso nisso. Conseguiram que James Gunn fosse demitido de uma franquia da Disney, tentaram que Sarah Silverman fosse demitida da Netflix e, com certeza, a Kickstarter era o próximo na fila.

Eles encontraram um projeto na Kickstarter, uma história em quadrinhos antifascista chamado “Sempre Soque Nazistas” (Always Punch Nazis), que estava a cerca de uma semana do fechamento de seu financiamento, e que era uma resposta ao debate (ou melhor, à tempestade em um copo d´água) sobre se seria normal ou não socar fascistas, o que na época era algo que estava na cabeça de todo mundo. O portal de extrema-direita Breitbart viu a campanha e disse: “Ei, Kickstarter, suas diretrizes proíbem incitação à violência contra qualquer grupo de pessoas, essa campanha viola essas diretrizes e você deve retirá-la do ar.”

Na Kickstarter, temos uma equipe de Confiança e Segurança, uma espécie de área jurídica. Eles decidem quando e como aplicar nossas diretrizes, especialmente em casos extremos e projetos controversos. Eles analisaram o “Always Punch Nazis” e afirmaram de maneira unânime que não deveríamos cancelar esse projeto, mas o gerente deles entrou na história e disse: “não, nós vamos cancelar o projeto”. Os advogados ficaram do lado dele, é claro.

A maioria das pessoas na Kickstarter ficou muito zangada com essa decisão. Eu nunca tinha visto nada explodir internamente, e já estava lá havia cinco anos na época. Então a gerência decidiu fazer uma reunião geral de emergência, e toda a empresa foi para essa grande sala de reuniões onde a direção disse que iria cancelar o projeto. Em seguida, eles abriram para comentários e perguntas, e a sala levantou-se contra eles. Não foi unânime, houve alguns funcionários que concordaram com eles, mas estava muito claro que havia uma veemente maioria dos membros da equipe que considerava isso um erro enorme. Eu falei, muitas outras pessoas falaram.

O que eu disse foi que o projeto pode ser uma sátira, pode não ser uma sátira, acho que não importa. O que importa é que nós, como comunidade, vamos tomar uma decisão que ajude os nacionalistas brancos e a máquina de imprensa neonazista, ou vamos nos opor a isso? Nossos nomes ficarão escritos na História como pessoas que ajudaram o movimento deles ou pessoas que se levantaram contra o que eles estavam tentando fazer?

Eu estava com muita raiva, muitos de nós estávamos. Depois dessa reunião foi a primeira vez que surgiu a palavra “sindicato”.

MD

Como essa raiva se traduziu num início efetivo de esforços pela sindicalização?

TM

Então, na manhã seguinte, recebemos um e-mail da gerência dizendo que eles mudaram de ideia e decidiram não cancelar o projeto. Por mais frustrados que estivéssemos, sentimos que a decisão certa havia sido tomada. Eles fizeram a coisa certa e isso era muito respeitável.

Porém, em duas semanas, a equipe em que eu estava foi chamada de tóxica e nos disseram para nunca mais questionar as decisões da gerência. Os funcionários foram lembrados de que Nova York é um estado de “emprego livre” e que eles podem ser demitidos a qualquer momento. A gerência até pressionou uma funcionária que fez uma postagem no Slack sobre o cancelamento do projeto para que se demitisse. Disseram: “não podemos confiar em você, não vemos futuro para você. Não vamos te despedir, mas aqui está o acordo de separação.” Eles a forçaram a sair da empresa.

Isso foi mais do que inaceitável. Quer dizer, número um, era um absurdo termos que defender a ideia de não ajudar a alt-right. Número dois, você não pode forçar alguém a sair da empresa por esses motivos. É errado e antiético. O problema, claro, é que as pessoas que tomavam essas decisões eram as mesmas a quem supostamente deveríamos relatar nossos problemas com a gerência. Então, percebemos que a única maneira dessas pessoas serem contidas, a única maneira pela qual poderia haver um controle sobre o poder ou uma responsabilização da administração seria se criássemos um novo poder, e tinha que ser um sindicato.

