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Agricultores participam de protestos nos arredores de Delhi, bloqueando rodovias que levam à capital. (Anindito Mukherjee / Getty Images)

Rihanna tem razão sobre a Índia

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Tradução
Hugo Albuquerque

Os protestos massivos de agricultores na Índia estão pressionando o governo Modi, de extrema direita, que não tem escrúpulos em usar a repressão para promover sua agenda neoliberal. A determinação dos camponeses é notável - e eles estão dando uma lição de esperança ao mundo, provando que Modi não é tão invencível quanto parecia há alguns meses.

O governo indiano, liderado pelo primeiro-ministro Narendra Modi e seu Partido do Povo Indiano — conhecido por BJP, a sigla do seu nome em hindi, Bharatiya Janata — de extrema direita, não aceita críticas, sejam elas dos cidadãos aos quais eles deveriam servir, da mídia, dos partidos de oposição ou até mesmo de celebridades globais.

Às vezes, essa fragilidade beira o ridículo, como quando o Ministério das Relações Exteriores se encarregou, esta semana, de emitir um comunicado de imprensa denunciando os “comentários sensacionalistas” sobre os protestos de agricultores em curso na Índia feitos por “celebridades e outros estrangeiros” — referindo-se, ao que parece, em grande parte a Rihanna.

Eis que Rihanna tuitou “Why aren’t we talking about this?! #FarmersProtest (Por que não estamos falando sobre isso?! #FarmersProtest) que tinha a ver com uma reportagem da CNN sobre as manifestações massivas em andamento.

Porém, com mais frequência, a resposta do governo à dissidência assume formas mais sérias e repressivas – como na recente apresentação de acusações de sedição contra jornalistas que escreviam sobre os protestos dos agricultores, a prisão de um jovem repórter que investiga o envolvimento do BJP em ataques violentos contra manifestantes e, ainda, a abertura de processos criminais contra líderes de protestos. 

Nos últimos dias, o governo derrubou a Internet em áreas onde os manifestantes estão reunidos, convenceu o Twitter a suspender temporariamente as contas de muitos apoiadores do protesto e começou a construir barricadas de pregos e concreto para manter os manifestantes fora de Delhi, a capital nacional.

Nunca pensei que escreveria essas palavras, mas Rihanna está certa sobre os protestos dos agricultores na Índia – por que não estamos falando mais sobre eles, especialmente com o governo indiano aumentando seu controle repressivo?

Rihanna tem razão

Os protestos não são novos. Eles começaram aos poucos em agosto passado, quando o parlamento indiano, no qual o BJP tem maioria absoluta, aprovou três projetos de lei agrícolas controversos, sem nem mesmo contar os votos. O trio de legislações afrouxa as regulamentações governamentais sobre a agricultura e torna mais fácil para os atores corporativos entrarem no setor.

As medidas surgem em um momento de grande crise para a agricultura indiana, que sofre com décadas de política neoliberal que dizimaram um setor que continua sendo o maior empregador do país. A crise do suicídio de agricultores, impulsionada por dívidas esmagadoras, é apenas uma indicação da gravidade das dificuldades no campo. Muitos agricultores veem as leis como um golpe mortal. Desde sua aprovação, protestos eclodiram em todo o país, especialmente nos estados do norte de Punjab e Haryana, onde o sustento de muitos agricultores está ligado aos mercados regulamentados pelo governo que os projetos de lei procuram enfraquecer.

Mas a partir de novembro do ano passado, quando grupos de agricultores, consternados com a falta de resposta do governo de Modi decidiram marchar para Delhi, as coisas pegaram fogo. Os agricultores foram recebidos com forte presença da polícia, o que coincidiu com uma greve geral de um dia liderada por sindicatos de trabalhadores em nível nacional, protestando contra as políticas anti-trabalhador do governo. 

Paralisações de tempo limitado como aquela, embora simbolicamente potentes, muitas vezes carecem de poder transformador. O movimento dos agricultores, por outro lado, deixou claro desde o início que não sairiam da fronteira até que as três leis agrícolas fossem revogadas.

O resultado dessa decisão foi o surgimento de uma série de acampamentos, que logo se tornaram minicidades cheias de intensa atividade cultural, política e social. Foram montadas cozinhas de grande porte, bibliotecas, palcos para palestras e apresentações, clínicas médicas e até odontológicas.

Apesar do grande apoio de fazendeiros e grupos progressistas, agricultores que protestavam tiveram que enfrentar condições difíceis, vivendo do lado de fora no inverno rigoroso e improvisando infraestruturas básicas. Grupos de agricultores dizem que pelo menos setenta manifestantes morreram nos acampamentos, alguns por suicídio.

Além da supertributação, os agricultores indianos têm que lidar com um governo que tem pouca paciência para sua principal demanda: revogar as leis agrícolas. Inicialmente, o governo tentou as mesmas táticas retóricas e repressivas que usou para esmagar protestos anteriores, incluindo os acampamentos que surgiram em Delhi no inverno passado contra leis de cidadania discriminatórias (e especificamente anti-muçulmanas). O governo de Modi denunciou os manifestantes como “anti-nacionais” e os acusou de serem “infiltrados” por grupos externos (de extrema esquerda ou extremistas religiosos). Desta vez, o BJP se agarrou ao fato de que muitos manifestantes são Sikh e tentou pintar o protesto como sendo dirigido por “Khalistanis”, ou aqueles que apoiam um Estado Sikh separado.

