De Donald Trump a Santiago Abascal, toda a extrema direita mundial tem se unido em torno do que, segundo Steve Bannon, será a prioridade de 2022: fazer com que Bolsonaro seja reeleito. Trata-se de uma batalha vista como definitiva, a exemplo do que foi Stalingrado na Segunda Guerra Mundial. Com a derrota nazista para os soviéticos, a sorte da guerra mudou por completo a partir do início de 1943.
No começo do mês, o Brasil e o mundo assistiram estarrecidos ao circo dos horrores do que aconteceu no país no último 7 de setembro. Entretanto, mais importante que isso foi a participação de várias figuras da extrema direita mundial no apoio aos anseios ditatoriais de Jair Bolsonaro.
Os garotos de Bannon
Após relatos de sua detenção pela polícia brasileira, o ex-porta-voz de Trump, Jason Miller, divulgou um comunicado dizendo que foi interrogado por policiais durante três horas no aeroporto de Brasília.
Jason Miller é o CEO da Gettr, uma plataforma de mídia social de direita criada após a proibição do ex-presidente Donald Trump de participar do Twitter e de várias outras plataformas na sequência do motim que aconteceu no Capitólio em 6 de janeiro.
A detenção de Miller foi relatada pela primeira vez pelo Portal Metrópoles. O ex-assessor de Trump foi interrogado pela Polícia Federal como parte de uma investigação sobre “atos antidemocráticos”, segundo o veículo. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, expediu uma ordem para interrogar Miller. Em agosto, a Justiça abriu uma investigação sobre as alegações de Bolsonaro de que a eleição brasileira de 2022 será fraudulenta.
Miller estava no Brasil participando da versão brasileira da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC-Brasil), que contou com outras figuras da extrema direita estadunidense trumpista. Após algumas horas, Miller foi liberado e retornou aos EUA.
A detenção de Miller no aeroporto causou um rebuliço entre outros participantes do CPAC que estavam no Brasil – mas agitou principalmente os estadunidenses. Um dos outros protegidos do Steve Bannon que estava no Brasil, Matthew Tyrmand, acusou o STF de ser anti-Bolsonaro. Tyrmand começou sob a tutoria de Bannon, mas tem trilhado seu próprio caminho na extrema direita estadunidense.
Segundo o perfil de Tyrmand no Atlas Network (tirado do ar curiosamente após a viagem ao Brasil), ele é filho de Leopold Tyrmand, escritor polonês que editou a publicação anticomunista Chronicles of Culture e começou sua carreira trabalhando em Wall Street. Em 2013, ele foi trabalhar em uma ONG de transparência governamental. Depois, em 2016, começou a escrever para o Breitbart, portal de mídia de extrema direita, que foi anteriormente administrado pelo o ex-CEO de campanha, e estrategista-chefe de Trump, Steve Bannon.
O que é mais importante é que Matthew é um dos membros do conselho do Projeto Veritas, uma organização de direita que usa câmeras escondidas para expor supostas tramas e crimes cometidos por “liberais e esquerdistas”, mas na realidade ataca jornalistas e movimentos sociais.
Segundo uma publicação da AFT Michigan:
O Projeto Veritas teve uma receita de US$ 3,7 milhões em 2015, ano para o qual seus registros de impostos públicos mais recentes estão disponíveis. Embora a maioria de seus doadores não tenha sido divulgada publicamente, sabemos que a Donors Trust, a fundação relacionada a Koch que tem sido chamada de “caixa eletrônico de dinheiro obscuro da direita conservadora”, contribuiu com mais de US$ 2,1 milhões desde 2012. A Donors Trust é financiada por contribuições anônimas de doadores da rede Koch, que supostamente incluem Betsy DeVos e seu marido. Donald Trump também é um doador do Projeto Veritas, contribuindo com US$ 10 mil em 2015. Trump fez referência aos vídeos do Projeto durante os debates presidenciais e Donald Trump Jr. tuitou sobre eles.
O Projeto Veritas também tem links com grupos que desejam derrubar sindicatos de professores. Denis Calabrese, presidente da Fundação Laura and John Arnold, é um conhecido doador do Projeto Veritas. A Fundação Laura e John Arnold também é uma grande financiadora dos esforços para encerrar os planos de pensão de benefício definido para professores. Colin Sharkey, membro do conselho do Project Veritas, é vice-presidente executivo da Association of American Educators, uma organização não sindicalizada de professores fundada por organizações conservadoras sem fins lucrativos como forma de enfraquecer os sindicatos de professores.
