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O tenista inglês Fred Perry, de família sindicalista, joga durante o campeonato de Wimbledon de 1935. (Central Press / Getty Images)

As raízes progressistas do tênis

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Tradução
Grégory Rodrigues Teixeira

O tênis tem sido frequentemente considerado um esporte excludente e elitista – porém, no século XIX as mulheres resistiram ao machismo e na década de 1930 sindicalistas e militantes uniram forças para desafiar os clubes de tênis particulares com um torneio próprio: o Wimbledon dos Trabalhadores.

Em julho, as finais do Wimbledon aconteceram no All England Club, um clube particular bem restrito, onde, mesmo que assim deseje, é quase impossível se tornar um membro. A Royal Box, espécie de arquibancada VIP, estava reservado para as estrelas de Hollywood, donos de redes sociais e acionistas; e toda a arquibancada estava coberto pelo cheiro inconfundível de pessoas vindas dos condados prósperos e dos subúrbios ricos ingleses. A imagem do tênis como um esporte do establishment foi, mais uma vez, restabelecida.

Mas ela não passa de uma imagem enganosa. O tênis é um esporte bem mais progressista do que aparenta ser nas imagens do Wimbledon em nossas televisões, e ele sempre foi assim. Em seus 150 anos de história, o esporte sempre atraiu indivíduos com pensamentos rebeldes e comportamento contestador.

Margaret Marshall, a esposa de William Marshall, vice-campeão do primeiro Torneio de Wimbledon, em 1877, foi uma entre muitas das primeiras jogadoras que eram devotas da militância sufragista. Frederick Pethick-Lawrence, um dos mais entusiasmados entre eles, passou nove meses na prisão devido ao seu suporte ativo à causa. Subsequentemente, ele foi ministro em dois governos liderados pelo Partido Trabalhista. Muitos dos grandes campeões, como Leif Rovsing, Alice Marble, Arthur Ashe, Billie Jean King e Venus Williams viam o tênis não só como um esporte agradável, mas também como um local para lutar por liberdade, justiça e igualdade. Debaixo de sua imagem conservadora, surpreendentemente, o tênis sempre foi um jogo radical.

O jogo foi inventado em Pimlico, em 1874, pelo Major Walter Wingfield, investidor vitoriano que viu uma oportunidade de fazer dinheiro em cima de um passatempo ao ar livre para as classes média-altas. Seu “Tênis de Grama” se tornou rapidamente um fenômeno em toda a região das Ilhas Britânicas; em poucos anos, também, em todo o continente europeu, nos Estados Unidos e em grande parte do antigo Império Britânico. Uma das maiores razões para o seu sucesso é que era um esporte jogado tanto por homens quanto por mulheres.

Wingfield comercializou kits de equipamento de tênis com foco em ambos os gêneros, e a velocidade e entusiasmo com que as mulheres aderiram ao jogo surpreendeu não apenas Wingfield, mas toda a sociedade vitoriana. O que levou também alguns dos primeiros tenistas homens a sentirem que o esporte “deles” estava se tornando, pouco a pouco, afeminado. Com o apoio do All England Club e da Lawn Tennis Association, que foi formada em 1888 a fim de representar somente o tênis masculino, iniciou-se uma campanha com a intenção de criar uma vertente do tênis somente para o público feminino, que possuiria uma quadra menor e raquetes e bola mais leves.

Caso a campanha tivesse sido um sucesso, ela teria matado o tênis feminino. A versão para homens teria continuado a se desenvolver como esporte, com os recursos, dinheiro e poder que isso implicava; enquanto que a versão feminina, mais “leve”, teria se tornado apenas um passatempo. O que os apoiadores dessa campanha não contavam era com a determinação que as primeiras campeãs do tênis feminino tinham em manter o esporte como já era – campeãs como Lottie Dod, a primeira esportista britânica.

Em Exmouth, em agosto de 1888, Dod jogou a partida que ficou conhecida como a “Guerra dos Sexos” contra Ernest Renshaw, que viria a ser campeão do Winbledon no ano seguinte. Renshaw ganhou, mas por pouco. “Nossa campeã,” reportou a revista Pastime, “jogou tão bem que Renshaw teve que correr tanto quanto correria se estivesse enfrentando um jogador de primeira-classe do mesmo sexo”.

Dod usou esta oportunidade para dirigir um desafio diretamente aos separatistas masculinos. Ela argumentou que a razão de o tênis ter feito sucesso era por ser um esporte em que homens e mulheres jogavam juntos. Isso fez com que os jogadores masculinos parassem com qualquer tendência que tivessem de obrigar as mulheres a jogar tênis “mais leve”; elas demonstraram que podiam lidar com o peso da raquete, visto que o jogo não dependia só de força física. Os homens que queriam tratar o tênis feminino como algo diferente partiam de uma prerrogativa “autoritária e irresponsável”.

Ninguém podia disputar com a soberania da Dod — uma jovem, respeitada tanto por homens quanto por mulheres — e nem como o apoio unânime que ela recebia de outras campeãs. A campanha para separar o tênis feminino do masculino desabou e, em 1898, a Lawn Tennis Association concordou em supervisionar também o tênis feminino. Foi uma vitória notável e progressista, e fez com que o tênis acabasse desenvolvendo um tipo diferente de masculinidade quando comparado a outros esportes – uma masculinidade que precisa se adaptar, sempre, à presença e ao empoderamento das mulheres. O tênis se tornou o que conhecemos hoje: o único dos esportes mais populares do mundo que tem uma forte igualdade de gênero.

