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Ao mobilizar as indústrias criativas da publicidade, branding e relações públicas, o capitalismo contemporâneo procura ativamente aqueles que se opõem a ele e lhes oferece fama e fortuna.

O poder “criativo” do capitalismo não cria – ele se apropria

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Tradução
Maria Victória Limoeiro, Reginaldo Gomes e Matheus Belló

Marx argumentou profeticamente que o capitalismo não vê seus limites. Após as revoltas de 1968 e a revolução contracultural dos anos 60, o crescimento do capitalismo se tornou mais predatório, sequestrando até mesmo os ideais. Assim, ao reembalar tudo como mercadoria, os defensores do capitalismo se gabam que "não há alternativa".

Somos constantemente orientados por nossos gerentes, pais, governos, CEOs, “líderes de pensamentos”, e pela mídia, a sermos criativos. Aparentemente, a criatividade é a nova força vital da economia moderna.

O impulso para “ser criativo” está tendo um grande impacto em tudo ao nosso redor, desde os locais onde trabalhamos até as maneiras como somos gerenciados. A hierarquia corporativa tradicional é agora um sistema defunto que nega a atividade criativa. Os governos são muito burocráticos e sufocam o pensamento político inovador. A regulamentação é inimiga do trabalho flexível, ágil e criativo.

Serviços sociais, caridade e outras instituições estão em dificuldades não porque seu financiamento foi drasticamente cortado, mas porque não são criativos o suficiente. Hospitais, escolas e universidades fracassam porque não são empreendedores o suficiente e não podem se adaptar a um mercado e tecnologias digitais em rápida mutação.

Com o surgimento dessa linguagem, institucionalizada em termos como “as indústrias criativas”, a “economia criativa” e a “classe criativa”, a criatividade se tornou o paradigma crítico do crescimento econômico.

Mas raramente se pergunta: o que é isso que nós deveríamos estar criando?

Na realidade, o que essa versão da criatividade produz é simplesmente mais do mesmo: desigualdade, injustiça e expropriação.

O capitalismo contemporâneo tem requisitado a criatividade para garantir seu próprio crescimento e manter a centralização e monetização do que gera. Marx argumentou profeticamente que o capitalismo não vê seus limites como limites, apenas como barreiras a serem ultrapassadas. Sua busca incessante de recursos para explorar e gerar riqueza para a elite significa que a única criatividade do capitalismo é destruir alternativas e transformá-las em terreno fértil e estável para um crescimento maior.

Em O novo espírito do capitalismo, os teóricos sociais Luc Boltanski e Éve Chiapello argumentaram que no mundo após os protestos em Paris em 1968 (e a revolução contracultural dos anos 60 de modo mais amplo), o crescimento do capitalismo se tornou predatório. Ele devora as pessoas, as ideias, as coisas e os movimentos que estão em oposição direta a ele.

Ao mobilizar as indústrias criativas da publicidade, branding e relações públicas, o capitalismo contemporâneo procura ativamente aqueles que se opõem a ele e lhes oferece fama e fortuna. Em essência, o capitalismo estabiliza aqueles movimentos, pessoas e ideias que estão “fora” dele, nomeando-os. Trazendo-os para o mainstream e para a consciência pública mais geral.

Ele faz tudo isto para preparar-los para a comercialização. Muitos movimentos contraculturais, desde a cultura hippie ao punk e ao skate, caíram na armadilha capitalista da recompensa monetária. No século XXI, este processo de cooptação se tornou intensamente rápido e, em alguns casos, extremamente grosseiro.

Tomemos, por exemplo, o furor sobre um anúncio da Pepsi que foi ao ar brevemente no início de 2017. O comercial focava em uma marcha de protesto ridiculamente genérica, cujos participantes carregavam cartazes com slogans como “junte-se à conversa” e “amor”. Uma modelo, interpretada por Kendall Jenner, está participando de uma sessão de fotos nas proximidades e avista um rapaz igual a ela no comício (com uma lata de Pepsi na mão, é claro), que sedutoramente acena para que ela participe.