Não foi apenas esse incidente. Existem muitas políticas que não estão escritas em lugar nenhum e benefícios que não são garantidos podem ser retirados em um piscar de olhos. Pode haver uma política de rescisão, mas não há ninguém que os force a segui-la. A gerência pode fazer qualquer coisa, legal ou ilegal, e ninguém realmente possui um mecanismo para lidar com isso. Esse é o clássico desequilíbrio de poder que motiva a existência dos sindicatos. Se você deseja um local de trabalho justo, deve mudar de maneira fundamental a estrutura de poder. E um sindicato é isso: um sindicato é uma equalização de poder.

Ficou muito claro para nós que devíamos pensar em um sindicato, mas nenhum de nós tinha experiência, ninguém sabia o que fazer. Então, começamos a ter as primeiras conversas e reunimos um pequeno núcleo de pessoas, e saímos pesquisar o máximo que podíamos – tudo, desde pesquisar no Google até tarde da noite a longas reuniões com sindicalistas profissionais. Conversamos com idosos, jovens, pessoas que atualmente estão engajadas em campanhas, pessoas que já fizeram isso antes. Foi maravilhoso. E durante todo esse tempo, enquanto estávamos pesquisando, conversávamos com os colegas de trabalho sobre as coisas que estão acontecendo na empresa e como podemos melhorá-las.

Realmente sentimos que o tempo estava passando. Achamos que isso era algo que tinha que acontecer o mais rápido possível. Não podíamos apenas esperar que outra pessoa nos salvasse, percebemos que não há ninguém vindo para nos salvar. Você tem que olhar para as pessoas do seu lado, dar as mãos a elas e trabalhar junto delas, e isso vai te salvar.

À medida que nossos números aumentavam, nosso conhecimento crescia e a rede de profissionais e especialistas que nos aconselhava crescia. Logo ficou muito claro que era absolutamente possível construir um sindicato dentro das paredes da Kickstarter, para mudar o desequilíbrio de poder fundamental que existia em alguma forma em todos os lugares.

Havia uma preocupação maior que pairava sobre minha mente o tempo todo: se toda a cultura humana vai ser filtrada por essas plataformas digitais, é estúpido e errado deixá-las permanecer antidemocráticas. Isso me mantinha acordado à noite, a ideia de que a Kickstarter poderia se tornar algo como Facebook ou Twitter, onde se usa a máscara da neutralidade enquanto se engendra a radicalização de direita no país e no mundo. Eu absolutamente não toleraria isso.

MD

Como a gerência respondeu ao esforço de sindicalização?

TM

A maior tragédia aqui é que eles poderiam ter dito “sim” no primeiro dia e tudo ficaria bem. Não havia desculpa razoável para eles se oporem tanto ao sindicato, mas eles odiaram a ideia desde o início, odiaram de verdade. Mesmo antes de virmos a público, os e-mails que eles estavam enviando foram escritos de forma muito intencional para lançar dúvidas e ceticismo sobre a ideia do sindicato e sobre a reputação das pessoas dentro dele, enquanto eram cuidadosos para não parecer estar tomando uma posição.

Eles enviaram e-mails para toda a empresa com o objetivo de dissuadir qualquer pessoa de pensar que poderia valer a pena ter um sindicato. E assim que tornamos pública a notícia, ficou muito claro de que lado eles estavam. Disseram que o processo de negociação ficaria muito caro, disseram que se concentrassem todo o seu tempo na disputa com o sindicato, não teriam tempo e dinheiro para investir em outros projetos.

Em seguida, acusaram os organizadores sindicais de assédio racista e sexista. Até falaram que estávamos “nos apropriando” da cultura sindical.

MD

O que significa se apropriar da cultura sindical? Eles estavam insinuando que, por serem trabalhadores de tecnologia, os sindicatos não serviam para vocês?