A incrível marcha dos tratores

Nada disso funcionou. Com os acampamentos intactos e o apoio aos protestos ainda forte, o governo relutantemente iniciou negociações com representantes dos sindicatos de agricultores. No entanto, apesar de oferecer várias concessões, o governo se recusou a ceder na revogação das leis agrícolas neoliberais. Diante da intransigência do governo, os agricultores começaram a planejar uma grande marcha, liderada por tratores, pela cidade de Delhi, marcada para 26 de janeiro — Dia da República da Índia, que é sempre celebrado de forma grandiosa pelo governo.

A marcha deu ao governo a oportunidade de intensificar suas medidas repressivas. Inicialmente, parecia que o governo nem daria permissão para a marcha. Finalmente cedeu, mas apenas permitiu uma rota que contornava as partes externas da capital. Os líderes dos sindicatos agrícolas aceitaram para a aproveitar a oportunidade de prosseguir com a marcha.

Para a grande maioria dos manifestantes, a marcha dos tratores foi uma ocasião festiva e de celebração, com os habitantes de Nova Délhi dando boas-vindas aos fazendeiros, fornecendo comida, jogando flores e prometendo apoio. Mais de cem mil pessoas marcharam pacificamente ao longo da rota determinada. Enquanto isso, grupos menores entraram em confronto com a polícia, e alguns desviaram da rota oficial, acabando no Forte Vermelho da era Mughal — outro local de pompa e poder do governo — onde um manifestante ergueu a bandeira Sikh.

Os eventos que levaram aos confrontos e ao hasteamento da bandeira permanecem em disputa. O governo e a mídia favorável a ele apontaram os eventos como prova de que o movimento é anti-nacional e extremista. Muitos líderes agrícolas apontarem que os confrontos foram apenas uma pequena parte de uma marcha massiva, bem-sucedida e popularmente apoiada — e estão convencidos de que o próprio governo encorajou os confrontos.

A luta prossegue: Modi não é invencível

Qualquer que seja a leitura dos acontecimentos, está claro que o governo usou o dia 26 de janeiro como desculpa para intensificar sua repressão. O governo de Modi acusou líderes agrícolas de ameaçar a unidade nacional indiana e, ainda, tentou destruir locais de protesto por meio da força bruta — tanto por meio da polícia quanto com grupos de vigilantes que apóiam o governo se passando por moradores.

Surpreendentemente, o movimento resistiu à intensa reação, em parte devido ao apelo apaixonado de Rakesh Tikait, um líder agricultor influente de Uttar Pradesh, um Estado que não havia desempenhado um papel de liderança anteriormente nos protestos. A intervenção de Tikait ajudou a ganhar um novo apoio para o movimento, e ele anunciou recentemente que os agricultores estão prontos para ficar na fronteira de Delhi pelo menos até outubro.

As prisões, acusações de sedição, construção de barricadas e apagões da Internet dos últimos dias mostram que o governo não está recuando e pode causar danos imensos. Ainda assim, o movimento, com uma determinação notável, deu um vislumbre de esperança de que o governo nacionalista hindu e neoliberal de Modi possa não ser tão invencível quanto parecia há poucos meses. 

É evidentemente que não podemos romantizar o movimento, nem para afirmar que ele está livre de problemas. Vários relatórios observaram as divisões de castas do movimento, que em grande parte mapeiam as divisões entre proprietários de terras e trabalhadores sem-terra. E o sindicato dos agricultores liderado por Tikait tem conexões desagradáveis com a violência anti-muçulmana em Uttar Pradesh.

No entanto, a revolta proporcionou uma ocasião, não apenas para uma luta contra um inimigo externo — as leis agrícolas neoliberais do governo — mas também um ajuste de contas interno. Os sindicatos de agricultores em Uttar Pradesh estão começando a enfrentar seu papel na violência sectária, e os sindicatos em Punjab estão enfrentando ativamente as cicatrizes profundas da opressão de castas no mundo agrário.

Nada disso significa que profundas divisões foram superadas, ou que as opressões históricas e atuais deveriam ser obscurecidas em nome de uma unidade precipitada. Mas o grande poder de tal movimento é que — em vez de exigir pureza ideológica no início — ele pode alcançar uma ampla gama de grupos e organizações sociais e ver a própria luta como o palco para transformações que olham para fora e para dentro.

Se o movimento dos agricultores, diante da crescente repressão do Estado, puder continuar abrindo espaço para essas transformações, ele terá o potencial de refazer a política indiana.

Sobre os autores

é doutorando em Geografia na Rutgers University e autor do livro Fractured Forest, Quartzite City: A History of Delhi and Its Ridge.

Cierre

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Published in Agricultura, Análise, Antifascismo, Ásia, Cultura and Política

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