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Fotografia do primeiro 1º de Maio, 1974, meses após a Revolução dos Cravos. Arquivo da DORP PCP.

O futuro tem partido

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Neste 25 de abril, a comemoração da Revolução dos Cravos se intersecciona com a dos 100 anos do Partido Comunista Português. Fomos a Portugal conferir porque o comunismo português ainda é um fenômeno ativo na resistência ao fascismo e na luta contra o capitalismo.

No dia 25 de Abril de 1974, o pequeno restaurante Franjinhas, em Lisboa, comemorava o seu primeiro ano de inauguração. O gerente do estabelecimento, então, teve a ideia de presentear a clientela com cravos vermelhos. Entretanto, pela rádio, teve que adiar seus planos, pois soube que estava ocorrendo uma revolução e pediu para que clientes e funcionários levassem embora as flores, pois iriam murchar se ficassem ali. 

Celeste Caeiro, a faxineira do lugar, pegou o metrô para casa. Sem entender bem a confusão da rua, perguntou a um soldado o que estava acontecendo e ele, em troca, pediu-lhe um cigarro. Celeste, que não fumava, deu-lhe um cravo. Logo, o soldado o colocou no cano da espingarda. O gesto, que não poderia ser mais simbólico e foi imitado imediatamente. Mais soldados foram colocando flores, nos canos das armas, do Rossio até o Largo do Carmo, onde se encontrava o governo. O regime de António Salazar e Marcelo Caetano parecia ter chegado ao fim. Uma flor, oferecida por uma trabalhadora de uma classe popular a um soldado, não poderia ser mais emblemática para se começar a contar a importância do PCP na história da esquerda portuguesa. 

Antifascista e clandestino

As mudanças ocorridas entre o final dos anos sessenta e o início dos anos setenta foram decisivas para a redefinição da política portuguesa, mas seria a Revolução dos Cravos e o fim da guerra de libertação das colônias africanas (1961-1974) os divisores de águas, após mais de 40 anos de ditadura do Estado Novo (1933-1974). Nestes dois episódios, o PCP teve uma participação fundamental. 

O PCP nasce, em 6 de março de 1921, pela vontade de um grupo que desejava a transição revolucionária do sistema capitalista para o socialismo. 

“Apesar da história do movimento operário, em Portugal, preceder a história do partido, o PCP não nasce de uma cisão da social-democracia, como em outros lugares, mas diretamente da ação da classe operária, influenciada pelas lutas anarquistas”, lembra Miguel Tiago, ex-deputado do PCP (2005 a 2018). 

No entanto, 5 anos depois de ser fundado, o PCP é confrontado com uma ditadura militar e com a instauração de um regime fascista, que vai levá-lo a atuar por 48 anos na clandestinidade. Além disso, em 19 de Março de 1933, Salazar proclama a constituição fascista. O ato colonial de 1930 instituiu o trabalho forçado e obrigatório nas colônias portuguesas, sobre o princípio fascista de “Tudo pela nação. Nada contra a nação”. Em 1935, todos funcionários públicos são obrigados a assinar uma declaração anticomunista. 

Mesmo assim, de todas as correntes que existiam ligadas ao movimento operário, só o Partido Comunista conseguiria reunir as armas adequadas para a luta revolucionária nas condições impostas pelo regime, tornando-se o partido fundamental de resistência antifascista. O PCP, já em 1929, começara a se organizar na clandestinidade. Bento Gonçalves, um jovem operário e ativista sindical, passara a ser decisivo na ligação do partido à classe operária e na sua construção da ideologia partidária de forte influência leninista.  

Entre 1940 e 1941, o PCP se reorganiza com o objetivo de criar uma organização clandestina capaz de iludir a ação policial e dar continuidade ao trabalho de construção de um partido de mobilização de massas populares. Desse modo, o partido fomenta e age nas grandes lutas das massas operárias e camponesas. No outro fronte de batalha, consegue um grande prestígio junto a intelectuais, conseguindo ainda impulsionar grandes movimentações unitárias. O salazarismo é obrigado a recuar, cada vez mais, perante a pressão das forças democráticas, mas também a repressão ainda continua agir de forma implacável.  

Em março de 1949, são presos vários militantes comunistas, entre eles Álvaro Cunhal. Cunhal é levado a tribunal e transforma o julgamento numa grande denúncia da política do governo salazarista, configurando-se, a partir de então, no grande líder histórico do PCP de todos os tempos.

Entre 1958 e 1965, as forças revolucionárias abalam o regime salazarista e se realizam as mais grandiosas ações de massa de toda a história da luta antifascista. Na campanha eleitoral de 1958, centenas de milhares de portugueses manifestaram-se nas ruas contra o regime fascista, exigindo a democracia. As lutas dos trabalhadores se multiplicaram juntamente com o ingresso do movimento estudantil. O início da luta armada de libertação nacional nas colônias portuguesas provocou a abertura de uma nova frente de luta dos quartéis e enfraquecimento do regime, sendo o seu principal fator de crise. Mais de 40% do orçamento público passou a ser destinado para as guerras “coloniais”. O descontentamento era geral.

