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Foto tirada em 1917 durante a Revolução de Fevereiro em São Petersburgo, Rússia.

As revoluções de fevereiro

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No dia 8 de março de 1917, Dia Internacional da Mulher, estourou a fagulha da revolução de fevereiro que desencadeou a queda do Czar Nicolau na Rússia. Leon Trotsky defendia que a vitória contra o czarismo deveria ser a antessala de uma segunda revolução - e ele estava certo.

No dia 8 de março de 1917 começou a revolução de fevereiro. O dia internacional da mulher registrou a primeira manifestação de massas, predominantemente, feminina, que culminou, somente uma semana depois, após greves de trabalhadores e rebelião de soldados, com a abdicação do Czar Nicolau. O triunfo da revolução democrática que derrubou o regime mais retrógado, anacrônico e despótico da Europa teve protagonismo social proletário. 

A burguesia russa não cumpriu papel algum na derrubada da ditadura monárquica-militar que mergulhou a Rússia no abismo da guerra mundial. Prevaleceu um substitucionismo social que somente as mentes socialistas mais ousadas tinham imaginado possível. Cento e cinco anos depois ocorreram muitas outras revoluções que derrubaram regimes ditatoriais semelhantes ao fevereiro russo de 1917. Mas a imensa maioria das revoluções democráticas não se radicalizou em revolução social.  

O debate sobre a natureza da revolução é um dos mais instigantes da teoria da revolução no marxismo, e remonta à velha polêmica entre a teoria da revolução por etapas e a teoria da revolução permanente. A dialética entre a força de pressão de tarefas históricas inconclusas, a resistência reacionária da burguesia e a disposição de luta dos sujeitos sociais resume a teoria da revolução permanente, seja qual for a sua versão, desde Marx até hoje.

O substitucionismo social, o núcleo “duro” da teoria, se apóia na compreensão de que, considerado o estágio de desenvolvimento à escala internacional, a gravidade da crise revolucionária, ou a impossibilidade de adiamento da satisfação das necessidades sociais exerce um grau tão elevado de pressão, que as tarefas que, historicamente, corresponderiam a uma classe, mas que, pelas mais diferentes razões faltou ao seu encontro com a História, passariam a ser cumpridas por outra. Era, talvez, nesse sentido que Karl Marx pensava o famoso “a História não coloca problemas que não possa resolver”. 

Claro que o próprio Marx foi sempre muito cauteloso em retirar conclusões teóricas apressadas. Por isso, só esboçou a possibilidade de substituição da burguesia como sujeito social, e ainda assim, em um texto essencialmente “alemão”: a famosa Mensagem à Liga dos Comunistas. Ele apresentou nessa mensagem uma proposta que trabalhava com a hipótese de que a pequena burguesia poderia substituir a burguesia na revolução democrática, abrindo o caminho para a entrada em cena dos trabalhadores. Ou seja, uma reedição da experiência jacobina, mas que deveria ir além, através da entrada em cena do proletariado para fazer a revolução permanente, transformando a revolução política democrática em revolução social anticapitalista. 

 Como sabemos, esta hipótese não se verificou, ou só se manifestou, muito parcialmente, e foi derrotada nas revoluções de 1848. As transições tardias assumiram, finalmente, formas não revolucionárias, tanto na Alemanha (o regime bismarckista, com seu esdrúxulo equilíbrio de forças sociais, que permitiu o aburguesamento dos junkers, sem revolução camponesa, e a industrialização capitalista sem desmoronamento do II Reich), quanto, em muito menor medida, na Itália. 

 A “última” explicação para esse processo tortuoso, está em uma dialética entre revolução e reforma, que escapa às análises que perdem a referência da dimensão internacional da transição burguesa: é porque a burguesia francesa ensaiou, mesmo que “com o freio de mão puxado”, uma segunda revolução para derrotar a Restauração, em 1830, que a burguesia alemã, renunciou à sua revolução de “1789” em 1848. 

Alertada pelo exemplo de Paris para o despertar das novas forças sociais proletárias, sobretudo, na insurreição de junho de 1848, a burguesia alemã preferiu uma solução de compromisso com os “terratenentes” prussianos e tolerou o bismarckismo até quase o final do XIX. Só então, se sentiu mais confortável, representada por um regime democrático/semi-bonapartista, construído por cima, através de reformas controladas, entre as quais, a legalidade do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) sempre foi uma das questões centrais de disputa.

Quando a teoria se torna incontornável

No século XX, a engrenagem da revolução permanente resumiu as leis fundamentais do processo revolucionário: confirmou-se de tal maneira e em uma tal escala, que fazem os prognósticos, tanto de Marx quanto de Trotsky, parecerem muito tímidos. O substitucionismo social ultrapassou tudo que as mentes mais audaciosas  pudessem prever, e quem sabe o que ainda nos está reservado no futuro.

A teoria da revolução permanente foi a principal contribuição de Trotsky após a derrota da revolução russa de 1905. Tinha como argumento forte, na formulação original do livro Balanço e perspectivas, a perspectiva de que, mesmo em países retardatários, como a Rússia, que chegaram atrasados às transformações capitalistas, portanto, em que as tarefas históricas da revolução burguesa não tinham sido realizadas, estaria reservado ao proletariado a necessidade de ser o sujeito social na liderança da revolução democrática em aliança com todos os oprimidos, em especial, a maioria camponesa e as massas das diferentes nacionalidades, sob o jugo da tirania de Moscou. 

Trotsky defendia que a vitória na revolução contra o czarismo deveria ser a antessala de uma segunda revolução em processo ininterrupto, em permanência, contra o capital:

É possível que os operários conquistem o poder num país economicamente atrasado antes de o conquistarem num país avançado. Em 1871, os operários tomaram deliberadamente o poder na cidade pequeno-burguesa de Paris; só por dois meses, é verdade, mas, nos centros ingleses ou americanos do grande capitalismo, os trabalhadores nunca tiveram o poder, mesmo por uma hora, nas suas mãos. Imaginar que a ditadura do proletariado depende, de algum modo automaticamente, do desenvolvimento e dos recursos técnicos de um país, é tirar uma conclusão falsa de um materialismo “econômico” simplificado até ao absurdo.

Este ponto de vista nada tem a ver com o marxismo (…) Afirmando que a nossa revolução é burguesa nos seus objetivos e, por consequência, nos seus resultados inevitáveis, fixam-se limites a todos os problemas que levanta esta revolução; mas isto quer dizer que se fecham os olhos perante o fato de o autor principal nesta revolução burguesa ser o proletariado, que todo o curso da revolução empurra para o poder. Poder-se-ia então argumentar dizendo que, no quadro de uma revolução burguesa, a dominação política do proletariado será simplesmente um episódio passageiro; seria esquecer que, uma vez que o proletariado tenha o poder nas mãos, não o cederá sem opor uma resistência desesperada; este poder só poderá ser-lhe subtraído pela força das armas”. 

Revoluções de “fevereiro” são revoluções democráticas. Revoluções políticas podem ser a antessala de revoluções sociais. Mas essa é somente uma das dinâmicas possíveis. Existem outras. Revoluções políticas podem, também, estagnar. Em 1917, uma combinação de fatores objetivos devastadores exacerbados pela guerra, e subjetivos extraordinários, como a implantação dos bolcheviques, explicam a revolução de outubro.

Sobre os autores

é historiador, militante do PSOL (Resistência) e autor do livro "O Martelo da História. Ensaios sobre urgência da revolução contemporânea"(Sundermann, 2016).

Cierre

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Published in Análise, Europa, História, Livros and Sociologia

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