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O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, fala depois de divulgar o manifesto do Partido Bharatiya Janata antes das próximas eleições gerais do país, em Nova Deli, em 14 de abril de 2024. (Sajjad Hussain / AFP via Getty Images)

A crise neoliberal da Índia está alimentando o autoritarismo hindu

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Tradução
Sofia Schurig

Como líder da Índia, Narendra Modi aprofundou o quadro neoliberal em vigor desde o início da década de 1990. A crise social decorrente desse modelo leva o governo de Modi a confiar cada vez mais em um discurso perigoso e autoritário de divisão social.

Durante a década em que Narendra Modi foi primeiro-ministro da Índia, assistiu-se a um aumento acentuado da desigualdade de renda e riqueza. De acordo com a Base de Dados Mundial sobre a Desigualdade, a parcela do 1% mais rico na renda nacional, de 22,7% em 2023, é mais elevada do que em qualquer outro momento do último século.

Este aumento da desigualdade tem sido acompanhado por um aumento da proporção da população que enfrenta uma privação nutricional absoluta. Os inquéritos quinquenais da Índia sobre as despesas de consumo revelam um aumento significativo, entre 2011-12 e 2017-18, da porcentagem da população incapaz de acessar uma norma mínima de calorias diárias per capita, que é de 2 100 para as zonas urbanas e de 2 200 para as zonas rurais.

A Índia é considerada uma das economias que cresce mais rápido do mundo, embora se saiba que os números da taxa de crescimento são muito exagerados. No entanto, ocupa atualmente o 111º lugar entre 125 países no Índice Global da Fome – uma classificação que tem piorado na última década.

Continuidade neoliberal

A opinião liberal tende a atribuir toda a culpa por este extraordinário aumento da desigualdade ao governo de Modi. É certamente verdade que o governo tem seguido políticas que favorecem palpavelmente os capitalistas monopolistas – especialmente algumas empresas relativamente novas que constituem os “amigos” de Modi – enquanto desencadeia uma crise para a pequena produção, sobretudo a agricultura de pequena escala.

No entanto, estas políticas não são inovações do próprio governo. O governo limitou-se a levar adiante, fiel e cegamente, a agenda neoliberal estabelecida. Culpar apenas o governo Modi, portanto, exonera erroneamente o neoliberalismo da acusação de empobrecer o povo trabalhador.

“Durante a década em que Narendra Modi foi primeiro-ministro da Índia, assistiu-se a um aumento acentuado da desigualdade de renda e riqueza.”

Na verdade, as tendências para o aumento dos níveis de desigualdade e privação nutricional têm sido evidentes desde a introdução das políticas neoliberais em 1991. Estima-se, por exemplo, que a cota do 1% mais no rendimento nacional tenha aumentado de 6% em 1982 para mais de 21% em 2014. A privação nutricional aumentou substancialmente entre os inquéritos às despesas de consumo de 1993-94 e 2011-12.

Algumas medidas são consideradas loucuras específicas do governo Modi, como a súbita desmonetização de quase 87% (em termos de valor) da moeda do país em 2016, em nome do combate ao “dinheiro sujo”, ou a introdução de um Imposto sobre Bens e Serviços em 2017, em substituição do antigo imposto sobre vendas, que supostamente facilitaria a “unificação do mercado nacional”.

No entanto, embora o governo tenha implementado essas medidas sem pensar, elas são geralmente retiradas do kit de ferramentas das instituições financeiras internacionais. Além disso, o governo de Modi teve o apoio dessas instituições para tais movimentos.

Crise neoliberal

O governo Modi pode ser criticado por aderir obstinadamente à agenda neoliberal, mesmo em um momento em que o neoliberalismo tinha entrado em crise e estava gerando desemprego em massa. Em nenhum momento isso foi mais evidente do que na promulgação de três leis agrícolas que teriam eliminado o regime de suporte de preços fornecido pelo governo para os cereais alimentares.

O apoio às culturas comerciais já tinha sido removido anteriormente, expondo os agricultores as grandes flutuações de preços no mercado mundial e aumentando assim o seu endividamento, o que, por sua vez, provocou suicídios em massa entre eles. Uma luta notável dos agricultores, que durou um ano, obrigou Modi a recuar nestas leis, que, se fossem aplicadas, teriam destruído a autossuficiência do país na produção de cereais alimentares (reconhecidamente em baixos níveis de consumo) e exposto o país a uma insegurança alimentar ainda maior.

Um aumento da desigualdade econômica, tanto no interior dos países como no conjunto do mundo, é uma tendência imanente ao neoliberalismo. Isto porque a mobilidade entre países do capital em produção que o neoliberalismo implica expõe os salários reais em todos os países, incluindo os do Norte Global, à pressão descendente exercida pelas vastas reservas de mão de obra do Sul Global.

