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Reinaldo, com seu gesto em uma partida de Copa do Mundo, chamou a atenção de líderes do mundo todo para os horrores que a América Latina estava submetida. (Reprodução / Twitter)

Quando o centroavante da Seleção enfrentou a ditadura

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Ídolo do Atlético-MG, José Reinaldo de Lima completou esse mês 66 anos. No final dos anos 1970, nem mesmo seu extraordinário talento foi suficiente para evitar que ele fosse perseguido por causa de suas posições políticas - mas ele não se intimidou e continuou na luta denunciando o imperialismo norte-americano e a repressão da ditadura.

O ano era 1977 e o Atlético Mineiro tinha um dos seus melhores times da história. O Galo terminou o Campeonato Brasileiro com a liderança absoluta, invicto e com 10 pontos de diferença para o vice-líder São Paulo. 

A grande estrela daquele time era, sem dúvidas, Reinaldo. O camisa 9 terminou aquele Brasileiro com 28 gols em 18 jogos. A média de 1,55 gols/jogo é, até hoje, a melhor da história do futebol brasileiro.

No meio futebolístico, Reinaldo era um dos maiores críticos às ditadura militares que assolavam o Brasil e toda a América Latina. O atacante comemorava sempre com o punho cerrado, gesto popularizado pelos Panteras Negras que estavam em ascensão nos Estados Unidos. Um símbolo antirracistas e socialista.

Um craque bom de ideias

Reinaldo era destaque também fora de campo nos meios que escapavam da censura. Em forte entrevista ao jornal Movimento, ele foi apresentado da seguinte forma:

O mais novo fenômeno do futebol, o centroavante Reinaldo também é bom de ideias. A favor da organização dos jogadores em associações, critica o individualismo, defende a anistia, a constituinte e, ao contrário de Pelé, acha que o povo brasileiro está preparado ‘como sempre esteve’ para votar.

Em 1978, um ano depois, ocorreria a Copa do Mundo, daquela vez na Argentina, país que estava imerso em uma sangrenta ditadura militar – a que mais matou na América. E, apesar de ser o melhor jogador do Brasil na época, Reinaldo não tinha chances na Seleção. Já era consenso que os motivos iam além do campo.

Manchetes perguntando “Por que querem afastar Reinaldo?” ou “Por que Reinaldo não pode ter opinião política?” tomavam conta das bancas. Uma em específico, publicada também no Movimento, tocava na ferida: “Se jogador é pra jogar futebol, o que os cartolas estão fazendo na política?”

Punho cerrado: a marca registrada de Reinaldo, ídolo do Galo e da seleção nos anos 80. Foto de Armenio Abascal / Placar.

Após muita pressão, especialmente da torcida do Atlético, não teve jeito, Reinaldo foi convocado. O camisa 9 foi muito bem nos amistosos preparatórios, marcou gols, assumiu a titularidade e garantiu a vaga entre os selecionáveis para a Copa.

Chegando a data do Mundial, na despedida da Seleção antes de embarcar para a Argentina, Ernesto Geisel, o militar Presidente da República na época, se reuniu com jogadores e comissão técnica.

Ao ver Reinaldo, exclamou: “Então é esse o menino?!” e o chamou para sua sala.

O general disse que eu jogava muito bem, mas que eu não deveria falar de política porque disso eles cuidavam. Tudo isso em um tom imperativo e firme: estava me dando um recado. Fiquei assustado e não respondi nada.

Toda a seleção era comandada por militares. Desde o técnico Cláudio Coutinho até o presidente da CBF Heleno Nunes. O técnico reforçou o pedido de Geisel.

Enfatizou para que eu não comemorasse com o punho cerrado na Copa. ‘Comemore de braços abertos que é mais bonito.

O Brasil seguiu para a Argentina em busca do tetra. O clima era pesado. Como já era de se esperar, a chegada da comissão foi com ruas repletas de militares armados até os dentes.

