Na última segunda-feira, milhares de pessoas saíram às ruas de mais de quarenta cidades búlgaras para protestar contra a violência doméstica e o fracasso do Estado em agir contra ela. A mobilização espontânea “é um sinal claro de que há uma sensibilidade crescente quando se trata de violência doméstica na Bulgária, que é de proporções epidêmicas”, explicou uma ativista feminista.
E essa grande mobilização é também uma expressão excepcional de solidariedade em um país com poucos exemplos de fortes movimentos políticos de base.
Os protestos foram certamente inesperados. A Bulgária tem visto nos últimos anos ataques políticos vis contra movimentos feministas e pró-LGBTQ, enquanto os esforços institucionais para conter a violência doméstica enfrentaram sabotagem por parte dos partidos que afirmam defender os valores da família.
Nesse sentido, as manifestações também catalisaram um debate mais amplo em torno da violência de gênero e da normalização da misoginia. Em apenas uma semana, a indignação pública forçou a revisão de várias leis, a vergonha pública de celebridades e a renúncia de um deputado.
Contudo, ainda há muito o que se fazer para modificar a cultura misógina da vida pública búlgara. São importantes os apelos para reformas de longo prazo, como a introdução de educação sexual nas escolas e o fornecimento de material abrangente, bem como o apoio médico e à saúde mental, que continuam sob o controle dos principais partidos políticos.
Pode-se dizer também que essas manifestações não têm o mesmo tamanho das grandes mobilizações feministas em outros estados do Leste Europeu, como a Polônia. No entanto, eles continuam extremamente significativos em um país onde até mesmo o Partido Socialista (BSP), de esquerda, faz regularmente campanhas usando homofobia aberta e “defendendo a família tradicional búlgara”. Para muitos, parece que um novo capítulo pode finalmente estar começando na luta pela igualdade de gênero.
Abusadores
Oprotesto foi desencadeado por relatos da mídia de um ataque horrível contra uma menina de dezoito anos da cidade de Stara Zagora, conhecida como “D”. Após a agressão, ela imediatamente identificou seu ex-companheiro, Georgi Georgiev, como o agressor. No entanto, o caso logo se tornou o mais recente exemplo do fracasso das autoridades em domar criminosos violentos em pequenas cidades ao redor da Bulgária.
A acusação contra Georgiev citou “lesões corporais médias”, mas o tribunal distrital decidiu que ele infligiu apenas danos “menores”, com o argumento de que a vida da vítima nunca esteve em perigo. Essas lesões supostamente “menores” incluíam vinte e um cortes com uma faca de utilidade, uma concussão e um nariz quebrado; ele também raspou à força a cabeça de D.
Seus ferimentos exigiram quatrocentos pontos e ela precisará de mais cirurgia plástica e terapia. Desde o incidente, a mulher mal falou ou saiu de casa; seu advogado descreveu que ela sentiu uma “perda de identidade”.
Os protestos foram uma expressão excepcional de solidariedade em um país com poucos exemplos de fortes movimentos políticos de base.
D. namorava o abusador há quatro meses e a acusação alegou que ele foi provocado por ciúmes. Georgiev tinha antecedentes criminais, o que o desqualificaria de ser empregado em certos setores, mas mesmo assim trabalhava ilegalmente como segurança em uma boate local. Ele tem outra companheira com quem tem um filho. Este foi seu terceiro crime violento e ele estava em liberdade condicional por outro ataque na época.
Chocados com a nova classificação dos ferimentos horríveis da filha — e temendo retaliações por parte do suspeito —, os pais de D. decidiram tornar o caso público e conversaram com a rádio pública búlgara. O relatório começou a circular nas redes sociais e logo milhares de pessoas expressaram sua indignação com a forma como a polícia, o Ministério Público e o tribunal lidaram com esse ataque brutal.
A própria aparência de Georgiev — corpulento, com a cabeça raspada e coberto de tatuagens nacionalistas — energizou as reações contra ele, já que muitas cidades pequenas na Bulgária são aterrorizadas por bandidos de aparência semelhante que se envolvem em várias atividades criminosas e são geralmente tratados com impunidade pelas autoridades locais.
