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O que muitas pessoas estavam procurando em um novo filme Matrix era um pouco de nostalgia para aliviar nossa ansiedade coletiva muito real. Mas assistir a cobra proverbial comer sua própria cauda por quase duas horas e meia faz a gente perder o apetite. (Warner Bros.)

Nem o Neo consegue se desconectar

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Tradução
Sofia Schurig

Matrix Resurrections apresenta um caso convincente de que a franquia Matrix está nos mantendo conectados à Matrix. Infelizmente, isso está nos esgotando e estamos começando a tratar as pessoas na vida real como fazemos nas redes sociais — cruelmente.

Nos primeiros dias, Jean Baudrillard foi convidado a explicar algumas coisas sobre Matrix

O trabalho do filósofo francês estava entre as incontáveis influências e referências que as Wachowskis inseriram no código da Matrix — junto com cristianismo, budismo, Alice no País das Maravilhas e diversos outros filmes de ficção científica e artes marciais. No início do primeiro filme, Neo, personagem de Keanu Reeves, esconde um software ilícito dentro de uma cópia oca do livro Simulacros e Simulações, de Baudrillard, e Morpheus, interpretado por Laurence Fishburne, ecoa uma de suas falas mais notáveis ao introduzir o mundo pós-apocalíptico fora da simulação como “o deserto do real”.

Baudrillard, como uma espécie de gato Cheshire da teoria da mídia, se recusou a seguir as pistas para a toca do coelho. Ele acreditava que a Matrix promovia uma falsa dicotomia entre o mundo artificial de computadores e o mundo real de carne e osso, que há muito tempo havia colapsado no estado que ele apelidou de hiper-realidade.

Pior, os filmes concretizaram sistemas de controle modernos simulando resistência a eles. “Matrix é certamente o tipo de filme sobre a Matrix que a Matrix conseguiria produzir”, concluiu Baudrillard em 2004. 

Mas algo engraçado aconteceu. Uma terceira sequência nasceu — uma que deixa claro que as criadoras de Matrix finalmente reconheceram o ponto de Baudrillard.

A pílula vermelha cinematográfica?

A trilogia original de Matrix ainda impressiona ao reassistir nos dias de hoje, mas não necessariamente por suas previsões proféticas. Os efeitos especiais de kung-fu, a cinematografia e os trajes estilosos de couro ainda são divertidos, mas o diálogo que um dia soará profundo para os mais jovem agora parece pesado e juvenil. Em retrospecto, esses foram glorificados filmes de super-heróis fazendo cosplay de cyberpunk reflexivo.

O contexto é importante. Parte do motivo de Matrix ter atingido tantos cinéfilos como um raio é porque o primeiro filme foi lançado em 1999. Ele gerou uma crescente apreensão na internet — que estava prestes a transformar nossa existência diária — e articulou um mal-estar crescente que muitos sentiam sobre a vida no “fim da história”. 

Em 1999, mercados e a democracia liberal haviam finalmente destruído sua oposição, deixando um retrogosto amargo enquanto instituições norte-americanas e a ordem social continuavam a desmoronar. Alguém poderia imaginar uma alternativa para o status quo hipercomodizado com o esmagamento de todos, a não ser enterrar nossas cabeças nas telas?

Em vez disso, as Wachowski realizaram os sonhos da geração Z. Matrix gira em torno de um hacker chamado Thomas Anderson, também conhecido como Neo, que descobre que sua realidade é, na verdade, uma simulação de computador. A pílula vermelha que Morpheus dá a Neo faz ele embarcar em uma jornada de herói na qual ele deve abraçar seu destino como “o Único”. No final de Matrix Revolutions, de 2003, a última parcela da trilogia original, esse Messias vestindo um casaco impermeável lidera a resistência da humanidade às máquinas, um golpe mortal contra a inteligência artificial dos robôs, abrindo caminho para uma sociedade nova e livre. 

