Nossa lista de leitura jacobina pode não ser algo que você possa descrever como uma leitura “leve”. Mas talvez não seja isso que você esteja precisando. Da temas revolucionários até leituras sobre os conflitos na América Latina, Oriente Médio e a atualidade e urgência de derrotar o fascismo, devemos confessar que estamos trazendo um conteúdo denso para suas férias na praia. Mas acreditamos que você será recompensado ao fazer isso, pois sairá mais preparado para enfrentar o ano de 2024 com essas preciosidades literárias.
A estrela vermelha brilha sobre a China
Edgar Snow
A estrela vermelha brilha sobre a China, de Edgar Snow, é um clássico que narra com muitos detalhes os acontecimentos desde 1936 na China, o ano em que o vento virou a favor da revolução. Escrito de uma forma alucinante, Snow termina por ser além de autor também personagem do livro, descrevendo sua viagem ao soviete de Yan’an, no Noroeste da China, onde os comunistas aportaram após a Longa Marcha.
Na obra, Mao Zedong dá longas entrevistas – a mais importante delas é um relato biográfico, que apresenta o futuro líder chinês ao mundo. Snow teve o profundo senso histórico de perceber o processo chinês como, ainda, encontrar muitas das lideranças que fariam a história da China por muitas décadas: Zhou Enlai, Peng Dehuai, Lin Biao e tanto outros, além de falar com militantes e pessoas comuns na então base revolucionária chinesa. O livro é a principal chave para entender a singularidade do experimento socialista chinês – o que, em outras palavras, é fruto da incrível aplicação do marxismo em uma cultura milenar muito bem estabelecida, cujo sistemas de escrita, pensamento e cultura diferem profundamente do Ocidente. As 500 e poucas páginas parecem intimidar, mas é rápido e fácil fazer uma imersão naquela história que conduziu a uma enorme vitória do movimento socialista.
— Hugo Albuquerque
Instruções de como se tornar um fascista
Michela Murgia
Instruções de como se tornar um fascista, publicado pela editora Aiyné, surge com o pretexto de manual para oferecer uma análise sagaz sobre a insidiosa presença, perceptível ou não, do fascismo na sociedade. Ao evidenciar como todos compartilhamos traços fascistas, a obra propõe uma reflexão necessária para rompermos com a inocência que muitas vezes obscurece tais características.
Um ponto central abordado é a exploração do fascismo em meio à confusão e dissonância da democracia, capitalizando o cansaço resultante de debates aparentemente infrutíferos. O livro adverte para o perigo de abraçar a simplista ideia de que a unificação é a solução, destacando como o fascismo utiliza também as redes sociais para disseminar o seu caos, nivelando especialistas a leigos sob o pretexto da suposta “igualdade” de opiniões.
Recomendar Instruções de como se tornar um fascista é buscar alertar contra a falsa dicotomia entre democracia e fascismo, desafiando estereótipos ideológicos e sublinhando que regimes totalitários não se restringem a uma única ideologia, convidando à reflexão sobre a presença sutil do fascismo em nossas vidas e a imperiosa necessidade de permanecermos resistentes diante de ideais discriminatórios.
— Sarah Fonseca
Pagu na Vanguarda Socialista
Patrícia Galvão (Pagu)
A editora Autonomia Literária trouxe em 2023 na Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (FLIPEI) uma preciosa compilação inédita de textos jornalísticos e crônicas publicadas por Pagu durante o período de 1945 até 1946, na coluna Crônica Literária do jornal Vanguarda Socialista – editado por Mário Pedrosa e secretariado por Geraldo Ferraz, no Rio de Janeiro, entre 1945 e 1948. Patrícia Galvão – a Pagu, ou Ariel, ou Mara Lobo – foi muitas. E foi única – e sempre com a visão e o desejo de ser uma “mulher do povo”, como ela certa vez se descreveu e também o nome de uma coluna onde começou a publicar seus textos no jornal de esquerda O Homem do Povo, nos anos 1920.
Na obra, conhecemos a jornalista e crítica Patrícia Galvão, muito para além do mito e da musa. Jornalista, escritora, poeta, dramaturga, desenhista, militante comunista e feminista. Patrícia integrou o movimento Modernista e foi militante do Partido Comunista Brasileiro, fato muitas vezes deixado de lado pelos grandes eventos da burguesia que homenageiam a autora. Sempre destoando da sua época, era consoante somente aos próprios anseios. Uma grande mulher que chocou a sociedade conservadora pelo simples fato de ser livre. Nos diversos escritos que atravessam as mais variadas obras que ainda eram desconhecidas no Brasil, Pagu demonstra que estaria disposta a ser para sempre a mulher do povo.