Bola na rede, punho em riste

Logo na estreia da Copa, o Brasil enfrentava o bom time da Suécia. A seleção saiu perdendo, mas, com gol de Reinaldo, empatou na sequência. O atacante parecia perdido na comemoração. Não sabia se deveria acatar as ordens impostas pelos militares ou passar sua mensagem outra vez. 

Após os segundos de hesitação, o Rei levantou o punho cerrado. O camisa 9 protagonizava um gesto socialista em solo argentino, em uma ditadura que matou mais de 30 mil pessoas.

Não sei mensurar o impacto desse gesto durante a Copa. Estava isolado na concentração da seleção e não chegavam muitas notícias lá. Mesmo assim, foi um ato muito ousado, pois eu havia recebido a recomendação de não comemorar daquela forma, inclusive das autoridades argentinas.

O Brasil chegou a virar o placar com Zico após escanteio, mas o gol foi invalidado. O juiz havia apitado o fim da partida com a bola no ar. 

Após o gesto, Reinaldo não jogaria mais pela seleção. Sem explicações, foi sacado do time titular e não voltou mais.

Fato que gerou reclamações até de Zico: “Se eu e Reinaldo não fizemos mais gols, a culpa não é nossa.”

Plano Condor

Chegando ao hotel após o jogo, Reinaldo recebeu um envelope com remetente da Venezuela. Sem desconfiar do que se tratava, se assustou com o conteúdo ao abrir. Era um relatório da Operação Condor – operação coordenada pela CIA nos países latino-americanos. 

O documento revelava como foram planejados os assassinatos de líderes políticos latinos opositores às ditaduras. Era explicado como Orlando Letelier, político chileno, foi assassinado pelo Dina, a polícia do regime militar de Pinochet. Uma bomba foi escondida em seu carro na capital dos Estados Unidos, Washington.

O documento também assumia que a morte do ex-presidente brasileiro Juscelino Kubitschek, após acidente de carro, na verdade havia sido planejada. Seu carro havia sido sabotado. Era mostrado todos os detalhes da cooperação entre o brasileiro SNI (Serviço Nacional de Informação) e a Dina.

O documento estava em espanhol, não consegui entender tudo que estava escrito. Fiquei apavorado, estava com uma bomba em minhas mãos, não sabia como lidar com aquilo, por isso guardei o envelope no fundo da minha mala e não mostrei pra ninguém. Quando retornei ao Brasil, deixei o envelope com meu amigo Gonzaguinha, que era ligado aos movimentos de esquerda. Nunca mais falei disso.

Reinaldo, com seu gesto em uma partida de Copa do Mundo, chamou a atenção de líderes do mundo todo para os horrores que a América Latina estava submetida. Nas mãos dos militares e dos americanos, foram milhares de mortos e desaparecidos no continente. 

Anos mais tarde, Reinaldo deixou de ser convocado para a Copa de 1982 pelo técnico Telê Santana. Apesar da versão oficial de que ele estaria contundido, isso, na verdade, foi mais uma farsa: Reinaldo ainda estava voando nos gramados brasileiros, mas dessa vez pesou não só a relação dele com a esquerda, mas também o apoio do jogador ao então chamado movimento gay. Conforme reportagem da revista Placar:

A partir dali [o segundo semestre de 1981], Telê passou a censurá-lo, ora pela amizade do jogador com homossexuais, ora por suas brigas com a namorada, ora por suas ligações com o Partido dos Trabalhadores (PT).

José Reinaldo de Lima completou esse mês 66 anos de idade. Seu legado e a perseguição política que sofreu nos anos de chumbo servem como um farol e um alerta para todos os brasileiros que amam tanto o futebol quanto nossa tão atacada democracia.

Sobre os autores

torce pro Atlético-MG e escreve para @PELEJA.

Cierre

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Published in América do Sul, Esportes, História, Militarismo and Perfil

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