Você faz login e é arrebanhado para um bar virtual para ouvir seu chefe contando piadas. Enquanto isso, a primeira companhia mobiliária do metaverso está vendendo propriedades super valorizadas de uma Londres virtual e gamers estão competindo por tokens não replicáveis. Bem vindo ao Zuckerverso — um lugar que ninguém pediu que fosse criado, mas no qual, em breve, nós gastaremos muito do nosso tempo.
No fim de outubro, Facebook mudou seu nome para Meta, o que faz parte de uma mudança de direção rumo ao chamado metaverso — uma rede de experiências interconectadas parcialmente acessadas através de headsets de realidade virtual (RV) e dispositivos de realidade aumentada (RA). Nas palavras do próprio Zuckerberg, “você pode pensar no metaverso como uma internet incorporada, onde ao invés de apenas ver o conteúdo — você está nele”. Os exemplos mais facilmente reconhecíveis disso em ação são as reuniões de escritório virtuais com óculos de RV, jogos em universos online expansíveis e o acesso a camadas digitais sobre o mundo real através de RA.
Como dono do Facebook, Instangram, WhatsApp e da companhia de realidade virtual Oculus, a companhia agora conhecida por Meta planeja criar um mundo integrado no qual nosso trabalho, nossa vida e nosso lazer irão acontecer no interior de sua infraestrutura — monetizando todos os aspectos de nossas vidas. Por hora, isso pertence ao mundo da fantasia. Ainda assim, é a fantasia de um dos homem mais poderosos do mundo — e justamente por isso merece nossa atenção.
Em um artigo, o investidor de risco Matthe Ball escreve: “o Metaverso será um lugar no qual impérios proprietários receberão investimento e serão construídos e onde tais negócios ricamente capitalizados podem ter a posse completa dos clientes, controlar APIs/dados, economia das unidades e etc”. O que soa bastante esquisito…
a Meta espera que, ao construir uma sensação hype em torno de si, outros serão encorajados a seguir desenvolvendo o projeto. É como construir uma agência de correio e uma loja e chamar isso de cidade. A expectativa é conseguir que um número suficiente de companhias participe do projeto e que, em breve, todos nós a usemos — quer nós gostemos ou não.
Headsets para todos
O metaverso não é um blefe. Seria errado enxergá-lo como uma mera manobra arquitetada para atrair a atenção para longe da crise que a companhia enfrenta. Nem é apenas uma simples reformulação da marca para revestir a empresa com uma mão de verniz fresco, algo que Philip Morris fez com o Grupo Altria em 2003.
A companhia de Zuckerberg investiu pesado em hardware de RV e quer tornar-se o principal agente no mercado de headset. É uma aposta que sua linha de headset de RV e óculos de RA irão eventualmente se tornar tão onipresentes quanto os smartphones. Existem estimativas de que a companhia já tenha vendido cinco ou seis milhões de headsets de RV por um preço de U$ 300, algo em torno de U$ 2 bilhões. Mas esse ramo do negócio ainda não está gerando dinheiro; foi dito que, com aproximadamente 10 milhões de pessoas trabalhando com dispositivos de RV, a companhia está perdendo entre U$ 4,5 bilhões e U$6,4 bilhões em custos de operação.
Há um risco genuíno de que tudo fracasse. Os consumidores têm sido lentos na adoção da tecnologia RV e, daqui alguns anos, pode ser que Zuckerberg, o chefe de comunicações do Facebook, Nick Clegg e o diretor de operações, Sheryl Sandberg, realizem reuniões em um metaverso vazio. Contudo, a Goldman Sachs prevê que a indústria de RV e RA poderão atingir um valor de U$ 80 bilhões por ano, por volta de 2025, com uma taxa de crescimento cumulativo anual entre 40% e 80%. A partir de tais predições, pelo menos, o metaverso será mais do que apenas um movimento de relações públicas sem sentido para ajudar a Meta a vender mais óculos VR.
