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West não acredita que é apenas com publicações que pode impactar o público com quem deseja dialogar – já lançou, por exemplo, dois álbuns musicais, além de ter participado em inúmeros filmes. Wikimedia Commons

Um intelectual profético

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Hoje é aniversário do filósofo e escritor Cornel West. Incansável defensor do socialismo democrático, West consegue ser impiedoso na denúncia do imperialismo, racismo e militarismo e inspirador de um futuro comum de justiça e igualdade para novas gerações.

Cornel West nasceu em 2 de junho de 1953 em Tulsa, apenas 32 anos após o massacre lá ocorrido, evento que marcou a grande investida sangrenta da supremacia branca nos EUA contra a prosperidade do povo negro. Hoje pode-se dizer seguramente que é um dos intelectuais mais destacados de sua geração. Combativo, preocupado em conectar seu exercício crítico e teórico com intervenção pública enquanto pensador profético e filósofo, West nos brinda constantemente com reflexões estimulantes e um olhar aguçado sobre a crise social no capitalismo tardio. 

Herdeiro do que ele mesmo, em seu livro Black Prophetic Fire (de 2016), denominou “a tradição profética de lideranças negras” – encarnada por figuras históricas como Frederick Douglass, W.E.B Du Bois, Martin Luther King Jr., Ella Baker, Malcolm X and Ida B. Wells – West vem, desde os anos 1980, fornecendo uma elaboração política e filosófica que conjuga elementos do existencialismo e pragmatismo com uma crítica cultural baseada numa combinação peculiar de marxismo com cristianismo. 

É essa mistura de elementos que dá conta de temas como a corrosão de valores e laços das comunidades negras diante do niilismo negro, a niggerização da classe trabalhadora diante do neoliberalismo, a decadência das lideranças negras diante da visão esvaziada de representatividade e autenticidade racial, temas tão atuais nas discussões públicas, tanto nos EUA como por aqui. Sua visão singular criou obras seminais para tradição crítica como Race Matters (Questão de Raça, com reedição recém lançada pela Companhia das Letras), Democracy Matters e The Ethical Dimensions of Marxist Thought (tradução em preparação pela editora Figura de Linguagem) entre outros. Apesar de ainda ter poucos livros traduzidos no Brasil, suas falas tem circulado com cada vez mais frequência nas redes progressistas devido à atuação política pública e intervenções em protestos, projetando sua figura como um dos principais porta-vozes contemporâneos do socialismo democrático.

Sua aparição na CNN na época dos protestos massivos contra o racismo e a brutalidade policial em 2020, desencadeados pelo assassinato de George Floyd, viralizou nas redes e circulou o mundo todo, sendo legendado por aqui pela Jacobin Brasil. West fazia a denúncia da América como um “experimento social fracassado”, enfatizando que a “economia capitalista americana” se mostrou incapaz de “garantir que as pessoas possam viver vidas decentes”:

Mas agora temos de novo uma geração mais jovem, de todas as cores, gêneros e orientações sexuais. Nós não vamos mais aguentar calados. Mas você sabe o que é mais triste, no nível mais profundo? É que parece que o sistema não é capaz de se reformar. […] Então, quando falamos sobre as massas de pessoas negras, os negros pobres, a classe trabalhadora negra, os trabalhadores latinos, nativo-americanos, asiáticos, os trabalhadores de todas as cores: eles são os que foram deixados de fora, e se sentem tão profundamente impotentes, desamparados, desesperançados… É aí que as pessoas se revoltam. 

West se reivindica um “cristianismo revolucionário” – que vê o marxismo como “indispensável, mas insuficiente”. Em uma entrevista para a Religious Socialism, conta que seu processo de radicalização começou ao ler o jornal dos Panteras Negras, aos 16 anos. Conta que ler O Capital, de Marx, o fez ver que o dinheiro era o grande ídolo do nosso tempo. Admirava a coragem e a seriedade com a qual os Panteras se organizavam para lutar contra a miséria e o domínio do capital, mas que nunca conseguiu se filiar devido às suas convicções cristãs. Em uma entrevista para a Jacobin no ano passado, conta:

Quando comecei a crescer intelectualmente fui influenciado pela igreja – sempre me vi como um cristão revolucionário, no legado de Martin Luther King e Fannie Lou Hamer –  e trabalhei em estreita colaboração com o Partido dos Panteras Negras. Ali eu já tinha uma crítica do capitalismo, do império, da homofobia e do patriarcado, porque era sobre isso que debatíamos na sede dos Panteras Negras.

Eu ensinava no Programa de Café da Manhã dos Panteras Negras. Eu ensinava na prisão Prisão de Norfolk, onde estava Malcolm X. Eu nunca estava nas festas porque era cristão e eles eram profundamente seculares. E isso foi bom. Eles tinham fortes críticas à igreja, reconheço várias delas. Mas eu tinha meu próprio entendimento de Deus e Jesus e da luta e revolução. Ficamos muito próximos, mas não consegui entrar.

Cornel West, aliás, costuma enfrentar consideráveis reveses por ter uma postura comprometida com seus propósitos de crítica constante aos valores de mercado do capitalismo, à desigualdade e pauperização da classe trabalhadora. Sua postura inconformista e iconoclasta, alinhada com a luta intransigente por justiça econômica, tem rendido constantes ataques por parte establishment acadêmico, no qual nunca se encaixou inteiramente, e até de outras lideranças negras, especialmente após sua crítica veemente ao neoliberalismo progressista do período Obama, o que quase o colocou como persona non grata entre figuras eminentes da intelligentsia negra estadunidense. Mais recentemente, sua crítica à política de ocupação do Estado de Israel, e sua solidariedade à luta do povo palestino, foi provavelmente determinante na decisão da Universidade de Harvard de negar a ele a posição de professor estável (tenured).

West não acredita que é apenas com publicações que pode impactar o público com quem deseja dialogar – já lançou, por exemplo, dois álbuns musicais, para transmitir de maneira musical alguns conceitos e ideias críticas relevantes, além de ter participado em inúmeros documentários, e até em produções hollywodianas como Matrix.

West nos inspira com uma maneira de ser, exercer e compartilhar conhecimento com o mundo enquanto um pensador, um filósofo, um teólogo. Um ser político, que poucos possuem nos tempos de reconhecimento baseado em métricas e algoritmos. Cornel West é uma exemplo para o pensamento crítico que esteja comprometido com a transformação material, com o avanço das minorias oprimidas, com a consolidação do bem viver para as classes trabalhadoras, com um projeto coletivo pautado pela vida e pela justiça. Nas suas palavras, como sempre nos lembra: “nunca esqueça que justiça é como o Amor aparece publicamente”. A nosso lutador, defensor do amor público e do fogo profético revolucionário, nossas ardentes felicitações!

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Published in América do Norte, Militarismo and Perfil

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