Ela se livra dos grilhões de sua beleza bem cuidada, descartando uma peruca loira e borrando seu batom perfeitamente aplicado, e se junta à multidão do protesto. Ela então pega uma lata de Pepsi em um balde de gelo e a entrega a um policial que está de guarda junto à manifestação. Ele bebe o refrigerante refrescante, acena com a cabeça em aprovação para a modelo e seus colegas policiais.

Todos brindam, se abraçam e a tela escurece. “Live Bolder. Live Louder. Live for now. Beba Pepsi.

O comercial foi rapidamente destruído nas mídias sociais. Em um período de intensa fúria nos EUA, com marchas contra Donald Trump e o racismo institucional da polícia, este comercial foi uma cooptação descarada da estética de protesto para vender refrigerante. Com uma interpretação nada sutil da famosa imagem de Ieshia Evans sendo algemada por policiais com equipamento antimotim em Baton Rouge, em 2016, a Pepsi higienizou o protesto e redirecionou a poderosa figura do ativismo de rua para longe das injustiças sociais que ele está tentando corrigir, a fim de vender mais bebidas. Mortes sob custódia da polícia, opressão policial em protestos por meio do uso da violência, spray de pimenta e prisões injustas estavam (e ainda estão) em carne viva na imaginação pública, e quando a Pepsi imitou o “visual” do protesto em busca de ganho, a contestação foi legitimamente rápida e sua retratação bem-vinda. 

Mas esse tipo de exercício de branding é o exemplo perfeito de como o capitalismo transforma seus oponentes em seus promotores. Baseando-se em uma indústria de publicidade e tecnologia que vasculha o mundo social à procura de imagens, movimentos e experiências que ainda não foram comercializadas. A vontade “criativa” do capitalismo absorve qualquer aparência de que poderia ser utilizada para criar mundos alternativos. Qualquer movimento (seja um grupo contracultural, um movimento de protesto, meme ou ideologia ativista) que busca desestabilizar o capitalismo é visto como um potencial mercado a ser explorado. 

Por isso, o poder “criativo” do capitalismo não cria – ele se apropria. 

Ele oferece às vozes dissidentes incentivos financeiros, reconhecimento, ou simplesmente um descanso da exaustão emocional e física de lutar constantemente. Mas fazendo isso, os anticapitalistas param de desestabilizar o capitalismo: em lugar disso, eles se tornam terrenos férteis para a colheita de mais lucros. 

É assim que os métodos capitalistas de apropriação têm sido tão exitosos. Sua retórica de criatividade é, na verdade, alimentada por interesses próprios, pela lógica de mercado e pela competição. Essa criatividade é então empregada como a mais potente arma do capitalismo. À medida que o mercado absorve todas as contestações e as reembala como produtos para venda, a criatividade se torna o meio pelo qual os impulsionadores do capitalismo na política e na mídia podem se gabar explícita ou implicitamente: “não há alternativa”.

Mas pode haver uma alternativa – talvez criatividade revolucionária; uma criatividade que seja sobre a criação de novos fenômenos a respeito dos quais o capitalismo não está prevenido. Há uma força poderosa nas margens da sociedade e nas fissuras do mundo comercializado que está desestabilizando o terreno onde o futuro do capitalismo está sendo colhido. 

Criatividade deve ser sobre buscar aquelas atividades, pessoas e efemeridades que resistem à cooptação, apropriação e estabilização pelo capitalismo – não descobrir novas maneiras de reforçá-lo. 

Sobre os autores

é professor de Geografia Humana na Royal Holloway, University of London. Ele é o autor de "Contra a Criatividade e Subversão Urbana e a Cidade Criativa" e tem um blog em tacity.co.uk.

Cierre

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Published in Análise, Arte, Capital and Cultura

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