Os apelos ao linchamento popular dos juízes e do abusador sacudiram políticos e funcionários públicos de sua letargia de verão. O procurador-geral pediu a todos os procuradores que priorizem a investigação rápida e objetiva de todos os casos que envolvam violência. O médico que elaborou a perícia médica para o tribunal foi demitido e o procurador-geral pediu a renúncia do vice-chefe da promotoria distrital em Stara Zagora, enquanto os deputados pediram uma revisão do trabalho do tribunal distrital.O caso logo se tornou o mais recente exemplo do fracasso das autoridades em domar criminosos violentos em pequenas cidades ao redor da Bulgária.
A investigação foi basicamente reiniciada sob a vigilância de uma equipe de promotores após revelações (tardias) de que o suspeito havia enviado mensagens ameaçando a jovem antes do ataque. Agora, o tribunal aguarda um novo exame forense enquanto Georgiev permanece sob custódia. Seu caso revelou a negligência de seus empregadores, da inspeção do trabalho e da polícia.
Femicídio
Mas como esse único caso poderia provocar uma reação tão forte e imediata? Não foi, de fato, um incidente isolado. Isso ocorre após dezenas de outros casos em que mulheres que relataram ter sido ameaçadas foram posteriormente assassinadas por seus (ex) parceiros — punidas pela coragem de nomear seus agressores. Muitas outras vítimas não relataram seus medos devido a uma crença justificada de que a polícia faria pouco para ajudar.
Sem um registro nacional centralizado de violência doméstica, defensores e ativistas de direitos humanos têm apenas reportagens na mídia para confiar e a cobertura geralmente diz respeito apenas a assassinatos. Treze feminicídios já foram contabilizados em 2023; no ano passado, foram pelo menos vinte e dois.
Uma pesquisa de 2022 mostrou que 36% de todas as mulheres búlgaras entre dezoito e vinte e nove anos sofreram violência física ou sexual por seu atual ou ex-parceiro, quase o dobro da taxa em outros países do Leste Europeu, como Sérvia ou Lituânia.
O parlamento também decidiu criar um novo conselho para combater a violência doméstica e criar um registro nacional de casos de violência doméstica. Embora seja simbolicamente importante e, de fato, um passo necessário, isso é até agora um compromisso bastante abstrato com esforços preventivos, e muitos enfatizam a urgência da aplicação dessas medidas.
O Partido Socialista e o Revival, de extrema-direita, criticaram a legislação sobre violência doméstica que também permitiria a proteção de pessoas em relações entre pessoas do mesmo sexo.
Por exemplo, uma terapeuta que trabalha para uma organização feminista de apoio às vítimas apontou para “uma administração regional que carece de um abrigo para vítimas de violência doméstica se recusando a discutir a abertura de um, citando a falta de necessidade para tal”, apesar da “possibilidade de abrir um sem alterar nenhuma lei”. Além disso, disse a terapeuta, há negligência sistemática de “pessoas idosas abusadas por seus filhos adultos, que não têm acesso a serviços sociais e apoio institucional”.
No entanto, a Lei de Violência Doméstica não se aplica aos casos em que a vítima e seu agressor não coabitam. Organizações de direitos das mulheres insistem em incluir o termo “parceiro íntimo” no ato para que as pessoas envolvidas em qualquer tipo de relacionamento íntimo de longo prazo se qualifiquem. Antes deste mês de julho, tais esforços estavam sendo bloqueados pelo Partido Socialista e pelo Revival, de extrema-direita, que citaram suas preocupações reacionárias de que isso também permitiria a proteção de pessoas em relacionamentos homoafetivos.
No rastro do caso de Stara Zagora, todas as instituições entraram em um modo febril de legislação. A ombudsman búlgara pediu a criminalização da humilhação e formas de abuso emocional. O parlamento se reuniu para votar mudanças no Código Penal, aumentando a punição por causar ferimentos médios de seis para oito anos. No entanto, a maioria das pesquisas sobre o assunto sugere que a duração das penas de prisão não entra no cálculo do agressor e não constitui um mecanismo de dissuasão.
Os deputados também modificaram a legislação para reconhecer mais pessoas como vítimas de violência doméstica, em vez de apenas aquelas que viveram com ou eram casadas com o agressor. Ainda assim, a lei é limitada — o relacionamento deve ter durado pelo menos sessenta dias para se qualificar. Essa cláusula arbitrária que restringe o acesso à proteção foi recebida por outra onda de indignação por parte das organizações de direitos das mulheres.
