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A polícia de Los Angeles matou Notorious B.I.G.?

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Tradução
Felipe W. Martins

O rapper e compositor Christopher George Latore Wallace, mais conhecido como The Notorious B.I.G. ou Biggie Smalls, teria completado 50 anos esse mês se não tivesse sido assassinado aos 24 anos. Ele foi uma das figuras mais inspiradoras e influentes do século XX e agentes policiais que comandaram o LAPD podem ter uma história reveladora para contar.

Poucos eventos inspiram tanta especulação frenética como o assassinato do astro do rap Christopher Wallace, também conhecido como Notorious Bi.I.G. ou Biggie Smalls, que foi morto a tiros em 1997 enquanto saía de um after-party após uma premiação em Los Angeles, nos EUA. Foi o Federal Bureau of Investigation (FBI) que orquestrou o assassinato no intuito de acabar com a cultura gangster rap que definiu os anos 1990? Foi Sean “Diddy” Combs, seu amigo e produtor, que queria aumentar as vendas do que se tornaria o segundo álbum póstumo de Biggie? Ou Biggie ainda está vivo, vivendo em algum local exótico com o rival do rap Tupac Shakur, morto a tiros em circunstâncias igualmente obscuras apenas seis meses antes?

Como costuma acontecer frequentemente com as teorias da conspiração, a realidade factual é ao mesmo tempo mais banal e mais ameaçadora do que qualquer uma dessas hipóteses especulativas. Embora o assassinato de Biggie ainda não tenha sido oficialmente resolvido, décadas de trabalho investigativo sugerem que o homicídio do rapper foi o subproduto de elementos criminosos dentro do próprio setor encarregado de aplicar a lei.

A teoria mais promissora para o assassinato de Biggie ainda é a originalmente produzida pelo ex-detetive do Departamento de Polícia de Los Angeles (LAPD) Russell Poole, mais tarde imortalizada no livro LAbyrinth, originalmente escrito por Randall Sullivan em 2002. Poole, que morreu em 2015, passou um ano investigando o assassinato dentro da divisão de roubos e homicídios do LAPD, até que não viu outra opção a não ser deixar a policia, acusando o alto escalão do departamento de encobertar e frustrar seus esforços a cada passo.

O que Poole descobriu foi uma facção criminosa de policiais do LAPD filiados a gangues que trabalhavam como seguranças privados para Suge Knight, CEO da Death Row Records, ex-gravadora de Tupac Shakur e principal rival da Bad Boy Records, com sede em Nova York. O ataque a Biggie, concluiu Poole, foi ordenado por Knight e orquestrado por dois desses polícias, David Mack e Rafael Pérez, que contrataram Amir Muhammad, antigo colega de turma do Mack e membro da Nação do Islão, para levar a cabo o assassinato.

Com o Departamento de Polícia da Cidade de Los Angeles prestes a entrar no epicentro do escândalo, o chefe Rodney King trabalhou para engavetar a investigação antes que trouxesse mais descrédito ao departamento. O chefe do LAPD na época, Bernard Parks, que tinha maiores ambições políticas, recrutou pessoalmente Mack e Pérez, tendo o veterano da corporação Xavier Hermosillo afirmado posteriormente ter visto uma foto entre os arquivos do caso da filha de Parks, brevemente acusada de tráfico de droga em 1998, posando com os dois policiais, que estavam vestidos com as cores da gangue de rua Bloods – tendo os arquivos desaparecido misteriosamente, segundo Hermosillo. 

Poole encontrou sua principal prova quando Mack foi preso por roubar mais de US $700.000 em um assalto à mão armada a um banco no centro-sul de Los Angeles. Vasculhando sua casa, Poole encontrou não apenas o tipo exato de munição rara de fabricação alemã que havia sido usada para matar Biggie, mas o mesmo veículo Chevy Impala preto com rodas cromadas de onde partiu seis disparos das munições de 9mm contra o rapper naquela noite. Mas Poole foi impedido por seus superiores de realizar qualquer tipo de perícia balística para provar uma conexão com o assassinato de 1997. 

Nos anos que se seguiram, novas revelações deram mais peso à teoria de Poole. Uma investigação posterior do FBI chegou praticamente às mesmas conclusões do agente, e com os mesmos resultados, tendo o ex-agente Phil Carson alegado que ele havia sido “paralizado pela LAPD e advogados da cidade de Los Angeles” e  afirmando que esse seria “o maior erro judiciário dos seus 20 anos de carreira no FBI”. Em 2020, The Dossier, um podcast de 20 episódios baseado em parte no trabalho de Poole e Carson, o jornalista Don Sikorski revelou, entre outras coisas, um relatório dos Assuntos Internos do LAPD de 2001, documentando os laços entre a polícia da cidade e a Death Row Records, bem como o testemunho de informantes da prisão que confirmaram os papéis de Knight, Mack e Pérez no assassinato de Biggie. Esses informantes levantaram alegações adicionais: que o dinheiro do assalto ao banco de Mack era para pagar Muhammad, que Knight havia endurecido depois que ele não conseguiu matar Combs, o outro alvo pretendido naquela noite.