Equipe de tênis do Bowburn Colliery Welfare, fotografada por volta de 1956. Créditos: Bowburn Local History.

É verdade que essa igualdade tem beneficiado principalmente mulheres classe-média, e isso ajudou a propagar a percepção de que o tênis é um esporte praticado somente por pessoas privilegiadas. Mas essa percepção também é enganosa, pois mascara a história por detrás do envolvimento das classes operárias com o jogo.

Na primavera britânica de 1927, George Deacon e Ivy Noyes construíram o Reading Labour Party, o primeiro clube socialista de tênis do mundo, onde companheiros do partido, ferroviários, funcionários do posto de gasolina e dos correios, artesãos e operários da grande fábrica de biscoitos Huntley & Palmers podiam jogar juntos. Na primavera britânica de 1932, o Reading Citizen reportou que o clube estava “lotado, com 90 membros”. Isso merecia uma comemoração: George e Ivy colocaram um anúncio no New Clarion sobre um torneio de tênis, que aconteceria no final de semana dos dias 10 e 11 de setembro de 1932.

Os convites foram enviados aos membros de mais de uma dúzia de outros clubes de tênis ligado aos Partido Trabalhista que haviam sido abertos nessa época, em lugares como Slough, Bristol, Swindon, Oxford, York, Liverpool e Manchester. Jogadores que não possuíam vínculo com os times, mas que faziam parte de algum sindicato, como o Labour League of Youth, ou das cooperativas locais também foram encorajados a participar do torneio.

Com todo esse planejamento envolvido, teria sido um final de semana gratificante se o sol tivesse dado as caras – mas o vento e a chuva dominaram o céu e apenas 36 pessoas conseguiram finalizar suas partidas. Ainda assim, durante a noite de sábado daquele final de semana, houve uma festa agradável, em que Frederick Roberts, Ministro da Previdência dos governos trabalhistas dos anos de 1920, entreteve o público com uma dúzia de músicas e seu violino.

O torneio foi considerado um sucesso, e um segundo torneio foi marcado para o ano seguinte. Durante o final de semana dos dias 15 e 16 de junho de 1933, desta vez com um sol glorioso, mais de cem participantes apareceram no Reading para mais dois dias de “tênis dos trabalhadores”. Entre eles, havia motoristas, mineiros, balconistas, carteiros, secretários, modelistas, engenheiros e um antigo estoniano, Frederick Pethick-Lawrence. O nome oficial do torneio foi ignorado. Os jogadores e os apoiadores simplesmente se referiam a ele como “Workers’ Wimbledon” (O Winbledon dos Trabalhadores).

Nas décadas seguintes, o Workers’ Wimbledon se tornou uma peça central da cultura alternativa do tênis britânico, e incluiu clubes de tênis dos partidos trabalhistas, ligas de tênis de mineiros, de carteiros e de ferroviários, e associações de tênis de parques públicos. Juntos, desafiaram o etos dos clubes de tênis particulares da classe-média, que seguiam códigos de exclusão, e defenderam uma abordagem ao jogo que continha valores diferentes da maioria dos torneios de tênis naquela época. Competição e rivalidade podiam coexistir na quadra com cortesia, amizade e cooperação. Seu oponente era também o seu camarada.

O torneio foi revitalizado após o fim da Segunda Guerra Mundial, mas toda a empolgação havia se esgotado, mesmo quando o All England Club convidou todos para jogar as finais no próprio Winbledon. Muitos membros do Partido Trabalhista haviam perdido o interesse não apenas no Workers’ Wibledon, mas no esporte dos trabalhadores. Enquanto isso, muitos clubes de tênis particulares britânicos abriram suas portas para jogadores que vinham da classe operária. O torneio Workers’ Wimbledon de 1951 foi o último.

Durante vinte anos, porém, ele havia dado o vislumbre de uma cultura do tênis baseada no socialismo e na cooperação, e contrastou essa cultura com o narcisismo movido ao status propagado por muitos dos clubes de tênis para a classe-média. De maneira parecida, os clubes de tênis judeu, a principal American Tennis Association para negros e, mais recentemente, os clubes de tênis LGBTQIA+ em volta do mundo têm, através dos anos, oferecido ótimas oportunidades para imaginarmos o tênis como um esporte que encoraja a participação de todos. O retorno desses clubes têm influenciado o estilo e a cultura dos clubes de tênis particulares na Grã-Bretanha e em outros lugares do mundo.

É verdade que muitos desses clubes continuaram sendo voltados principalmente para a classe-média, e possuem, sim, histórico de egoísmo e exclusão. Mas eles também mantiveram o espírito do trabalho voluntário vivo, algo que era mais comum na sociedade quando o tênis começou, nos anos de 1870, e algo que é bem raro na sociedade atual; os clubes são um dos únicos lugares na sociedade capitalista contemporânea em que a comercialização de tudo ainda é mantido distante.

Os clubes de tênis da Grã-Bretanha (e do mundo afora) continuam sendo uma maneira de curtir um momento na companhia de desconhecidos. E também são um dos lugares mais fáceis de se desenvolver aquele relacionamento especial que existe também em outros esportes, mas que atinge uma intensidade ímpar no tênis: seu oponente se torna um de seus amigos mais íntimos. Essa possibilidade de atingir um nível de camaradagem profundo com um parceiro do tênis é mais uma das razões de que aquelas imagens do Winbledon continuam enganosas – uma entre muitas outras.

Sobre os autores

é o autor do livro "The People’s History of Tennis", publicado pela Pluto Press.

Cierre

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Published in Análise, Esportes and Europa

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