Sua vida como um serviço
As plataformas digitais criaram um ambiente no qual nosso trabalho, nossa vida social e nosso entretenimento cada vez mais se realizam em contextos digitais construídos justamente para a monetização. A ideia por trás do metaverso é expandir o horizonte da apropriação da vida humana para todos os aspectos da nossa existência.
A Meta quer expandir seu alcance de uma mera rede social global para se tornar a infraestrutura digital das nossas vidas cotidianas.
Em 2005, Zuckerberg imaginou o Facebook como um “diretório online” que poderia ser usado para “procurar pessoas e encontrar informações sobre pessoas”. O Facebook era essencialmente uma base de dados de pessoas que podia ser consultada para obter informações. Mas a companhia também declarou possuir uma missão social, supostamente centrada na completa transparência: Zuckerberg descreveu como “todo o incremento ao acesso de informação e ao compartilhamento iria, inevitavelmente, mudar as grandes coisas do mundo”.
Ao longo dos anos seguintes, o Facebook não era mais apresentado como uma ferramenta digital, mas como uma forma das pessoas conectarem-se, compartilharem experiência e tornarem-se próximas. Após as convulsões políticas de 2016, Zuckerberg começou a falar do Facebook em termos históricos, como o provedor de uma infraestrutura de comunicação para um processo global: “esse é o grande esforço de nossos tempos. As forças da liberdade, da honestidade e da comunidade global contra as forças do autoritarismo, do isolacionismo e do nacionalismo.”
Em 22 de junho de 2017, na primeira Cúpula de Comunidades do Facebook, Zuckerberg anunciou uma mudança na declaração da missão do Facebook: passou para conectar pessoas para construir uma comunidade global. O pivô para o metaverso é o próximo passo lógico desse projeto. Naquela época, Zuckerberg falou sobre fornecer a infraestrutura digital da vida comunitária do século XXI por meio dos grupos do Facebook. Agora, a Meta quer disparar na frente dos seus rivais no controle da próxima geração de internet corporificada.
O objetivo final da Meta é ser mais do que apenas um serviço que você usa, mas a infraestrutura sobre a qual você vive.
Construir mundos é o negócio da Meta
Assim como a água está para os peixes, a Meta quer se tornar o meio imperceptível que permeia toda nossa existência. Não será mais a escolha que você faz, mas o ambiente no qual as escolhas estarão disponíveis para você. Em outras palavras, não é uma companhia patrocinando um evento, é o estádio no qual ele acontece. A ideia é que a Meta será uma holding responsável por um próspero ecossistema de produtos e serviços perfeitamente integrados em um mundo híbrido, capaz de extrair, facilmente, lucro em todos os pontos do sistema.
Você poderia jogar jogos, baixar conteúdo ou se cadastrar em serviços e tudo seria automaticamente deduzido de sua conta. Serviços e produtos bancários e de investimento seriam integrados no mundo do metaverso, logo uma porção do seu salário seria automaticamente transferida para a moeda desse mundo.
Múltiplas companhias competiriam por fatias desse mundo, mas haveria um incentivo ainda maior para o estabelecimento de monopólios horizontais e verticais. Empresas colocariam barreiras contra serviços interoperacionais — e seria mais conveniente para os clientes permanecerem em um jardim murado onde tudo seja transferível e conectado.
A ideia de que a plataforma é uma intermediária neutra, facilitadora de transações, sempre foi mistificadora. Agora, contudo, mesmo essa pretensão seria algo do passado, na medida em que as empresas do metaverso possuiriam um papel bem mais ativo na elaboração da arquitetura dos mundos virtuais. Mesmo as atuais plataformas digitais são ambientes sociais complexos e econômicos que foram desenvolvidos ao longo de décadas de pesquisas em psicologia social. Nesses novos mundos, porém, os barões tecnológicos irão estabelecer as regras e criar amplos sistemas para encorajar comportamentos dos usuários que sejam lucrativos para a empresa.
Capitalismo do metaverso
Os empreendimentos mais lucrativos nos domínios do capitalismo digital foram essencialmente as empresas de anúncio. A Apple ainda se saiu bem vendendo produtos de consumo sofisticados. Entretanto, diferente disso, o modelo capitalismo-de-vigilância que rege os negócios do Google e do Facebook tem como objetivo oferecer serviços grátis para as pessoas em troca dos dados delas, os quais seriam analisados e vendidos.
