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O jogador da seleção brasileira Sócrates protestou contra a ditadura militar em seu país e foi à Itália para ler Gramsci no original. IMAGO / Sven Simon

A história do futebol é uma história da luta de classes

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Tradução
Gustavo Crivellari

Nos primórdios do futebol, clubes burgueses e proletários disputavam entre si títulos de campeonatos. Hoje ele é, por um lado, um espetáculo comercial; por outro, um esporte popular de rua. Qual lado vencerá?

Albert Camus disse certa vez que aprendeu tudo o que sabia com o futebol. Infelizmente, a maioria dos esquerdistas negligencia hoje o amplo campo do futebol. É hora de perceber que a luta pelo jogo também é uma luta na realidade da vida de milhões de torcedores e esportistas. O futebol tem um valor de uso para as pessoas e os esquerdistas deveriam fazer parte desse movimento.

Sim, o futebol é comercial, capitalista, frequentemente racista e nacionalista. Mas também é subversivo, criativo e solidário. O futebol pode fazer algo que os esquerdistas quase não conseguem mais fazer: ele pode dar esperança. Mesmo quando o pequeno Rot-Weiss Essen joga contra o super-poderoso FC Bayern München, os torcedores do Essen vão ao estádio — porque há dias em que milagres de futebol acontecem.

Para aqueles de quem se tirou tudo na vida, que trabalham por pouco dinheiro e não sabem como trocar a máquina de lavar quebrada, há sempre o seu clube e a esperança de um dia voltar para o outro lado da vida. Para o sujeito humilhado, o futebol pode ser um pequeno pedaço de autoempoderamento em um mundo cheio de derrotas.

É claro que sempre se pode enfatizar o contrário, como fez a federação sindical anarco-sindicalista União dos Trabalhadores Livres (FAU) ao pedir, em 1921, que “a Inglaterra seja punida”, porém “não por motivos nacionais, mas porque eles inventaram o futebol”. Ela via o jogo como uma distração da luta revolucionária das trabalhadoras e dos trabalhadores.

Ambas as narrativas estão na história do esporte mais popular do mundo, e ambas estão corretas, como diz o cineasta comunista Pier Paolo Pasolini: “O fato de o esporte […] ser considerado ‘ópio do povo’ é de conhecimento geral. Por que isso deve ser repetido constantemente, se não há alternativa? Por outro lado, esse ópio também tem um efeito terapêutico […]. As duas horas de torcida (agressividade e confraternização) no estádio são libertadoras.”

É fácil criticar o circo do futebol diante do Football Leaks, da Copa do Mundo no Qatar ou dos salários absurdamente altos. Mas também é possível contar a história de esquerda desse esporte, que está escondida sob o verde gramado artificial.

Laterais direitos e esquerdos

A história das lutas de classe ocorre às vezes no grande palco da história mundial, mas às vezes em pequena escala. Desde os tempos antigos o futebol tem entusiastas e detratores. Platão, por exemplo, elogiou a sphairomachia (batalha de bola) como um exercício militar preparatório. Às vezes os intelectuais criticam o futebol, às vezes os governantes o proíbem. Em seguida, eles o descobrem novamente e o instrumentalizam para seus próprios fins.

O desenvolvimento do futebol como o conhecemos hoje – de um jogo violento das vilas (no qual as mulheres também participavam) a um esporte culto das escolas de elite – também se deu como integração de um jogo selvagem. Em meados do século XIX, a juventude abastada se rebelou contra os adultos quadrados e levou o jogo das vilas para as grandes cidades da Inglaterra. Os dominantes não gostaram disso.

No entanto, como as proibições ao futebol não funcionaram, o Jogo Subversivo foi integrado. A lista de benefícios para a elite aristocrática e econômica era longa: a juventude efeminada se endurecia, a mente se disciplinava, o corpo se tornava saudável, os militares recebiam recrutas prontos para a violência e — o que era importante na era vitoriana — a juventude era afastada da masturbação.

No entanto, não apenas a elite chutava, mas também as crianças na rua. O futebol de rua tornou-se o refúgio do novo proletariado industrial. A chutação selvagem não raramente terminava em brigas com as autoridades. Proibições, multas e denúncias são testemunhas disso. Mas o proletariado não deixou que lhe tirassem o jogo. Ao lado dos clubes burgueses surgiram mais e mais clubes de trabalhadores. Em 1863, o futebol foi finalmente institucionalizado: Na Freemason’s Tavern, na Great Queen Street, em Londres, reuniram-se todos que tinham alguma reputação na nova modalidade esportiva para fundar a Football Association (FA).