Os limites da agenda parlamentar se tornaram especialmente evidentes quando a maioria capitulou frente aos discursos homofóbicos da extrema-direita e do Partido Socialista — alterando a lei para especificar que apenas pessoas em relacionamentos heterossexuais podem buscar proteção contra violência doméstica.
O medo da “ideologia de gênero”
Essas mudanças legislativas parecem estar prestes a entrar em vigor, apesar da oposição veemente de uma aliança odiosa que se formou nos últimos anos, englobando o Partido Socialista, o Partido Revival, outros partidos de extrema-direita marginais e organizações cristãs conservadoras. Já em 2018, essas forças se uniram contra a adoção da Convenção de Istambul, ou seja, o código do Conselho da Europa para prevenir e combater a violência contra as mulheres e a violência doméstica. Seu objetivo: deter o avanço do que chamam de “ideologia de gênero”.
Apesar do nome, a “ideologia de gênero” (a palavra em inglês é usada em transliteração) não se refere às suposições dominantes sobre gênero. Em vez disso, é uma teoria da conspiração, difundida em toda a Europa, que alega que forças liberais estão trabalhando para subverter os papéis de gênero tradicionais a fim de converter crianças à homossexualidade.
Em 2021, o Tribunal Constitucional búlgaro decidiu que a noção de que o gênero é um conjunto de normas de gênero socialmente construídas contradiz a constituição búlgara, citando uma série de referências duvidosas ao cristianismo e aos chamados valores tradicionais.
Assim como em outros lugares onde o espectro do “gênero” domina a vida pública, o antigitenderismo búlgaro não surgiu de um movimento popular espontâneo, mas da luta interna entre a elite política do país. Especificamente, foi liderado pelo enfraquecido Partido Socialista em uma tentativa de ganhar vantagem sobre os partidos pró-europeus de centro-direita. Os socialistas se opuseram às emendas do mês passado à Lei de Proteção contra a Violência Doméstica. No início deste ano, Korneliya Ninova, a primeira mulher a liderar o partido, explicou que a ideologia de gênero “prega um sexo diferente do masculino ou feminino, do modelo natural e humano… A ideologia de gênero é algo diferente e terceiro”. Quem poderia discordar disso?
“A palavra “dzhender” (gênero, em búlgaro) se tornou um xingamento amplamente usado para se referir a qualquer coisa considerada desviante das normas sociais percebidas.”
Desde que se tornou líder desta força supostamente de centro-esquerda em 2016, Ninova a afastou cada vez mais das principais posições social-democratas, muitas vezes denunciando abertamente seus partidos irmãos nominais no Partido dos Socialistas Europeus.
Em vez disso, forma alianças táticas com a extrema-direita búlgara, em uma série de questões, desde os direitos dos homossexuais até o ceticismo em relação às vacinas e, desde fevereiro passado, a guerra na Ucrânia. Esse tipo de sinergia oportunista tem sido característico das forças antigênero no Leste Europeu em geral.
Em contraste com países como Hungria ou Polônia, no entanto, onde uma agenda política semelhante impulsionou a fortuna eleitoral de seus proponentes, as pontuações dos socialistas despencaram e sua sobrevivência como força parlamentar agora parece precária.
Embora o discurso “contra a ideologia de gênero” de Ninova não tenha conseguido revitalizar o maior e mais antigo partido político da Bulgária, ele conseguiu difundir uma série de teorias da conspiração centradas na ideia de que organizações de direitos humanos, LGBTQ e feministas estão conspirando para separar crianças de seus pais em favor de nações ocidentais mais ricas, especialmente a Noruega.
A palavra búlgara dzhender tornou-se um insulto amplamente usado para se referir a qualquer coisa considerada como desviando das normas sociais percebidas. No geral, a campanha envenenou a atmosfera pública e tornou cada vez mais difícil defender até mesmo os tipos mais brandos de legislação de igualdade de gênero.
A polícia é parte do problema
O número de pessoas presentes nos protestos em toda a Bulgária, bem como as palavras de ordem expressas neles, foram uma surpresa para muitos. Os eventos foram organizados por vários atores, e não por um grupo qualquer. Muitos protestos receberam variações de marchas de protesto como “Em apoio às vítimas de violência doméstica”; “Em solidariedade à jovem desfigurada pelo agressor com a faca utilitária”; “Não vamos nos calar”; “Parem com o genocídio contra as mulheres. Você está dormindo bem, juiz?”; e “400 é suficiente”.