O capitalismo do metaverso verá grandes firmas de tecnologia mudando o foco em direção ao ramo de hardware e de infraestrutura, visto que possuir a estrutura na qual outros serviços podem ser ofertados se torna bem mais valioso. Isso não significa apenas coletar dados, é possuir os servidores e o mundo digital. Já temos visto as Big Tech começando a gastar imensas quantias em cabos de internet submarinos e centros de dados que reduzem os custos do transporte de dados. Alphabet e Amazon gastaram, cada uma, em torno de U$ 100 bilhões investindo em infraestrutura e outros ativos fixos. Cada vez mais, a ideia das companhias de tecnologia com modelos de negócios enxutos, seguindo os passos da Nike e de outras grandes empresas de terceirização, está se tornando obsoleta.
Uma segunda mudança essencial é a diversificação de fontes de receita e uma descentralização do papel dos dados e dos anúncios. No primeiro trimestre de 2021, 92,2% da receita total do Facebook foi fruto de anúncios. O metaverso apresenta um leque maior de fluxos de receita, de hardware nos quais opera os jogos, serviços e conteúdos em seu interior. A Meta pode começar a oferecer conteúdo por assinatura; pode vender propriedades e experiências virtuais; e pode cobrar o acesso de outras empresas para esse mundo. O eixo de dados-para-anúncios ainda vai existir, mas vai ser parte de um portfólio mais variado de ativos.
Provavelmente, empresas de plataformas que ofereciam um único serviço agora irão ramificar seus espectros de serviços em um mundo conectado. Ainda é difícil prever como o metaverso será repartido entre empresas de tecnologias competidoras. É complicado imaginar como a Meta está disposta a deixar seus competidores montarem lojas dentro do metaverso ou competir com eles em termos equivalentes. Mas a probabilidade de que outros se interessem em investir aumentará se houver sinais de que o hardware é rentável.
Grandes investimentos em tecnologia de RV e RA também criarão uma maior necessidade de “microtrabalhadores” precários e mal pagos para treinar os algoritmos. O motor do metaverso será o mundo físico e extremamente real da exploração do trabalho — predominantemente de trabalhadores do Sul Global. Conforme Phil Jones recentemente argumentou em Work Without the Worker, o “lar secreto da automação” é, na verdade, “um complexo globalmente disperso de refugiados, moradores de favelas e vítimas de ocupações, obrigados por meio da miséria, ou então da lei, a impulsionar o aprendizado das máquinas de companhias como o Google, Facebook e Amazon”.
Excesso corporativo
O metaverso será construído de forma responsável? Óbvio que não. Longe disso, será construído da forma que seja mais rentável para a Meta. Quaisquer problemas que apareçam serão encarados como questões de relações públicas enquanto as empresas imprimem dinheiro num ritmo recorde. Quem se importa com a pressão de alguns parlamentares quando você detém não apenas a infraestrutura digital deste mundo, mas de todo o metaverso?
O “metaverso” de Zuckerberg é um mundo no qual os usuários se movem tranquilamente de um ambiente controlado por uma corporação para outro. O fundador do Facebook garantiu ao público que sua mais recente novidade será construída de forma responsável e em parceria com os outros. Contudo, face à avalanche de evidência de transgressões trazidas à tona pelas delações de Frances Haugen, é difícil crer que até mesmo os aliados mais próximos de Zuckerberg acreditam nessa mudança.
Sobre os autores
é professor de ciência política na Universidade de Exeter. Ele é o editor de Council Democracy: Towards a Democratic Socialist Politics (“Democracia de Conselhos: Por uma Política Socialista Democrática”), Trumping the Mainstream: The Conquest of Democratic Politics by the Radical Right (algo como “Trumpeando o Sistema: A Conquista da Política Democrática pela Direita Radical”) e The German Revolution and Political Theory (“A Revolução Alemã e a Teoria Política”, a ser publicado em breve).