Além dos filmes, houve uma série animada, vários jogos videogames e uma legião de seguidores cult na internet que se dedicou a decifrar as mitologias e significados da franquia. O conceito de ser “red-pilado” é talvez seu legado mais duradouro — uma metáfora para emergir de um sono induzido por narcóticos e descobrir a verdade oculta de um sistema poderoso, seja o realismo capitalista, a binariedade de gênero, as origens do coronavírus, ou o “verdadeiro vencedor” das eleições presidenciais dos Estados Unidos de 2020. 

Para seu crédito, os escritores de Matrix Resurrections (Lana Wachowski, David Mitchell e Aleksandar Hemon) estão totalmente cientes do legado duradouro da franquia e, bem, estão um tanto constrangidos com isso. 

Durante grande parte de seu primeiro trecho, Ressurections funciona como uma viagem prolongada de desculpas. Muito parecido com a sequência divisiva de Star Wars: O Último Jedi, que é um produto da cultura pop autoconsciente que desafia as expectativas dos fãs e desconstrói suas próprias mitologias, enquanto exibe a quebra de regras que deveriam ditá-lo. Ei, todas as máquinas não são mais malvadas, algumas delas são realmente úteis e fofas! Neo é um cara de meia-idade que não pode voar e nem mesmo é “o escolhido”. E ficar conectado à Matrix é realmente a pior coisa do mundo? 

O filme abre com o alter-ego de Neo, Thomas Anderson, de volta aos confins da Matrix, mas desta vez preso em uma existência indiferente como um famoso designer de videogames que criou um jogo de grande sucesso chamado — sim — The Matrix. Enquanto Anderson expressa ambivalência sobre a onipresença do jogo na cultura (ele “entretinha algumas crianças”, diz ele ao personagem de Carrie Anne Moss, Trinity/Tiffany, com desdém), todos os outros parecem estar vivendo na longa sombra da Matrix. Uma hilariante cena inicial apresenta jovens desenvolvedores de jogos que debatem calorosamente sobre Matrix enquanto bebem café de uma loja chamada “Simulatte”. É uma alegoria sobre direitos trans? Exploração capitalista? Ele se indagam.

Para “o homem que seria Neo novamente”, parece ser contra-intuitivo que a Matrix (o programa de computador) coloque a Matrix (o produto cultural) no centro de uma prisão virtual destinada a enganar os seres humanos a acreditar que ela não existe. Mas essa versão atualizada 2.0 da Matrix ainda mantém os humanos presos em capsulas pegajosas mais do que nunca, diz seu criador, uma inteligência artificial chamada Analista (Neil Patrick Harris). O molho secreto? Os robôs observam os verdadeiros “medos e desejos” das pessoas e depois os vendem de volta para nós.

Em uma cena pungente, o personagem Bugs admite isso para Neo: 

Eles pegaram sua história, algo que significava muito para pessoas como eu, e a transformam em algo trivial. É isso que a Matrix faz. É uma arma para cada ideia… Onde melhor enterrar a verdade do que em algo tão comum como um videogame?

Essa citação é um dos muitos atos de autoimolação do filme, mas reflete a visão de Baudrillard de que nossa raiva contra a máquina realmente nos fortalece quando a máquina é embalada na forma de Rage Against the Machine(™), um produto capitalista em um universo onde isso é a única coisa que importa, um pacificador espetáculo da mídia entre os espetáculos. Porque organizar uma revolução desordenada quando se pode simplesmente consumi-la em seu telefone?

De alguma forma, até mesmo o caráter de Neo se encaixa no universo estendido de Baudrillard. “Assim como a sociedade medieval era equilibrada sobre Deus e o Diabo, a nossa também é equilibrada sobre o consumo e a sua denúncia”, escreveu certa vez Baudrillard. Como tal, Neo representa tanto o velho, quanto o novo, fundidos em um só — uma figura fictícia de Jesus para a falsa resistência contra o consumo sem sentido, com o personagem do Oráculo servindo como seu Espírito Santo. 

Assim, a meta-narrativa sinuosa de Resurrections acaba nos pedindo para enfrentar uma pergunta provocadora e desconfortável: e se os filmes de Matrix e o ecossistema da mídia que os criou for o mais próximo que temos da Matrix… já estamos presos dentro dela? 