A banda podre do LAPD conseguiu manter o caso sob controle com certo sucesso, até o estopim do escândalo envolvendo Pérez, flagrado roubando cocaína do armazém de provas do LAPD para vender na rua. O acordo que Pérez fez com as autoridades culminou no escândalo Rampart, no qual dezenas de oficiais da unidade – que incluíam Mack e outros policiais filiados – foram encontrados trabalhando com uma gangue de rua operando dentro do LAPD: roubando e vendendo drogas, plantando e encobrindo provas, praticando abusos reiterados e empreendendo retaliações contra acusadores. A investigação levou à anulação de 100 condenações, lançou 140 ações civis e US$ 125 milhões em acordos, e viu nove policiais serem processados e cerca de duas dúzias suspensos ou demitidos.

Gangues policiais não são um problema exclusivo da cidade de Los Angeles. Como a repórter local Cerise Castle detalhou, por décadas, o Departamento do Xerife do Condado de Los Angeles (LASD) – responsável pelas áreas não incorporadas do condado e outras cidades, incluindo Compton – tem sido discretamente dominado por “gangues de xerifes” como os Vikings, os Bandidos, e os Executadores. As alegações dos membros associados ao LASD de que estes são apenas “clubes sociais” e “grupos de bebida” são desmentidas por seu comportamento de gangue: não apenas roupas distintas, tatuagens, sinais e rituais de iniciação, mas atividades criminosas como extorsão, assassinato e intimidação de inimigos, uma categoria que muitas vezes inclui policiais limpos e denunciantes.

Esse problemas persistem também no seio do LAPD, apesar das alegações dos funcionários de que o departamento se limpou depois do escândalo Rampart. No ano retrasado, um ex-sargento da equipe da SWAT no LAPD entrou com uma ação alegando a existência de uma “máfia SWAT” dentro da unidade cujos membros “glamourizam o uso da força letal e dirigem as promoções de oficiais que compartilhavam os mesmos valores, enquanto difamam a reputação de agentes que não compartilham dos mesmos ideias”. A divisão mais ampla do LAPD já havia causado escândalo por fazer o que um advogado de direitos civis chamou de “parar e revistar em um carro”, bem como queixas de força excessiva. Desde então, dez dos seus oficiais foram acusados de terem rotulado falsamente os motoristas como membros de gangues na base de dados de gangues do Estado.

Mesmo quando não possuem tatuagens e nomes correspondentes, os departamentos de polícia de todo o país exibem tendências semelhantes a gangues, em outras palavras, fechando fileiras para proteger seus colegas policiais, não importa o quão sujos sejam. Seja em Baltimore, Spokane ou Weirton, os policiais que reclamaram ou se recusaram a se envolver em comportamento questionável enfrentaram o ostracismo e formas mais agressivas de retaliação dentro de seus departamentos. Shannon Spalding, uma oficial de narcóticos de Chicago que ajudou a expor uma rede de extorsão dentro do departamento de polícia da cidade e forçou Chicago a reconhecer seu código de silêncio, foi primeiro subornada e depois ameaçada por colegas que queriam calá-la.

Essa foi a mentalidade que Poole encontrou todos esses anos, quando sua investigação sobre o assassinato de Biggie revelou pilhas e mais pilhas de evidências de irregularidades dentro do LAPD. Poole não foi apenas sufocado e minado por seus superiores, ele logo começou a receber “olhares [e] sobrancelhas levantadas” de outros detetives, tendo se tornado “um pária”, como disse a Sullivan. O pai de Poole, ele mesmo um veterano do LASD, contou ao filho a vez em que quase pegou um grupo espancando um policial por testemunhar contra outro agente que havia plantado uma arma em um suspeito que ele matou, e disse a Poole que a natureza do policiamento criava uma mentalidade de nós contra eles, o que significava que os policiais sempre tendem a proteger um dos seus.

Um projeto de lei que proíbe gangues policiais está atualmente na mesa de Gavin Newsom. Mas mesmo que o governador da Califórnia o assine, o que há de podre no policiamento dos EUA e outros países não será resolvido sem medidas estruturais, desde proteções rigorosas para denunciantes até consequências legais para policiais abusivos.

Como seria nossas vidas se Notorious B.I.G. não tivesse sido brutalmente assassinado em 9 de março de 1997? É uma hipótese impossível de responder, mas que facilmente vem à tona pela forma como Biggie dominava a cultura pop naquela época. O jovem que cresceu “gordo, negro e feio” revelou tanto de si de forma tão impactante, inspirando milhões em todo o mundo que, do topo do Empire State Building ao fundo de nossos corações, a gravidade do legado de Christopher Wallace é onipotente, afetando cada um de nós para sempre. Mais de duas décadas depois, esse assassinato é lembrado como um símbolo dos trágicos custos da violência das gangues – e também serve para nos lembrar que alguns dos piores bandidos usam distintivos.

Sobre os autores

é escritor da redação da Jacobin e mora em Toronto, Canada.

Cierre

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Published in América do Norte, Análise, Cultura and Música

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