“O governo Modi pode ser criticado por aderir obstinadamente à agenda neoliberal, mesmo em um momento em que o neoliberalismo tinha entrado em crise.”

Estas reservas não diminuem, apesar da deslocalização de atividades do Norte Global para o Sul Global, porque a introdução de um comércio mais livre entre países – outra caraterística do neoliberalismo – intensifica a concorrência entre eles. Também acelera a mudança tecnológica e estrutural que aumenta a taxa de crescimento da produtividade do trabalho em cada país.

Isto, por sua vez, mantém baixa a taxa de crescimento do emprego, muitas vezes até a um nível inferior à taxa natural de crescimento da força de trabalho, aumentando assim a dimensão relativa das reservas de trabalho. Assim, o nível dos salários reais é suprimido sob o neoliberalismo, enquanto a produtividade do trabalho aumenta rapidamente em todo lugar, elevando a porcentagem do excedente na produção total dentro dos países e também a nível global.

A crise do neoliberalismo está diretamente ligada a este crescimento da desigualdade. Uma vez que os trabalhadores consomem uma parte muito maior dos seus rendimentos do que aqueles a quem o excedente se destina, o aumento da parte do excedente cria uma tendência para a superprodução. Isto revelou-se internacionalmente após o colapso da bolha imobiliária nos Estados Unidos.

Desaceleramento

Na Índia, os efeitos deste colapso foram temporariamente mantidos em suspenso através de uma política fiscal agressiva que violou os limites da proporção do déficit orçamental/PIB. Com a reimposição deste limite, que ocorreu mais ou menos na altura em que o Governo Modi assumiu o poder, o desaceleramento afetou também a Índia.

A manifestação mais clara da crise atual na Índia é a taxa de desemprego extremamente elevada. O desemprego, como observamos anteriormente, estava crescendo sob o neoliberalismo mesmo antes da crise, porque a taxa de crescimento do emprego estava abaixo da taxa natural de crescimento da força de trabalho. No caso da Índia, devemos mencionar também os agricultores em dificuldades que se deslocam para as cidades em busca de emprego. Com o início da crise, assistimos a um novo aumento do desemprego devido à insuficiência da procura.

O desemprego é o problema mais grave que a Índia enfrenta atualmente. Devido à precarização em grande escala da mão de obra, ela assume a forma de uma redução das horas de trabalho para a maioria das pessoas, em vez de uma completa falta de trabalho para algumas. Como resultado, é difícil de captar através de medidas convencionais.

“A manifestação mais clara da crise atual na Índia é a taxa de desemprego extremamente elevada.”

No entanto, os resultados dos inquéritos que questionam as pessoas sobre a sua própria situação de emprego revelam um salto significativo na taxa de desemprego durante os anos pós-pandemia. Verificou-se também um aumento significativo da procura de emprego no âmbito do programa governamental de ajuda às zonas rurais, conhecido como Mahatma Gandhi National Rural Employment Guarantee Scheme, o que também confirma o fenômeno do aumento do desemprego.

O desemprego é particularmente grave entre os jovens – 44% da faixa etária dos vinte a vinte e quatro anos, de acordo com um relatório da Organização Internacional do Trabalho – e na Índia rural. Os salários reais dos trabalhadores rurais permaneceram, na melhor das hipóteses, estagnados desde 2014-15, e talvez até tenham diminuído (dependendo do deflator utilizado). No caso dos trabalhadores da construção civil, um segmento numericamente grande da força de trabalho, os salários diminuíram certamente, o que confirma ainda mais o crescimento do fenômeno do desemprego.

Certamente, os dois fenômenos – aumento do desemprego e estagnação ou redução dos salários reais – explicam, em conjunto, o aumento da privação nutricional absoluta já referido. Este aumento é apenas parcialmente atenuado, mas não anulado, pelo regime governamental de fornecimento gratuito de cinco quilos de cereais alimentícios por mês para cerca de oitocentos milhões de beneficiários. Este regime tem sido mantido desde os anos de pandemia, contra as convicções professadas pelos detentores do poder.

Aliança Empresas-Hindutva

O fato de o governo Modi abraçar de todo o coração o neoliberalismo, mesmo quando a crise desse modelo econômico está causando sofrimento em massa, é precisamente o que constitui a sua atração para o monopólio de capital indiano.

O apoio anterior ao neoliberalismo, na crença de que este traria um crescimento rápido que, em última análise, beneficiaria a todos, desaparece quando há desemprego em massa e uma angústia aguda. É nessa altura que o neoliberalismo precisa de um novo apoio para se sustentar, para a qual forma uma aliança com elementos neofascistas.