“Você está ficando mais perto”, poderia dizer Baudrillard. Para o pensador francês, a pacificação da vida cotidiana aconteceu muito antes de Mark Zuckerberg alguma vez pronunciar o termo “metaverso”. É através dos processos de se tornar uma sociedade baseada na informação e no consumo — a adoção em massa dos meios de comunicação de massa. Filmes como Matrix, disse ele, “são para a cultura o que o seguro de vida é para a vida: está lá para afastar seus perigos”. 

Talvez, o problema de criar um novo meta-filme sobre como Matrix é a nova Matrix é que ele torna o entretenimento exaustivo, muitas vezes enfadonho. No espírito de ser metalinguístico, eu provavelmente me diverti mais pensando sobre Resurrections e escrevendo este ensaio do que realmente assistindo-o.

A verdade é que, ao nos conectarmos ao conforto ilusório da HBO Max, ou o playground de realidade virtual de Zuckerberg, algo como a Matrix original parece cada vez mais tentador atualmente. Nos últimos dois anos, milhões de pessoas morreram devido a a pandemia e muitos estão doentes, deprimidos ou extremamente ansiosos. Muitos de nós estamos lutando por máscaras, vacinas e políticas, carregando cada momento desconfortável com outra pessoa na rede social na esperança de justiça através da máfia digital, enquanto uma onda de homicídios continua a causar estragos em todo o país, quebrando recordes em cidades como Filadélfia, Indianápolis e Austin. 

A tensão é palpável: o tecido social tem se desgastado ainda mais devido ao isolamento, à alienação e à falta de segurança material, e estamos começando a tratar as pessoas na vida real como fazemos nas redes sociais — cruelmente.

O que muitas pessoas estavam procurando em um novo filme Matrix era um pouco de nostalgia para aliviar nossa real ansiedade coletiva, como a nova versão computadorizada de Morfeu posa inteligentemente em Resurrections. Mas assistir a cobra proverbial comer sua própria cauda por quase duas horas e meia faz a gente perder o apetite.

E como corretivo da cultura pop, a mensagem de Resurrections provavelmente soará em ouvidos surdos. Grande parte da energia política hoje em dia, tanto à esquerda quanto à direita, está obsessivamente focada no poder de controlar os fluxos de informação e assegurar que todos tenham uma dieta saudável da mídia livre de desinformação. A direita, por exemplo, quer superar o viés liberal das Big Techs e dispersar todas as menções de raça e gênero na educação, enquanto os protestos de rua da esquerda pela justiça racial foram incluídos nos clubes liberais de leitura e na playlist “Vozes Negras Edificantes” da Netflix. 

Neo e Trinity voltaram ousadamente ao cinema, ao mesmo tempo, que Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa e Não Olhe Para Cima. O primeiro filme de sucesso foi visto por muitos comentaristas e críticos das redes sociais como mais uma sequência de super-heróis estúpidos atrás de dinheiro idealizados pela Disney/Marvel, uma das maiores empresas de entretenimento do mundo. O último? Uma sátira refrescante, até mesmo importante, sobre nossa inação coletiva em relação à mudança climática. 

No entanto, ambas existem na luz fria dos meios de comunicação de massa, cuja última função é “neutralizar o caráter vívido, único e eventual do mundo e substituí-lo por um universo múltiplo de mídias que, como tais, são homogêneas umas com as outras, significando-se reciprocamente”, que Baudrillard escreveu em A Sociedade de Consumo, cerca de 30 anos antes da estreia de Matrix. Soa familiar? No final, Homem-Aranha não é uma pílula azul, e Não Olhe Para Cima e Matrix Resurrections não são versões cinematográficas de uma pílula vermelha. Todas elas não oferecem nada mais do que um efeito placebo.

Sobre os autores

é um jornalista residente no Alabama e editor da Third Rail Mag.

Cierre

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Published in Cultura, Filme e TV, Livros and Resenha

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