Em Sofia, capital da Bulgária, muitos participantes seguravam placas distribuídas por organizações feministas com as palavras Nito edna poveche, que se traduz como Not One More (Nenhuma mais), o slogan dos movimentos contra a violência de gênero em todo o mundo.
Esses protestos reuniram uma ampla gama de participantes, incluindo defensores ativos da igualdade de gênero, advogados dos direitos humanos, indivíduos apolíticos e até mesmo aqueles que expressaram preocupações sobre a ideologia de gênero e a Convenção de Istambul. Além dessa diversidade política, a revolta em relação à brutalidade do ataque e à incapacidade das instituições em proporcionar segurança e encerramento para a vítima ressoou com muitas mulheres que enfrentam violência sexista em suas vidas diárias. Uma mulher que participou do protesto em Sofia compartilhou que estava protestando para que as mulheres “não tenham medo de dizer Não. Porque ela [referindo-se a “D.”] disse Não e passou por isso.”
A reação ao ataque a “D.” também revelou suspeitas generalizadas sobre a eficácia da polícia. Essa raiva inicial se transformou em apelos nas redes sociais por vingança popular contra o suspeito e aqueles vistos como cúmplices, incluindo o tribunal que permitiu sua liberação. Os participantes destacaram o fracasso da polícia e do sistema judiciário, fazendo comparações com a indignação provocada pelo assassinato de Nahel Merzouk pelas mãos da polícia francesa, que desencadeou uma semana de tumultos na França no início do verão.
O tratamento dado ao caso de “D.” também mostrou semelhanças marcantes com um incidente anterior em que um criminoso semelhante dirigia em alta velocidade por uma rua movimentada em Sofia no ano passado, atingindo duas jovens e matando-as. Esse incidente revelou impunidade e possivelmente até mesmo conluio entre a polícia local e gangues criminosas envolvidas no tráfico de drogas. Chocantemente, vários policiais ajudaram o motorista a escapar após o acidente.
Em vez de prevenir a violência baseada em gênero e sexual, a polícia tem se mostrado, no melhor dos casos, uma facilitadora desse tipo de violência e, no pior dos casos, uma perpetradora. Três anos atrás, durante protestos anti-governo em Sofia, uma mulher foi presa, agredida fisicamente e sufocada pela polícia, e um policial chegou a tirar fotos de seus seios enquanto ela estava algemada. A manifestante processou a polícia e no mês passado, durante um recurso ao tribunal, o conselheiro jurídico da polícia a rotulou como “desprezível, indigna e embaraçosa”. Este ano, a polícia na segunda maior cidade da Bulgária, Plovdiv, submeteu mulheres e homens a revistas íntimas e humilhações durante uma tentativa de operação antidrogas em uma boate.
Organizações feministas também exigiram o reconhecimento legal de formas não físicas de violência, incluindo abuso psicológico e econômico contra mulheres. Muitos manifestantes pediram penalidades mais severas para os autores de violência doméstica. Além disso, o movimento destacou a necessidade de aumentar a conscientização sobre o sexismo. O fato de o sexismo estar sendo reconhecido como um problema na sociedade búlgara representa um avanço significativo.
O debate em curso está gradualmente avançando além das abordagens individualizadas que caracterizaram os esforços do governo até agora. Agora, chamadas que antes eram ignoradas por mais abrigos para vítimas de abuso e melhores políticas sociais estão ganhando atenção tanto na mídia tradicional quanto nas redes sociais. Priorizar o bem-estar dos sobreviventes em vez de focar apenas no agressor é essencial. Lidar com a violência doméstica exige uma compreensão de como as desigualdades sociais a exacerbam — um aspecto ainda não discutido por nenhum partido político na Bulgária, já que a pobreza e a exploração geralmente não fazem parte da agenda.
As demandas apresentadas pelos protestos os diferenciam de outras respostas políticas à violência doméstica, enquanto desafiam estruturas patriarcais mais amplas. Isso é evidente em seus apelos por reformas abrangentes na educação e nas atitudes em relação à saúde mental. Alguns cartazes questionaram normas de gênero, o conceito de família e a masculinidade. Além disso, os manifestantes pediram por educação sexual nas escolas — um tema atualmente ausente do currículo na Bulgária — contribuindo para a incapacidade generalizada de identificar e condenar comportamentos violentos.