Na Índia, essa aliança neoliberal/neofascista assumiu a forma específica de uma aliança empresarial-Hindutva. O governo Modi é uma expressão desta aliança.

O seu objetivo é provocar uma mudança no discurso, de modo com que as questões do desemprego, da inflação e das dificuldades econômicas passem para segundo plano. Entretanto, o supremacismo hindu passa para primeiro plano, mesmo quando o governo continua seguindo uma estratégia neoliberal agressiva em benefício do capital globalizado e do capital monopolista doméstico a ele integrado.

“O fato de o governo Modi abraçar de todo o coração o neoliberalismo, mesmo quando a crise desse modelo econômico está causando sofrimento em massa, é precisamente o que constitui a sua atração para o monopólio de capital indiano.”

O neofascismo apresenta todas as características do fascismo clássico: repressão estatal que subverte as instituições democráticas e revoga os direitos democráticos; um ataque aos direitos duramente conquistados pelos trabalhadores e camponeses; a combinação da repressão estatal com a violência de rua por bandidos fascistas; e a “alterização” de um grupo minoritário infeliz e o fomento do ódio contra ele.

Podemos também observar uma estreita ligação com o capital monopolista – especialmente com um novo estrato de capital monopolista constituído pelos comparsas do governo – bem como a apoteose de um líder supremo e uma imensa centralização de poderes e recursos. Isto permite levar adiante uma agenda de contrarrevolução social, que na Índia significa reverter os progressos feitos no sentido de ultrapassar a opressão de casta e de gênero.

No atual contexto internacional, há de acrescentar a esta lista de características a adesão ao neoliberalismo e a acomodação ao capital globalizado, do qual o capital monopolista nacional é parte integrante.

Discurso de divisão

Contudo, ao contrário do fascismo clássico, o neofascismo não consegue ultrapassar os problemas da crise econômica e do desemprego em massa. Isto porque o aumento das despesas do Estado para aumentar a procura agregada só pode funcionar se for financiado por um déficit fiscal ou pela tributação dos ricos.

As despesas do Estado financiadas pela tributação dos trabalhadores, que de qualquer modo consomem a maior parte de suas rendas, não aumentam a procura agregada. No contexto atual, as finanças globalizadas desaprovam a ideia de um maior déficit fiscal ou de impostos mais elevados sobre os ricos.

Se o Estado não ceder totalmente aos caprichos do capital globalizado, expõe a economia ao perigo da fuga de capitais, que ela não pode suportar. O Governo de Modi pouco pode fazer para vencer o desemprego, o que o torna ainda mais dependente de um discurso divisionista e diversionista.

“O Governo de Modi pouco pode fazer para vencer o desemprego, o que o torna ainda mais dependente de um discurso divisionista e diversionista.”

Esta abordagem é claramente evidente durante as atuais eleições indianas. Embora os observadores confirmem que existe uma grande preocupação pública com o desemprego e que os principais partidos da oposição têm abordado esta questão nas suas campanhas, não se encontra qualquer referência ao desemprego nos discursos de Modi e de outros líderes do Partido Bharatiya Janata (BJP).

Em vez disso, falam do templo Ram que foi construído em Ayodhya e fomentam a animosidade contra os muçulmanos (chamando-lhes “infiltrados”). Eles têm propagado sistematicamente o mito de que o Congresso, se for eleito para o poder, vai tirar a riqueza dos hindus e distribuir para os muçulmanos!

É difícil imaginar um discurso mais divisivo, perigoso e falso que desvie a atenção de questões urgentes da vida material e dos meios de subspusiistência. Mas é isso que o BJP oferece, enquanto uma Comissão Eleitoral pusilânime se limita a olhar para o outro lado.

As atuais eleições parlamentares são de extraordinária importância para o futuro do país. Para o BJP, elas são um meio de legitimar, consolidar e perpetuar o seu domínio neofascista.

O partido tem imensos recursos financeiros à sua disposição, doados pelos seus apoiadores capitalistas monopolistas. Controla as agências centrais de investigação da Índia, que utiliza para prender opositores com base em casos falsos que nem sequer chegam a ser julgados durante anos, e para os aterrorizar com a ameaça de encarceramento. Também se infiltrou no sistema judicial indiano ou intimidou os seus funcionários.

Com estes recursos à sua disposição, e com o seu apelo religioso, o BJP espera reforçar ainda mais o seu controle do poder. Será que o povo trabalhador da Índia vai permitir que isso aconteça?

Sobre os autores

Prabhat Patnaik

é um economista indiano e autor, com Utsa Patnaik, de Capital and Imperialism: Theory, History, and the Present (2021) e A Theory of Imperialism (2016).

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Published in Ásia, Economia, Extrema-direita and Notícia

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