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Tribune Magazin.

Como as empresas de combustíveis fósseis exploraram a pandemia

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Tradução
Coletivo Leia Marxista

Enquanto a pandemia paralisa os movimentos ambientalistas que lutam contra a crise climática, os lobistas do petróleo e do gás têm aumentado seu acesso a subsídios públicos e se colocaram no centro dos planos de recuperação econômica no cenário pós-COVID.

Em meio à dor e ao sofrimento causados ​​pela pandemia de Covid-19, a indústria de combustíveis fósseis tem feito forte lobby pela desregulamentação e sugado dinheiro público. A indústria sentiu os efeitos da paralisação econômica – as indústrias automotivas e de aviação de alto teor de carbono foram atingidas com aviões aterrados e fábricas fechadas e, em abril, o preço do petróleo ficou brevemente abaixo de US$ 0 – mas enquanto as mobilizações climáticas como greves de jovens e a Extinction Rebellion perdiam impulso, as empresas responsáveis ​​pela injustiça climática estavam se esforçando para fazer a pandemia trabalhar para elas.

A indústria de combustíveis fósseis já recebe um apoio considerável dos governos. No G20, o Reino Unido e a Rússia proporcionaram as mais diretas transferências de fundos e reduções e isenções de impostos e, apesar das campanhas de desinvestimento em combustíveis fósseis da última década com o objetivo de marginalizar a indústria na vida política, Reino Unido, Canadá, Alemanha, Itália, Índia, África do Sul e Coreia do Sul aumentaram o financiamento público para combustíveis fósseis na forma de empréstimos, garantias e investimento estatal entre 2014 e 2018.

Para uma indústria movida por uma busca implacável de lucro, no entanto, e despreocupada com consequências devastadoras, mesmo isso não era suficiente. O recente relatório “Poluidores lucrando com resgates financeiros na pandemia” da Fossil Free Politics expôs a escala da influência da indústria de combustíveis fósseis nos planos de recuperação econômica em toda a Europa e sua captura de dinheiro público disponibilizado para manter setores-chave da economia de pé.

Na Itália, a empresa de infraestrutura de gás Snam e a lobista Confindustria publicaram em conjunto um relatório argumentando que o investimento em infraestrutura para a energia de  combustíveis fósseis impulsionaria a recuperação econômica e a descarbonização. Suas recomendações incluíam direcionar metade dos investimentos até 2030 para combustíveis fósseis, especialmente gás. A Confidustria aproveitou a pandemia como uma oportunidade para fazer lobby pela simplificação dos procedimentos de avaliação de impacto ambiental também como parte do plano de recuperação.

Na França, as empresas de gás, incluindo Engie, GRTgas e Téréga, fizeram lobby contra regulamentações ambientais e climáticas, atrasando com sucesso a abolição de uma vantagem fiscal para o diesel não rodoviário.

Em Portugal, António Costa Silva, diretor executivo da empresa de combustíveis fósseis Partex, foi nomeado para redigir o plano de recuperação econômica do país. Ele já havia criticado o governo por bloquear a nova exploração de petróleo e gás no Algarve. O plano concedeu fundos de recuperação consideráveis ​​ao gás hidrogênio, combustível promovido como “limpo” pela indústria.

No nível da União Européia, o grupo de lobby BusinessEurope (assessorado pela Shell, BP, ExxonMobil e Total) escreveu ao Conselho Europeu em março exigindo desregulamentação e adiamentos de iniciativas que “aumentariam os custos para as empresas”. Os lobistas dos combustíveis fósseis se reuniram com funcionários de alto escalão 25 vezes entre 23 de março e 25 de maio, promovendo a desregulamentação e o apoio aos combustíveis fósseis antes do lançamento do Next Generation EU, o pacote de recuperação financeira relativo à Covid-19. Dos €750 bilhões do pacote, 30% foram destinados à ação climática, mas o lobby enfraqueceu efetivamente os critérios para o que é considerado “verde”. Há escopo para que fundos públicos sejam destinados à infraestrutura de gás associada a captura e armazenamento de carbono (ou CCS, da expressão em inglês carbon capture and storage), com lobistas ainda pressionando para que o gás natural seja considerado sustentável.

As instituições financeiras europeias há muito apoiam a expansão dos combustíveis fósseis, inclusive através da iniciativa “Projetos de Interesse Comum da Comissão Europeia”. A análise do Greenpeace mostra que, desde o início da pandemia, o Banco Central Europeu (BCE) injetou mais de €7,6 bilhões em combustíveis fósseis. O Programa de Compra de Emergência Pandêmica do BCE comprou dívida corporativa na forma de títulos, inclusive da Shell e da Total. Agora que o banco tem um interesse claro em obter seu dinheiro de volta, é incentivado a promover políticas que ajudem as empresas de combustíveis fósseis a serem lucrativas – e, portanto, a continuar extraindo. As decisões tomadas hoje em resposta à pandemia estão prendendo as economias a décadas de emissões futuras, bem quando precisamos começar a descarbonização.

Por que o capital fóssil teve tanto sucesso em tirar vantagem da pandemia? A indústria, ao longo de décadas, garantiu sua posição no centro da economia política global. No momento, permitir que empresas de combustíveis fósseis quebrem significaria permitir que o sistema de energia global entre em colapso. A indústria usa essa relação de dependência a seu favor em momentos de crise, pressionando por um ambiente regulatório enfraquecido com base na ideia de que seu próprio sucesso financeiro é indistinguível de um sucesso econômico mais amplo, ou “recuperação”, no caso.

Esse ciclo só pode se manter se a prioridade for a recuperação de um status quo doentio. O desespero para “voltar ao normal” após a turbulência da pandemia obscureceu o que “normal” representa – normalidade é a reprodução das mesmas condições que causaram a pandemia, e, em nossa experiência, ela é um desastre: desmatamento, pecuária, austeridade e privatização. A normalidade continua facilitando a extração de combustíveis fósseis, arrastando-nos cada vez mais para uma catástrofe climática. Ela significa deixar que as empresas privadas fujam da responsabilidade enquanto lucram com os danos aos trabalhadores e ao mundo.

A esquerda e o movimento climático precisam parar de desperdiçar as crises, porque a indústria de combustíveis fósseis certamente não o faz. Houve muitos apelos por “recuperação verde” ou “reconstruir melhor” durante a pandemia, mas nos faltou a estratégia militante, o poder das bases e a liderança política para realmente pressionar o governo.

Haverá cada vez mais crises nas próximas décadas – pandemias, choques climáticos ou outras coisas. É hora de usá-las para expor a culpabilidade da indústria de combustíveis fósseis na produção dessas  crises. É hora de usarmos nosso poder para forçar um ajuste de contas em que rompamos nossa dependência dos combustíveis fósseis com uma transformação que rapidamente se descarboniza e coloca a economia nas mãos do público.

Quando os lobistas dos combustíveis fósseis pedem a desregulamentação, nós devemos exigir que os ativos de combustíveis fósseis sejam nacionalizados para acelerar o desmantelamento da indústria. Quando os lobistas dos combustíveis fósseis pedem dinheiro público, nós devemos exigir que esses fundos sejam investidos em um programa de novos empregos verdes que atravesse toda a economia e em um setor público forte para realizar a transição energética vital para manter nosso planeta vivo.

Sobre os autores

é cofundador do Labor for a Green New Deal.

Cierre

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Published in Análise, Capital, Meio Ambiente and Saúde

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