“Os clubes de trabalhadores fizeram do jogo tático o padrão. Até então, os times burgueses apostavam em grande parte no padrão clássico de jogo que ainda conhecemos do futebol americano: chutar a bola e correr atrás dela.”

A quinze minutos de caminhada morava na época um certo Karl Marx, que lá deve ter tido uma ou duas reuniões políticas. Não se sabe se ele já tinha ouvido falar do novo esporte. Mas o futebol, como o conhecemos hoje, decolou naquela época. No início, os clubes burgueses dominavam. Mas vinte anos após a fundação da FA, o inacreditável aconteceu: O proletariado venceu – pelo menos no futebol. O Blackburn Olympic, time da classe trabalhadora, ganhou a FA Cup em 1883. Diante de 8.000 espectadores, eles venceram os campões do ano anterior, Old Etonians, por 2 a 1 na prorrogação. Os jogadores da classe trabalhadora venceram os ex-alunos da Eton Public School – que doce satisfação para a classe trabalhadora e que amarga derrota para a burguesia. Marx não viveu para ver esse triunfo da classe trabalhadora: ele havia morrido duas semanas antes. 

Não apenas a vitória em si foi espetacular, mas também a forma como ela foi alcançada. Os times da classe trabalhadora eram fisicamente inferiores. A desnutrição e as doenças eram suas companheiras diárias. Até mesmo sua altura era menor. Para compensar essa inferioridade, muitos clubes da classe trabalhadora passaram a cultivar o jogo de passes em vez jogar com dribles, chutar e correr como os Etonians. Com isso, os trabalhadores fizeram do jogo tático o padrão. Até então, os times das Public Schools apostavam em grande parte no padrão clássico de jogo que ainda conhecemos do futebol americano: chutar a bola e correr atrás dela.

Enquanto os cavalheiros do futebol burguês estavam totalmente comprometidos com o espírito amador, os trabalhadores logo foram pagos para jogar futebol. E era necessário que assim fosse, porque eles nunca poderiam ter jogar de forma competitiva se também enfrentassem o duro trabalho braçal nas fábricas. O Blackburn Olympic, o clube da classe trabalhadora do norte da Inglaterra, foi, portanto, o primeiro clube de futebol profissional. Em 1885, a FA abandonou completamente a ideia do amadorismo.

Essa interação entre a apropriação e a expropriação do futebol também se repete no futebol feminino ou no futebol dos trabalhadores. O futebol é um campo de batalha das contradições entre a comercialização e a alegria de viver, entre um esporte para todos e um esporte para a elite, entre ideias de direita e de esquerda no campo de futebol.

O esporte como manifesto

O estádio é o único lugar onde você ainda pode falar o que pensa, disse o compositor genial e maior fã de futebol da União Soviética, Dmitri Shostakovich. E essa atitude é repetidamente encontrada quando futebol e protestos são analisados de modo articulado – desde a Primavera Árabe até os protestos do Parque Gezi e as grandes greves na América do Sul: os torcedores de futebol estão envolvidos em todos os lugares.

Em muitos lugares, os ultras são o último movimento social remanescente. Quando dezenas de milhares de torcedores cantam, choram e comemoram juntos, gritam e se jogam nos braços uns dos outros, a paixão é transmitida para as pessoas fora do estádio. De fato, os ultras nem sempre são de esquerda e também contribuem para a criticada eventização do jogo, mas são um movimento político real com o qual a esquerda poderia buscar solidariedade.

Personalidades do futebol também se manifestam repetidamente como atores políticos: a jogadora da seleção americana Megan Rapinoe enfrentou Trump publicamente. Diego Maradona era mais um esquerdista instintivo do que um teórico sólido, mas sempre jogou pelos oprimidos e fez com que toda a cidade de Nápoles sentisse o orgulho da classe trabalhadora vitoriosa. William “Bill” Shankly, treinador lendário do Liverpool, disse certa vez: “No socialismo, no qual acredito, todos trabalham uns para os outros e todos recebem uma parte dos lucros. É assim que eu vejo o futebol, é assim que eu vejo a vida”.

O treinador da seleção argentina, César Luis Menotti, publicou o manifesto de esquerda sobre futebol “O futebol das profundezas do povo”. E os primeiros pioneiros do futebol, como o jogador-fundador e cosmopolita pacifista Walther Bensemann ou a ativista dos direitos das mulheres e jogadora Nettie Honeyball, também pertencem, junto a muitos outros, a esse grupo.

