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Han So-hee em My Name. (Netflix)

A televisão coreana está no meio de um renascimento radical

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Tradução
Sofia Schurig

Round 6, My Name, e D.P. representam uma tendência radical crescente da televisão coreana. Os críticos atacaram esses programas por sua vulgaridade, mas a violência que eles retratam é um espelho do capitalismo e da sociedade coreana.

No final de seu discurso de premiação do Best Original Screenplay in the 2020 Academy Awards, o co-roteirista de Parasita Han Jin-won garantiu a integração de seu filme no contexto da cultura cinematográfica de seu país. “Como há Hollywood nos EUA, na Coreia, temos Chungmuro. Eu gostaria de compartilhar esta honra com todos os contadores de histórias e cineastas de Chungmuro”. Foi um momento de validação internacional da cultura dominante (leia-se: ocidental) e do reconhecimento bem-merecido de um cinema nacional em grande parte consignado a exibições de casas de arte independentes para cinéfilos ferozes e orientalistas.

Dois anos depois, os filmes e séries coreanos se proliferaram ao redor do mundo, alimentados pelo investimento das empresas de streaming na programação do país. No mês passado, a Netflix anunciou o lançamento de 25 programas e filmes coreanos originais, após um recorde de público em 2020 no Round 6 e My Name. Estes programas são notáveis não apenas para seus espectadores – Round 6 continua sendo a série mais transmitida pela Netflix, com mais de 111 milhões de visualizações desde o ano passado – mas também para as histórias que estão destacando. Estilisticamente marcantes e socialmente conscientes, eles representam um afastamento da televisão tradicional, que há muito tempo é um meio para o governo e as corporações projetarem suas aspirações comerciais.

Restringida por rigorosas regulamentações de transmissão, a TV coreana ao longo das últimas duas décadas retratou mundos higienizados, livres de obesidade, espinhas e pobreza. Por trás de sua fachada de pureza e glamour nas telas, a ideologia dominante na Coreia ainda é hostil às mulheres, às minorias e aos pobres. É uma nação que, na mente de sua elite política, é definida pelas tensões entre sua história confucionista e a modernidade da alta tecnologia. Este é um conflito ficou nítido na eleição do “anti-feminista” Yoon Suk-yeol para a presidência no início do mês passado.

A Netflix e outros serviços de streaming removeram o albatroz da regulamentação estatal da televisão coreana contemporânea. Uma mudança da cultura pop higienizada, refletindo como o Estado coreano deseja apresentar seu país, acompanhou esta mudança da tela de celular ao notebook. O resultado é o florescimento de narrativas mais radicais que confrontam as realidades da nação.

A nova onda coreana

O sucesso de Parasita e a reinvenção da indústria cinematográfica coreana nos anos 2000 oferece uma perspectiva útil sobre a atual transformação da transmissão cinematográfica. Na virada do século, a “Nova Onda Coreana” nasceu da turbulência política e social que se seguiu à guerra. Chegando à idade adulta durante uma era de repressão artística e censura imposta pelas ditaduras militares dos anos 70 e 80, os anos formativos de autores como Bong Joon-ho e Park Chan-wook (Oldboy, The Handmaiden) coincidiram com a transformação do cinema em propaganda de longa duração.

É claro que uma tradição subversiva, evidenciada em filmes como The Housemaid de Kim Ki-Young de 1960 e Aimless Bullet de Yu Hyun-mok de 1961, permaneceu e continuaria a influenciar os membros da Nova Onda. Na sua maioria, no entanto, estes diretores eram muito o que a crítica de cinema coreana Darcy Paquet descreveu como “crianças sem pais”, entrando numa indústria estagnada pela política da Coreia do pós-guerra, preparada para um auge criativo.

O catalisador desse auge foi o movimento de democratização nacional dos anos 80, que viu as leis de censura serem revogadas e o financiamento de filmes mudarem para produtores independentes. Seus frutos foram os primeiros trabalhos de cineastas como Bong e Park, que definiram um estilo nacional ao imbuir o cinema pop de gênero e comentários sociais aguçados.

Da grande para a pequena tela

A televisão coreana chegou a um ponto análogo em sua história. Durante as duas últimas décadas, a rede televisiva refletiu a imagem idealizada do país. Sucessivos governos reconheceram corretamente esses produtos culturais como uma de suas formas mais eficazes de propaganda no exterior; uma pesquisa de 2017 realizada pela Organização de Turismo Coreana constatou que 56% dos turistas entrevistados decidiram visitar o país após assistir aos K-dramas, ou doramas coreanos. A indústria televisiva também se beneficia dos subsídios hallyu (“Onda Coreana”) do Ministério da Cultura, Esportes e Turismo como parte fundamental da campanha ativa do país em prol do soft power cultural. Para o público interno, esses programas são outdoors para a divulgação de produtos, também conhecido como product placements, que geram mais de US$ 110 milhões anualmente.

