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A soberania de Pelé reside no fato que ele se tornou o mito fundacional do futebol moderno, transformado em esporte de massas sob a vanguarda e o talento do grande craque. (Foto: Reprodução / Instagram do Pelé)

Pelé mostrou aos mais pobres que eles também tinham direito à felicidade

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O Rei do Futebol conquistou mais seguidores do que Cristo, Alá ou Marx. Era um simples futebolista, mas sua genialidade dentro das quatro linhas inundava o planeta de felicidade - e confrontava o complexo de vira-lata que sempre assombrou o Brasil.

Sua coroa é simbólica. Nunca liderou Estados e nações. Jamais exerceu o poder político ou comandou exércitos. Mas ninguém na história da humanidade teve mais súditos, que diante dele se ajoelhavam, em cinco continentes, para agradecer ou celebrar o espetáculo virtuoso.

Pelé conquistou mais seguidores do que Cristo, Alá ou Marx. Era um simples futebolista, incapaz de resolver as dores e os dramas dos povos. Sua genialidade dentro das quatro linhas, porém, inundava o planeta de felicidade. Quando o lendário camisa dez estava em campo, as multidões se sentiam parte de um momento sublime.

Não há comparação possível com qualquer outro jogador ou atleta. Vai além de números e façanhas, por si só inigualáveis. Fez mais de mil gols, conquistou três Copas do Mundo, chutava à perfeição com ambas pernas, era um cabeceador mortal, driblava como se fosse um mágico, foi o autor de passes antológicos e jogadas inesquecíveis, tinha um preparo físico que antecedeu em meio século as modernas tecnologias atuais. Sua estatura esportiva está muito além do que nossos olhos tenham visto antes ou depois.

“Os efeitos de sua arte sobre a psicologia social, no entanto, superam largamente os limites pessoais que não conseguiu ou não desejou romper.”

O que realmente importa, contudo, não pode ser registrado apenas em dados ou imagens. A soberania de Pelé reside no fato que ele se tornou o mito fundacional do futebol moderno, transformado em esporte de massas sob a vanguarda e o talento do grande craque.

A estrela do Santos, antes dos dezoito anos, liderou a seleção que iria sacudir, com o triunfo no campeonato mundial de 1958, o complexo de inferioridade que tangia o Brasil a um autorretrato melancólico, de um gigante sem vez e servil às potências mundiais. Aquele time lancetou o “complexo de vira-latas”, como o dramaturgo Nelson Rodrigues chamava essa quase irresistível tendência nacional de cultuar o estrangeiro.

Filho de seu tempo e de sua classe, em um país brutalmente racista e desigual, sua biografia não se encontra com as lutas populares. Tampouco está marcada por uma consciência política mais clara e comprometida. Os efeitos de sua arte sobre a psicologia social, no entanto, superam largamente os limites pessoais que não conseguiu ou não desejou romper.

“Pelé fez-se soberano negro, diante de quem todos se curvavam, em um mundo de monarcas e colonizadores brancos.”

Acima de todos, foi Pelé quem mostrou aos brasileiros mais ferrados e marginais que eles também tinham direito à alegria. Um sentimento que seria espraiado mundo afora, através das partidas e torneios que disputou em dezenas de países da África, Ásia e América Latina, além da Europa.

Fez-se soberano negro, diante de quem todos se curvavam, em um mundo de monarcas e colonizadores brancos. Incalculável o que isso pode ter representado para milhões e milhões de jovens encurralados pelo racismo, ainda que o exemplo não viesse acompanhado pelo discurso politizado.

A verdade é que o Rei do Futebol ocupa, no esporte, um lugar semelhante ao de Dante e Cervantes na literatura, ou de Shakespeare na dramaturgia, ou de Da Vinci nas artes, ou de Einstein nas ciências. Seu legado transcende habilidades e feitos, protegendo-os do tempo e do progresso, porque representa uma ruptura estrutural, um divisor de águas, a existência de um antes e um depois.

Quem chega a esse estado da arte, torna-se eterno.

Edson Arantes do Nascimento morreu no dia 29 de dezembro de 2022. Mas Pelé é imortal.

Sobre os autores

é jornalista e fundador do site Opera Mundi.

Cierre

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Published in América do Sul, Análise, Esportes and História

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