Mas não foram apenas alguns indivíduos da história do futebol que associaram o esporte à emancipação; o próprio jogo também aponta para além do status quo. O belo jogo do futebol total holandês (uma tática especial em que todos jogam de tudo, da defesa ao ataque), os dribles fascinantes de Messi ou de Maradona, o gol de Roberto Carlos, no qual o chute com efeito deu à bola uma trajetória impossível, mas também o Catenaccio e a elegância cirúrgica na defesa de Paolo Maldini produzem o que para Theodor W. Adorno constitui o encontro com a grande arte: arrepios. Isso nos revela algo sobre a contradição entre as normas sociais e as necessidades reprimidas. Desperta em nós o sentimento de que poderia existir algo mais.

“Sócrates ficou entusiasmado quando seu clube, o Corinthians, foi radicalmente reestruturado de forma democrática: todos tinham direito a voto, até o zelador.”

Não é à toa que Toni Negri comparou a barreira da defesa italiana com as barricadas dos operários. Para muitos, o futebol pode significar muito mais em um nível simbólico do que o resto da vida, entre trabalho e o cotidiano. Esses arrepios também são sempre falsamente conciliados com os males do nacionalismo, do racismo, do antissemitismo e do sexismo que todas e todos conhecem dos estádios. Mas é exatamente por isso que é fatal abandonar esse lugar, onde muitas pessoas sentem arrepios, à direita.

Um dos jogadores de futebol mais famosos, o qual se considerava um artista, foi Johann Cruyff. Após o fim de sua carreira, ele disse: “Não passo a vida me lamentando por nunca ter sido campeão mundial. Joguei em uma equipe fantástica que trouxe alegria a milhões de espectadores. É disso que se trata no futebol […]. Mas a maior recompensa para mim sempre foi quando as pessoas diziam que jogávamos o melhor futebol do mundo.” Com isso, Cruyff expressou de forma despreocupada algo decisivo: o futebol bom, verdadeiro e bonito está à esquerda; é o que constitui a alegria de viver. O futebol que os capitalistas chamam de bom futebol talvez seja o mais bem-sucedido, mas não o melhor.

E assim, milhões de pessoas se tornam artistas todos os dias. Nos campos de futebol, nas ruas e nas ligas selvagens do mundo. Dificilmente em algum lugar o idioma, a religião e a identidade se tornam tão insignificantes quanto quando jogamos futebol juntos.

Resistência no gramado

Há uma história do futebol de esquerda reprimida, cheia de resistência e alegria de viver. Uma delas é a do jogador da seleção brasileira Sócrates, que foi artista do futebol, ativista e médico. Ele personificava os aspectos de esquerda do jogo. Ele sempre quis jogar o belo futebol e ficou entusiasmado quando seu clube, o Corinthians, foi radicalmente reestruturado de forma democrática: todos tinham direito a voto, até o zelador.

Ele protestou contra a ditadura no Brasil, foi provavelmente o primeiro jogador a renunciar a uma Copa do Mundo para se tornar médico, e também o primeiro a viajar para a Copa do Mundo seguinte como médico. Quando lhe perguntaram, após sua transferência para o Fiorentina, qual jogador ele respeitava mais, Mazzola ou Rivera, ele respondeu: “Não os conheço. Estou aqui para ler Gramsci no original e para estudar a história do movimento operário.”

Mas há também a história de Carlos Kaiser, que foi contratado por vários clubes profissionais de 1979 a 1992, mas nunca chegou a entrar em ação. O malandro moderno das favelas brasileiras venceu. Como nos romances picarescos da Idade Média, Kaiser conseguiu se manter nos maiores e mais brilhantes círculos do futebol da América do Sul. Ele não era um bom jogador de futebol, mas conseguia convencer, era perspicaz, era capaz de enganar sem prejudicar os outros e encontrou os atalhos que as pessoas que vivem em nível de subsistência tão frequentemente precisam tomar.

Kaiser editava fitas VHS com tanta frequência, que ninguém conseguia mais reconhecer os jogadores, apenas os gols. Em seguida ele alegava ser a pessoa retratada no vídeo, e enviava as fitas para clubes de toda a América do Sul. No final, isso sempre era suficiente para conseguir um novo contrato de um ou dois anos.