Com a Revolução de Abril, as alianças do PCP com outros movimentos populares obtiveram êxitos e consequências históricas notáveis. Os órgãos do governo fascista foram dissolvidos, juntamente com as comissões de censura. Os presos políticos foram libertados. Foram devolvidas as liberdades democráticas, sendo tomadas numerosas medidas de caráter econômico e social, correspondendo a reivindicações das massas populares: instituiu-se um salário mínimo nacional que beneficiou a metade dos trabalhadores portugueses, o rendimento nacional dos trabalhadores subiu de 48%, em 1973, para cerca de 57%, em 1975; a inflação foi controlada; aposentadorias aumentaram; foi aberto o acesso ao serviço de saúde pública, entre outras políticas sociais.

Das cinzas da ditadura de 1976 aos dias de hoje, a constituição portuguesa é única, por, no seu preâmbulo, manifestar documentalmente a vontade de constituição de uma sociedade socialista, como citam o professor Vital Moreira e Lidia Martins, ambos ex-militantes do PCP. Vital Moreira foi um dos deputados do PCP, à época, a fazer parte da redação da carta magna portuguesa.

O que faz do PCP um partido único hoje?

Um dos fatores do sucesso da atuação do PCP é o pragmatismo. Quanto a isso, Miguel Tiago lembra que, após a reorganização dos anos 40, o PCP percebe que tem que apresentar objetivos concretos às massas. Ou seja, não combate o fascismo apenas afirmando o antifascismo nem defendendo um horizonte muito distante do comunismo. O partido vai às questões que tocam as pessoas, investe na comunicação com as massas. 

A indestrutibilidade do PCP, então, segundo o ex-deputado, reside no seu caráter de “um partido de emanação das massas. Porque se ele resulta das aspirações das massas, essas não são destrutíveis. E, enquanto houver essas aspirações e, enquanto houver quem pegue nelas para fazer um partido, ele não é destrutível”.

Em 1940, o partido decide ligar-se a coisas muito concretas, como lemas “paz, pão, liberdade. Paz porque havia guerra. Pão porque havia fome. Liberdade porque havia fascismo. Isso é muito mais identificável, mais apropriável por trabalhadores que ligam-se em uma luta”, continua Miguel Tiago. Este engajamento muitas vezes se dá não apenas aos militantes, mas para aqueles que possuem a ideia de que a liderança das lutas passa através de um partido confiável. Isso se dá mesmo que os beneficiados não votem no partido. Um partido que intervém, organiza lutas ou simplesmente contribui para elas se organizarem. 

O professor da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Filipe Pathé Duarte, também enfatiza o papel importante e vivo atualmente do PCP, colocando como uma das características principais a abnegação dos militantes do partido, bem como a “honestidade política” dos seus membros e a complexidade, em várias linhas de atuação do PCP.

Por exemplo, Miguel Tiago insiste não apenas no caráter prático, mas cotidiano das ações do PCP mesmo hoje.

“Para se fazer a revolução, é preciso também tomar as medidas não tão empolgantes para fazê-las, mas que são necessárias fazê-las. Onde houve progresso na vida dos trabalhadores e do povo em geral, em Portugal, o PCP esteve presente, na direção ou na vanguarda dessa luta, indicando os objetivos e como os construir. Às vezes, lutar pela contratação coletiva em uma fábrica, ou numa empresa, não é o mesmo que lutar pelo socialismo, mas lutar pelo socialismo não é possível sem munir os trabalhadores dessa capacidade de intervenção no dia a dia”.    

São por essas estratégias, que, após 100 anos, o PCP é um dos partidos comunistas com o maior número de filiados na Europa, contando com mais de 45 mil militantes. A festa do Avante!, celebração tradicional do partido, representa o maior acontecimento político em Portugal. Todos os anos, atrai mais de 30 mil participantes, na primeira semana de setembro. Não apenas demonstrando uma força de alcance extraordinária, em especial de comunicação com a juventude, mas também uma grande capacidade de autofinanciamento legítimo da própria atividade política partidária.

Com aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e da instrumentalização da pandemia de Covid-19 pelo grande capital, a fim de aprofundar a exploração, as comemorações do centenário priorizam intervenções em defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores, dentro de uma política patriótica e de esquerda. O PCP considera que a resposta para os problemas nacionais de Portugal não é compatível com prosseguimento das ações de políticas de submissão às imposições da União Europeia, como pregadas por parte de vários partidos portugueses. Assim, por exemplo, defende um desconfinamento responsável que tutele efetivamente a saúde dos trabalhadores, mas que os permitam exercer suas atividades econômicas e não limite seus direitos democráticos.  

No programa do partido “Uma democracia avançada: os valores de Abril no futuro de Portugal”, o PCP aponta como objetivo futuro a construção de uma sociedade socialista e a concretização de uma democracia econômica social, política e cultural, dentro de um processo de transformação e desenvolvimento profundos. O socialismo e o comunismo devem ser vistos por todos como ideais pelo qual valem a pena lutar, com a convicção de que o capitalismo não é – nem deve ser – o último sistema econômico-político da história da humanidade.

Sobre os autores

é jornalista, doutora em literatura pós-colonial comparada e estudos ibéricos e mora na Itália.

Cierre

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Published in Antifascismo, Ditaduras, Europa, Militarismo, Notícia, Política and Revoluções

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