Uma corrida contra o tempo
O caso amplamente divulgado desencadeou um confronto público com as muitas formas pelas quais a violência baseada em gênero é normalizada e banalizada na Bulgária. Após o incidente, muitas mulheres compartilharam histórias de abuso e disfunção institucional que enfrentaram ao buscar proteção.
Reduzir a violência doméstica também requer compreender como as desigualdades sociais a exacerbam – um aspecto que não é discutido por nenhum partido político na Bulgária. Isso também afetou a vida pública. Um deputado proeminente do partido governante foi forçado a renunciar após se referir às vítimas de violência doméstica como “prostitutas” durante o debate parlamentar sobre reformas ao Código Penal.
A redução da violência doméstica também requer uma compreensão de como as desigualdades sociais a exacerbam — outra questão não discutida por nenhum partido político na Bulgária.
Nas redes sociais, muitas pessoas denunciaram comportamentos flagrantemente misóginos de celebridades búlgaras. Uma história especialmente chocante apresentou um técnico de basquete renomado que, ao participar de um podcast popular no início deste ano, relembrou em tom de piada que raspou a cabeça de sua ex-namorada vinte anos atrás devido ao relacionamento dela com outro homem após o término, algo que o técnico considerou como adultério. O podcast havia incluído a história em um clipe separado em seu canal no YouTube — apenas após o ataque é que alguns ouvintes começaram a ver a situação sob uma ótica diferente.
Infelizmente, o movimento para relatar e buscar reconhecimento do abuso já foi contraposto por ataques que parecem imitar o caso anterior. Apenas quatro dias após as notícias sobre o ataque a “D.”, um homem na pequena cidade de Vidin agrediu sua ex-parceira e cortou forçadamente seu cabelo, apesar de uma ordem de restrição. Essa mulher também compartilhou sua história na mídia.
Isso também aponta para as batalhas mais amplas que precisam ser travadas. Uma abordagem firme para deter tal violência exigiria não apenas sentenças longas para os agressores — que muitas vezes têm efeito de dissuasão questionável — mas também uma apreciação geral da importância do consentimento e da autonomia corporal. Esse é um programa que organizações de direitos das mulheres promovem há anos, mas que foi ignorado ou duramente demonizado por partidos políticos que alimentam o medo da “propaganda LGBTQ” ou têm receio de qualquer associação com isso.
Os protestos das últimas semanas representam uma mudança bem-vinda para quem na Bulgária está cansado da misoginia e homofobia generalizadas que caracterizam grande parte da vida pública. No entanto, seria ingênuo pensar que atitudes profundamente enraizadas e padrões sociais podem mudar muito rapidamente. Apesar de muitas reformas progressistas conduzidas durante o período socialista pós-guerra ou dos esforços heroicos das feministas búlgaras, atitudes patriarcais e estruturas familiares ainda prevalecem. De fato, algumas dessas estruturas se tornaram mais enraizadas desde a transformação capitalista, pois as desordens sociais dos anos 1990 forçaram muitas mulheres a assumirem mais responsabilidades produtivas e reprodutivas.
Embora a Bulgária tenha se recuperado gradualmente do colapso econômico pós-socialista, as consequências sociais e culturais persistem. Elevar a consciência coletiva sobre a realidade da violência sistêmica contra as mulheres é um importante primeiro passo. Traduzir essa consciência em mudanças legais e institucionais pode potencialmente iniciar um processo mais amplo de reconhecimento, tanto dentro do Estado quanto entre a população em geral.
O tipo de transformação social necessário para garantir que as mulheres sejam membros igualitários da sociedade, com os recursos necessários para se protegerem contra a violência doméstica, exigirá um movimento muito maior do que qualquer coisa vista na Bulgária recentemente. No entanto, também não estamos começando do zero. Várias organizações e coletivos de ativistas trabalham nessas questões há décadas, oferecendo serviços sociais, materiais educativos e desenvolvendo propostas de políticas. Hoje, seu trabalho está começando a dar frutos.
Sobre os autores
Madlen Nikolova
é doutoranda no Departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade de Sheffield e membro do Coletivo para Intervenções Sociais em Sofia, capital da Bulgária.