TM

Sim, algo que qualquer trabalhador de colarinho branco ouvirá quando tentar organizar seu escritório. Mas só porque você tem kombucha à sua disposição e um laptop no trabalho é atribuído a você, isso não significa que eles vão tratá-lo com dignidade.

A técnica de maior sucesso que possuíam era criar intencionalmente a ilusão de que havia dois lados entre os funcionários. Sempre que você tenta sindicalizar um local de trabalho, a gerência encontrará alguns trabalhadores para estar naquilo que eles chamam de “comitê do não”. Fizeram com que funcionários da empresa escrevessem e-mails se manifestando contra o sindicato, alguns dos quais se retrataram mais tarde. É uma tática testada e comprovada.

Outra coisa que fizeram foi tentar convencer algumas pessoas que não tinham subordinados de que tecnicamente eles eram gerentes e que não podiam fazer parte do sindicato. Eles estavam confundindo os trabalhadores, sugerindo que eles não tinham permissão para utilizar de seu direito de se organizar no local de trabalho. E isso teve muito sucesso, porque principalmente entre a nossa geração, as pessoas são muito mal informadas sobre como funciona a sindicalização.

MD

Eventualmente, você foi demitido. Como isso aconteceu?

TM

Não posso falar sobre os detalhes dessa parte específica porque atualmente tenho uma reclamação em andamento no Conselho Nacional de Relações do Trabalho. Mas direi que as alegações de que nós – eu e duas outras pessoas – fomos demitidos por causa do nosso desempenho são falsas.

MD

E vocês três que foram demitidos estavam bem envolvidos no esforço de sindicalização?

TM

Sim, e todo mundo sabia. Nossos nomes estavam nos e-mails; eu falava em público. Fizemos reuniões sindicais no meu estúdio de gravação, na esquina da minha sala. Fiz perguntas difíceis à administração em várias ocasiões. Eu era conhecido como organizador sindical, assim como as outras duas pessoas que foram demitidas.

MD

Então você está desempregado agora.

TM

Isso mesmo. Clarissa Redwine (que foi demitida poucos dias antes de mim) e eu fomos as duas primeiras pessoas a não assinar os acordos de não divulgação [NDA] em troca de indenização.

MD

De certa forma, essa conversa que você está tendo comigo é um pouco parte da liberdade que você escolheu no lugar da indenização.

TM

Correto. O NDA  da Kickstarter incluia uma “cláusula de não depreciação”, o que não nos teria permitido falar publicamente sobre a campanha ilegal e antiética de desmantelamento sindical em que a liderança da Kickstarter está atualmente envolvida.

MD

Você faria tudo de novo?

TM

Num piscar de olhos! Qual seria a alternativa? Ser um covarde? Nunca fazer nada que possa ter consequências ou dificuldades é uma abordagem para a vida que resultará em uma coisa: nada.

Não se trata apenas da Kickstarter. A sindicalização da indústria de tecnologia é algo que precisa acontecer. Essas plataformas online são poderosas demais e importantes demais para serem administradas pela classe bilionária como instituições paralegais, que estão acima da lei. Se regularemos ou não o seu poder é literalmente uma questão existencial para a civilização. Mesmo se, por algum milagre, conseguirmos alguém no executivo que se engaje em uma campanha antitruste contra essas empresas, de maneira enérgica e de boa fé , ainda teremos que nos sindicalizar.

Você não pode dar consciência às pessoas que estão no poder, mas pode capacitar e dar poder à pessoas conscientes. Temos que fazê-lo, e se isso significa perder meu emprego, é um pequeno preço a se pagar.

MD

A tentativa de sindicalização na Kickstarter seguirá em frente?

TM

Claro. Somos apenas três pessoas, os demitidos. Estou muito confiante nos meus camaradas.

Sobre os autores

é um ex-funcionário da Kickstarter.

faz parte da equipe de articulistas da Jacobin.

Cierre

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Published in Análise, Entrevista, Política, Sociologia and Tecnologia

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