Este compilado editado em formato físico com o que Patrícia Galvão escreveu em mais de três décadas de militância cultural pode ser, no entanto, considerado uma preparação para algo muito maior: trazer Pagu para o nosso presente. Sua produção jornalística foi multifacetada. No Vanguarda Socialista, Patrícia Galvão continuava como um ser político, mas também era um ser curioso, observador e atento. É esta amplitude de olhares e de ações que se pode observar em cada um dos textos do livro aqui recomendado. Seja para falar sobre o comportamento das “senhorinhas” paulistanas, seja para analisar Fernando Pessoa ou mesmo para tecer considerações sobre literatura, teatro, música e escritores e artistas, entre tantos personagens que ela aborda, como Murilo Mendes, Jorge Amado e Goeldi. São textos, sempre que possível, eivados de uma prosa poética e um tom de bate-papo informal que levava seus artigos e crônicas para além do simplesmente jornalístico.
— Gercyane Oliveira
O prazer armado
Alfredo Bonanno
“Em Paris, 1848, a revolução era uma festa sem começo e sem fim”.
— Bakunin
O prazer armado nos convida a abandonar as hesitações e o medo frente à luta, apresentando uma tese simples e atual. A gestão do espetáculo do capital e a reprodução da vida cotidiana do mundo do trabalho são o caminho para as nossas próprias mortes. São as práticas cotidianas de libertação e a destruição do que nos oprime que possibilitam aparecer comunidades de prazer no aqui e agora. A luta contra o capital é também nossa luta da vida contra a morte.
O livro, lançado no Brasil pela Edições Insurrectas, foi escrito pelo anarquista Alfredo Bonanno, falecido no dia 6 de dezembro de 2023. Redigido no ano de 1977, ápice do período insurrecional vivido em território italiano naquele momento, O prazer armado carrega o espírito das revoltas daquele tempo, até então conhecidas no Brasil pelos textos de pensadores como Marcelo Tari, Antonio Negri e Franco Berardi.
Alfredo Bonanno recebeu pena de 18 meses de encarceramento por “apologia a violência e a subversão” pela escrita deste texto, que foi proibido de circular e mesmo ser consultado em bibliotecas. Se retomamos a memória deste anarquista e da insurreição, sugerindo a leitura de um de seus livros mais impactantes pelos dias quentes do verão, é porquê, como ele mesmo disse em outra ocasião:
“Nós não queremos nos lembrar, nós queremos viver. (…) Esta é a nossa forma de garantir uma memória, a nossa forma de respeitar uma vontade que procurou escapar aos limites que encerram a humanidade e as suas vicissitudes demasiado humanas da fortuna, uma vontade revolucionária que procurou transformar o mundo.”
Leiam Alfredo Bonanno. Saúde e Liberdade!
— Wander Wilson
América Latina na encruzilhada
Organizado por Roberto Santana Santos, Maria Villarreal e João Claudio Pitillo
Durante as férias é sempre um bom momento de realinhamento teórico e prático, de medir as ações e pensar novos caminhos!
Reforço, portanto, a necessidade de um novo olhar sobre a América Latina, de pensar as coisas como um processo e como continuidade de lutas que são distantes mas tão próximas ao mesmo tempo!
Em América Latina na Encruzilhada – lawfare, golpes e lutas de classe, temos uma reunião de diversos autores trilhando um caminho sobre as lutas nos seus avanços, contradições e impeditivos. É um livro que instiga o estudo, a análise e a união entre movimentos pela América Latina, é um trabalho que nos faz perceber que nessa jogada entre iguais e diferentes, estamos todos na luta por um mundo melhor, tendo muito que ensinar e aprender.
Viva ao socialismo latino-americano!