Na maioria das vezes, ele estava “lesionado” ou não podia jogar por outros motivos. Os companheiros de equipe o adoravam e os dirigentes do clube não queriam admitir haverem contratado um jogador de futebol falso. Carlos Kaiser cumpria seu contrato e depois ia para o próximo clube. Sem querer, ele fez os grandes negócios do futebol se verem no espelho.

“No final do século XIX, quando as mulheres lutavam por seus direitos e queriam também jogar futebol, elas formaram seus próprios times — muitas vezes sob pseudônimos para evitar expressões de ódio.”

As mulheres estão envolvidas no esporte desde seus primórdios na Escócia e na Inglaterra, e também foram discriminadas pela igreja e pelo estado desde o início. No final do século XIX, quando o futebol institucional surgia, as mulheres lutavam por seus direitos e queriam também jogar futebol, elas formaram seus próprios times – muitas vezes sob pseudônimos para evitar expressões de ódio. Foi principalmente das classes médias e das classes mais pobres que surgiram as mulheres corajosas que, de repente, exigiram seu direito ao futebol. Entre elas estava a goleira Helen Matthew. Ela se deu o nome de Sra. Graham e nomeou sua equipe como Mrs. Graham’s XI (“as onze da Sra. Graham”).

O primeiro jogo público da Sra. Graham e de suas onze foi realizado em maio de 1881. O jogo ocorreu em Edimburgo e foi amplamente anunciado como uma partida internacional entre a Escócia e a Inglaterra, embora tenha sido mais uma partida interna do Graham’s XI. A Escócia venceu por 3 a 0 diante de mil espectadoras e espectadores; a partida foi um pequeno fenômeno mundial. Mas houve tumultos nos jogos seguintes e Helen Matthew se exilou do futebol na Inglaterra.

No início, o futebol feminino era recebido apenas com desaprovação pelos homens, na melhor das hipóteses como diversão, e era visto como exótico ou bizarro. Nos primeiros jogos, as mulheres ainda tinham que usar sapatos de salto alto e espartilhos apertados. Era difícil competir com o domínio masculino. Gradualmente, o movimento pelos direitos das mulheres se radicalizou. O braço armado do movimento sufragista, a União Social e Política das Mulheres (WSPU), também se apoiava no futebol.

Por um lado, elas se posicionavam a favor do futebol feminino e jogavam elas próprias futebol; por outro lado, elas realizavam ataques a instalações esportivas ocupadas por homens. Em 1913, as sufragistas militantes atacaram a arquibancada principal do Manor Ground Plumstead, sede do Woolwich Arsenal, o clube antecessor do Arsenal de Londres. Outros ataques ocorreram nos estádios do Preston North End e do Blackburn Rovers. O futebol era uma questão política e os explosivos não eram um problema para a WSPU.

Enquanto os homens estavam no front na Primeira Guerra Mundial, o futebol feminino entre as trabalhadoras das fábricas de munição tornou-se cada vez mais popular. As pioneiras foram as mulheres do Dick, Kerr Ladies FC, que jogaram em Liverpool em 1920 diante de 53.000 espectadoras e espectadores.

Após a Primeira Guerra Mundial, o futebol feminino era mais popular do que o masculino na Inglaterra. Os homens não podiam suportar isso. Assim, o futebol feminino foi proibido em campos oficiais, e somente em 1971 as mulheres puderam voltar a jogar. Os argumentos falsos dos homens incluíam desde uma suposta capacidade limitada de gerar filhos devido ao futebol até razões morais, biológicas e estéticas. Na Alemanha a história se desenrolou semelhantemente, com atraso.

Havia também o futebol independente dos trabalhadores. No início do século XX, os jogadores de futebol proletários lutaram por seu próprio futebol, com suas próprias ligas, valores e regras. Eles fundaram seus próprios clubes ou jogaram nos clubes de ginástica dos trabalhadores, como o Turnverein Fichte, em Berlim. Naquela época, o futebol ainda era novidade na cidade, mas não demorou muito para se popularizar no clube que levava o nome do filósofo Johann Gottlieb Fichte.

Alguns anos depois, o Fichte era o maior clube esportivo de trabalhadores da Alemanha. Naquela época, a esquerda ainda entendia o esporte como uma contribuição para a luta da classe trabalhadora contra o capital. Forte, atlético, apto para a luta de classes — essa era a biopolítica de esquerda e, ao mesmo tempo, o futebol de baixo. O futebol era jogado de uma forma diferente, em que não se fazia falta ao companheiro do outro time, porque ele também tinha de trabalhar duro durante a semana para sustentar a família.