Durante a CPAC-Brasil, onde Tyrmand também participava, Eduardo Bolsonaro defendeu a importação do projeto para controlar de jornalistas por meio do uso de câmeras escondidas. Ele afirmou que a criação de uma versão brasileira do Projeto Veritas poderia funcionar para expor a “parcialidade” de jornalistas.
Juntamente com Miller, Matthew também se encontrou com Jair Bolsonaro e o senador Flávio Bolsonaro no Palácio da Alvorada. Essa aproximação não é por acaso. O próprio Bannon disse durante uma conferência organizada em agosto:
Jair Bolsonaro enfrentará o esquerdista mais perigoso do mundo, Lula. Um criminoso e comunista apoiado por toda a mídia aqui nos Estados Unidos, toda a mídia de esquerda. Esta eleição é a segunda mais importante do mundo e a mais importante de todos os tempos da América do Sul. Bolsonaro vai ganhar a menos que seja roubado, adivinhe, pelas máquinas.
Assim, Bannon repete a tese infundada de Bolsonaro de que as urnas eletrônicas seriam adulteradas. O que Bannon falou vai de encontro com os movimentos internacionais da extrema direita que olham para Bolsonaro como o último grande líder de seu projeto de dominação em “defesa” do legado ocidental.
Desde os primórdios da ascensão da atual extrema direita, o Brasil e mais especificamente a família Bolsonaro são peça chave na articulação internacional. Em 2019, Eduardo Bolsonaro anunciou que representaria a América do Sul no The Movement, um consórcio de representantes europeus conservadores fundado por Steve Bannon que apoia o nacionalismo populista e rejeita a influência do globalismo. O The Movement não teve os resultados esperados na Europa, mas ajudou Eduardo Bolsonaro, considerado o filho geopolítico de Jair, a consolidar outras alianças internacionais.
Foro de Madrid
Descrito como “um esforço coordenado entre diferentes atores, de diversas esferas ideológicas, que compartilham sua determinação de enfrentar a ameaça representada pelo crescimento do comunismo nos dois lados do Atlântico, o que é apoiado pelo Foro de São Paulo e pelo Grupo Puebla”, o Foro de Madrid conta com a direção de Eduardo Bolsonaro e, também, de outra figura que tem dado as caras na política latino-americana, o espanhol Santiago Abascal. Líder do partido VOX, Abascal montou uma plataforma com traços xenofóbicos que, assim como seus outros colegas, compartilha dos mesmos delírios de aversão a tudo que considera à esquerda de suas convicções.
As relações de Abascal com a América Latina estão ficando cada vez mais sólidas. No dia 3 de setembro, quando foi ao México, a aliança defendida por Santiago Abascal recebeu apoio de 15 senadores e três congressistas dos tradicionais Partido Ação Nacional (PAN) e Partido Revolucionário Institucional (PRI). Além do Foro de Madrid, o Vox também criou a Fundação Disenso, um núcleo de intelectuais conservadores.
O eurodeputado pelo Vox e presidente da entidade, Hermann Tertsch, recentemente nomeou a ex-ditadora boliviana Jeanine Àñez para o Prémio Sakharov, atribuído pelo Parlamento Europeu em reconhecimento da Liberdade de Consciência. Dentro dessas movimentações o VOX tem conseguido articular um endurecimento das políticas do Europarlamento contra governos populares da esquerda latino-americana, como Cuba, Venezuela, Nicarágua e Bolívia.
Geopolítica do caos
Está claro que, apesar de contradições ideológicas, que a extrema direita está organizada e empenhada na desestabilização de movimentos progressistas e no fortalecimento de sua agenda neoliberal autoritária.
O Brasil de Bolsonaro será o último grande reduto da nova extrema direita global, que se diz anti-establishment embora trabalhe na defesa cega do sistema capitalista. Hoje, o bolsonarismo está clamando por ajuda, pois ele sabe que vai precisar jogar sujo se quiser ter alguma chance de se manter no poder.
Isso tudo principalmente depois das manifestações antidemocráticas que Bolsonaro tentou impulsionar no dia 7 de setembro, que não tiveram nem de longe o impacto desejado. Assim, o presidente brasileiro compreende que agora, mais que nunca, vai precisar de toda ajuda internacional que puder para as eleições de 2022, quando haverá uma batalha decisiva não apenas para o Brasil, mas para os rumos da humanidade.
Sobre os autores
é uma jornalista independente e comentarista política, anti-imperialista. Nascida no Brasil mas radicada na Escócia.