— Marcos Morcego
Do rio ao mar: entrevistas, artigos e ensaios para uma Palestina livre
Organizado por Caue Seignemartin Ameni
O ebook gratuito Do rio ao mar: entrevistas, artigos e ensaios para uma Palestina livre traz uma intervenção editorial urgente, com entrevistas, artigos e ensaios de Ilan Pappe, Albert Einstein, Bruno Huberman, Gercyane Oliveira, Hugo Albuquerque, Eli Gozansky, Ussama Makdisi, Lena Obermaier, Richard Seymour, Helen Lackner, Ronan Burtenshaw, Julian Sayarer e Ben Jama.
Nos últimos meses, quando este material estava sendo organizado, Israel continuava cometendo um verdadeiro genocídio em Gaza. As autoridades israelenses têm repetidamente deixado claras as suas intenções nesse sentido; falando de punição coletiva, assassinato em massa e limpeza étnica em jornais, em conferências de imprensa e na televisão. Embora as potenciais ocidentais tenham apoiado as condenações desse massacre, ao mesmo tempo que não tomaram qualquer ação concreta, milhões de pessoas em todo o mundo saíram às ruas para denunciar a sua cumplicidade, para exigir um cessar-fogo e uma Palestina livre.
O ebook “Do Rio ao Mar” fornece histórias e análises cruciais para nos ajudar a compreender como chegámos ao presente pesadelo na Terra Santa. Elas situam a campanha genocida de Israel na história mais longa do colonialismo na Palestina e o Hamas na história mais longa da resistência e do chamado “processo de paz”.
Tomados em conjunto, os textos que compõem esta coleção fornecem uma base importante para as discussões urgentes que ocorrem em todo o movimento de solidariedade com a Palestina.
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Nem vertical, nem horizontal
Rodrigo Nunes
O livro mais importante escrito no mundo com um balanço crítico do ciclo global de lutas iniciado em 2011 é de um brasileiro. Rodrigo Nunes é professor de filosofia e autor de Nem vertical, nem horizontal, publicado no Brasil pela Ubu em 2023, e pela Verso, em inglês, 2021. A obra é simultaneamente uma sofisticada investigação teórica sobre a questão da organização política em geral, mas também um esforço engajado em retirar lições aproveitáveis de enfrentamentos concretos da última década.
Apesar de sua densidade conceitual, é um livro que só poderia ter sido escrito por um militante – que foi obrigado a lidar com o problema da organização em termos bastante práticos. O resultado, além de ser bem pensado, tem a vantagem de ser útil. Sua pretensão declarada é superar “padrões de pensamento e comportamento” que barram a capacidade de ação coletiva, isto é, que nos fazem mais fracos, e menos eficazes, no embate contra os poderes vigentes. Embora talvez não fique evidente para o leitor desavisado, os mais atentos perceberão que Rodrigo é versado na nossa tradição, e, não por acaso, seus exemplos ilustrativos são retirados da história do marxismo e da esquerda socialista.
A questão central do livro continua sendo indispensável para os que estão engajados no projeto de superação da ordem capitalista: como expandir, coordenar e empregar a capacidade coletiva de agir? Como ressalta Rodrigo em seu ponto de partida, a verdade fundamental, quase tautológica, da ideia de “linha de massas” para a transformação política (o sentido em que são “as massas que constroem a história”) é que para quebrar a “resistência dos poderes constituídos” será necessário confluir uma grande quantidade de gente – “o sujeito da política é sempre coletivo”.
Essa defesa da “ação coletiva”, a partir da experiência da esquerda radical autônoma, é muito bem vinda. De várias maneiras, as reflexões de Rodrigo Nunes já tem influenciado o que chamamos de uma “ética jacobina”. Nós da Revista Jacobina nos propomos a ser uma plataforma ecumênica de debate estratégico da esquerda socialista. Não atuamos para fortalecer uma organização particular, ou mesmo uma concepção organizacional. Não que deixamos de ter nossa preferência no debate organizacional: somos do “Partido da Consciência”, defensores obstinados da ação coletiva, da intervenção política deliberada com um propósito comum. Mas nossa intervenção específica segue o que Rodrigo Nunes chamaria de uma “orientação ecológica”: nossa tarefa fundamental é cultivar o ecossistema, trabalhar para tornar a esquerda socialista brasileira, em toda sua diversidade e heterogeneidade, um campo mais coordenado, mais resiliente e mais robusto – ainda que não necessariamente mais “unitário”. Queremos que mil flores desabrochem, e transformar nossas diferenças em nossa fortaleza. O livro de Rodrigo é uma contribuição indispensável nesse esforço.
— Victor Marques