Mas mesmo o esporte dos trabalhadores não estava isento de conflitos. Assim como nas questões mundiais mais amplas, também havia tensões entre os social-democratas e os comunistas nos pequenos clubes.

No entanto, o esporte dos trabalhadores era muito popular e bem-sucedido e concorreu com a Associação Alemã de Futebol (DFB) até ser finalmente banido pelos nacional-socialistas. O esporte dos trabalhadores constitui uma parte importante da história do futebol alemão e é um exemplo de como o esporte pode ser politicamente motivado. Isso mostra que não se trata apenas de um jogo, mas também de um meio de lutar por um mundo melhor.

Reinventar o futebol

Em 1992, é introduzida a regra do recuo e nasce o chamado futebol moderno. Como na transição do cinema mudo para o sonoro, os antigos heróis desaparecem e surgem novos. Sem a possibilidade de retardar o jogo passando de volta para o goleiro, o jogo se torna muito mais atlético. Uma geração inteira de jogadores de futebol que gostava de beber com os torcedores não aparecia mais. Ao mesmo tempo, um certo Silvio Berlusconi está irritado com o fato de que, na Copa dos Clubes Campeões Europeus, as grandes estrelas e equipes podem ser eliminadas da competição precocemente por acaso. A agência de publicidade Saatchi & Saatchi é contratada para desenvolver uma nova competição: a Liga dos Campeões.

Agora há mais jogos, mais dinheiro e menos acasos. No final, os clubes mais ricos teriam uma probabilidade maior de prevalecer. Além disso, surgem análises de vídeo, big data e inteligência artificial. Os jogadores e os clubes se transformam cada vez mais em mercadorias. Os queridinhos dos investidores, como Red Bull Salzburg, Leipzig e New York, competem com os investimentos estatais do Catar e da Arábia Saudita.

O futebol moderno tenta neutralizar ainda mais o acaso. Em comparação com o handebol, o basquete e outros esportes, muito poucos gols são marcados no futebol. Muito depende do acaso. E é exatamente isso que torna o jogo tão empolgante para milhões de pessoas. Sempre há a esperança de estar do lado com sorte. Quem já está em desvantagem e não sabe como pagar as próximas contas, continuará em desvantagem. Quem vai ao estádio ainda pode ter esperança. Mas esse acaso está sendo atacado pela crescente monopolização e otimização econômica — e com ele os sonhos de inúmeros torcedores.

“O futebol torna tangível para muitas pessoas o que está errado no mundo e o que não funciona no capitalismo. Os movimentos de esquerda não devem subestimar esse potencial.”

Mas o futebol moderno não é o fim da linha. Os protestos contra a Super League, contra investidores, salários absurdos ou ingressos caros mostram que muitos torcedores e esportistas não estão mais dispostos a aceitar a crescente comercialização. E, no final das contas, aqueles que pagam pelo futebol, seja clicando em anúncios na Internet, assinando um serviço de streaming excessivamente caro ou indo ao estádio, têm o maior poder.

Se eles compreenderem esse poder como um poder coletivo, algo poderá mudar. O mercado do futebol não é uma lei da natureza, ele é criado por pessoas e pode ser alterado por elas. Em última análise, aqueles que amam o esporte decidirão a respeito dele.

O futebol foi e é político. O futebol torna tangível para muitas pessoas o que está errado no mundo e o que não funciona no capitalismo. Os movimentos de esquerda não devem subestimar esse potencial. Ao mesmo tempo, o futebol não é apenas um reflexo das relações sociais vigentes, mas também sempre um espaço de possibilidade para ir além delas.

O acaso e, com ele, a esperança nunca desaparecerão completamente, nem por meio de IA e muito menos por meio de árbitros de vídeo. Os incontáveis milhões de torcedores vivenciam – quer percebam dessa forma ou não – o atrito entre a fria ordem capitalista e o potencial de um mundo humanitário escondido no riso, na criatividade, na alegria infantil e na solidariedade da experiência compartilhada, dentro e ao lado do campo.

Sobre os autores

Jonas Wollenhaupt

é sociólogo e jornalista. Seu livro Links kickt besser (“A esquerda chuta melhor”), escrito em conjunto com Klaus-Dieter Stork, foi publicado pela Westend-Verlag em 2022.

Cierre

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Published in América do Sul, Análise, Esportes, Europa and História

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