As ligações inextricáveis entre a televisão e seus interesses comerciais reduziram o meio a um melodrama onde os personagens são simétricos, a violência é sem sangue e o amor é sem luxúria. O elenco para shows raramente é meritocrático, mas sim uma porta giratória de cantores e celebridades em voga (referidos como idols na Coreia). Com produtos patrocinados por grandes marcas, os idols representam uma imagem da televisão como uma extensão do espírito capitalista coreano. Um tema recorrente nos K-dramas é o da Cinderela moderna, provando que as enormes lacunas de riqueza e desvantagens estruturais não são páreo para o amor do bilionário pela garota da classe trabalhadora.

A forma previsível e o estilo polido dos K-dramas não são uma expressão natural da cultura coreana, eles são produtos de rígidas leis da censura de transmissão. Um legado das ditaduras militares do pós-guerra, a Lei de Radiodifusão Coreana foi escrita com o “objetivo de criar unidade no povo”. Na prática, essa “unidade” significou censurar ou embaçar assuntos sensíveis que podem incitar ou perturbar, incluindo armas, fumo, sexo, imprecisões históricas e mídia aludindo à história imperialista do Japão. No ano passado, a popular série Mr. Queen foi colocada em alerta administrativo depois que milhares de telespectadores furiosos enviaram reclamações a respeito de uma piada improvisada sobre um artefato nacional e o uso de um gesto levemente obsceno por parte de um personagem.

Round 6 (Netflix)

Livre de supervisão de rede e censores, empresas de streaming como Netflix e KakaoTV agora estão produzindo e distribuindo uma programação original que anteriormente teria sido considerada invariável via teledifusão. Quando o diretor-escritor Hwang Dong-hyuk tentou promover a história do Round 6 em 2008, ela foi descartada pelas produtoras como grotesca e irrealista. Desde seu lançamento em setembro do ano passado, tornou-se a série mais vista na história da Netflix. A alegoria de Hwang sobre as consequências fatais do capitalismo é apenas um exemplo de um novo movimento da TV coreana que é distintamente mais sangrento e baixo do que suas contrapartes.

Como o cinema da New Wave, esses dramas de streaming mega-populares estão perfeitamente confortáveis em combinar a violência com a narrativa politicamente sintonizada. Exagero na violência, crítica política e ambiguidade moral, são os focos desta nova onda de TV. A série de TV D.P. usa representações gráficas de abuso e suicídio como comentário sobre a relação dos homens com o alistamento militar; em My Name, uma cena de violência sexual que se repete é um ponto de virada para a história de vingança de uma mulher; Round 6 transforma jogos infantis letais em crítica capitalista; e o All of Us Are Dead, lançado no início deste ano, é um conto clássico de apocalipse zumbi ambientado em uma escola secundária, onde a hierarquia confucionista institucionalizada faz vista grossa para o abuso e leva, literalmente, ao fim do mundo.

Os críticos, tanto externos como internos, têm discordado da morbidez e do poder onipresente desses espetáculos. Escrevendo para o New York Times, Mike Hale descreveu o Round 6 como “calorias vazias e sangrentas”, no qual “uma fina camada de pertinência [é] destinada a justificar a carnificina implacável que é a característica mais conspícua do espetáculo”. Colega de Hale, Frank Bruni, fez eco a este sentimento e acrescentou uma dose de pânico moral: “que [os jovens] não sejam repelidos pela sangria incessante e pela crueldade flamboyant de muitos personagens, uns para com os outros diz algo estranho e perturbador sobre as sensibilidades modernas”. Em seu país de origem, esses espetáculos também atraíram a ira de uma geração mais velha igualmente enojada pelo retrato explícito e vulgar dos problemas do país.

Embora a tolerância individual à violência possa diferir, a fixação sobre ela perderia o ponto de vista. Em um ensaio em vídeo para a TIFF, Bong Joon-ho comentou que a marca distintiva dos filmes coreanos é o “exagero” da violência gráfica – um reflexo dos traumas políticos e sociais do país. Assassinato e massacre não são os propósitos destas obras de ficção, mas os meios pelos quais os diretores coreanos destacam o alcance da injustiça e da desigualdade. Por extensão, seu exagero é em si mesmo uma declaração contra aqueles no poder que procuraram silenciar as tragédias e a exploração.

Ao longo do século passado, a península coreana resistiu à invasão estrangeira, perdeu famílias em uma guerra civil e sentiu as dores da modernização acelerada. Estes acontecimentos criaram traumas duradouros que deixaram uma marca indeletável na psique nacional e no tecido social. Longe da pureza gentil retratada em doramas, é uma nação de pessoas que bebem demais e trabalham demais, sendo conhecidamente orgulhosas e profanas. A arte deveria enfrentar, ao invés de obscurecer, estas realidades – finalmente, estamos vendo a TV coreana estar à altura do desafio.

Sobre os autores

é um escritor de cultura que mora no Brooklyn, Nova York.

Cierre

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Published in Análise, Ásia, Cultura and Filme e TV

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