Resenha de February 1933: The Winter of Literature (“Fevereiro de 1933: O Inverno da Literatura”), de Uwe Wittstock (Wiley, 2023) e Literature and Politics: Selected Writings (“Literatura e Política: escritos selecionados”) de Robert Musil (Contra Mundum, 2023).
Os anos que antecederam a ascensão do Partido Nazista são geralmente considerados paradoxais do ponto de vista cultural. Enquanto a República de Weimar entrava em colapso, a república das letras florescia. Livros de Thomas Mann e Robert Musil eram enviados para serem impressos enquanto os fascistas lutavam contra os comunistas nas ruas. Mas tudo isso parece um paradoxo apenas à primeira vista.
Para a maioria dos escritores alemães, a queda da República de Weimar não trouxe muita inspiração literária. Alguns foram esmagados pelo peso do exílio; muitos foram mortos; a maioria preferiu esquecer o fato. Como observou Erich Kästner, que permaneceu na Alemanha durante todo o período nazista para narrá-lo na ficção: “O Reich de Mil Anos não tem matéria para um grande romance”.
February 1933: The Winter of Literature, livro publicado recentemente pelo crítico e ex-editor literário do Frankfurter Allgemeine Zeitung, Uwe Wittstock, traça a esfera cultural da Alemanha durante o mês em que Hitler tomou o poder e confirma amplamente o veredicto de Kästner. A ascensão do fascismo não foi definida pela crescente consciência política de homens e mulheres de letras, mas pela incapacidade deles de enfrentar o desafio do momento. É claro que houve exceções. Alguns, como Joseph Roth, perceberam cedo a ameaça do hitlerismo. Outros a canalizaram para a poesia, como Bertolt Brecht, que viria a escrever A Resistível Ascensão de Arturo Ui, com sua imperecível estrofe final:
Essa foi a coisa que quase nos dominou;
Homens: não se alegrem para já com a derrota dele!
Embora o mundo tenha se levantado e impedido o bastardo,
A cadela que o gerou está no cio novamente.
O fim do parlamentarismo sequer levou, como diz Wittstock, “mais tempo do que a duração das férias anuais”. Aconteceu de forma tão rápida que as pessoas não puderam realmente compreender todo o escopo do fato. Quando o jornalista Egon Kisch foi levado ao quartel-general da polícia de Berlim em 28 de fevereiro de 1933, ele se deparou com a presença do conhecido advogado Alfred Apfel, que havia representado muitos esquerdistas no passado. Que golpe de sorte, pensou Kisch, o fato de um advogado de confiança estar na delegacia. “Ei, Dr. Apfel, fui preso”, gritou ele. “Eu também”, foi a resposta que ouviu. Kisch logo percebeu que toda a estação estava lotada de pessoas notáveis de Berlim.
Edward Said já escreveu que “embora seja verdade que a literatura e a história contenham episódios heroicos, românticos, gloriosos e até triunfantes na vida de um exilado, esses não são mais do que esforços para superar a tristeza paralisante do distanciamento”. O exílio pode proporcionar uma certa “originalidade de visão”, segundo Said, mas também pode levar à perda “da perspectiva crítica, da reserva intelectual e da coragem moral”. Foi assim que os artistas foram afetados. Os livros de Alfred Döblin no pós-guerra, observa Wittstock, foram “fracassos”. Klaus Mann, filho de Thomas Mann, mostrou-se “incapaz de encontrar seu lugar no cenário literário alemão”. George Grosz pintou naturezas-mortas enfadonhas nos Estados Unidos. O dramaturgo de esquerda Ernst Toller se matou em Nova York.
A Academia Prussiana de Artes fornece, segundo Wittstock, “um senso representativo de como a resistência das instituições alemãs era escassa na época”. É a verdade. A academia havia sido recentemente dirigida pelo compositor e maestro Max von Schillings. Ele era um daqueles casos clássicos — ridicularizado por Roth em “The Auto-da-Fé of the Mind” (“O Auto-da-Fé da Mente”) — que culpava os críticos judeus por seus próprios fracassos profissionais. Ele se referia à República de Weimar como “Semitânia”. Sua responsabilidade era a de garantir a independência da academia; em vez disso, passou a expurga-la de seus alvos pessoais.
Schillings visou primeiramente Heinrich Mann e a artista Käthe Kollwitz, que haviam assinado uma declaração pública pedindo que o Partido Social Democrata e o Partido Comunista se opusessem juntos aos nazistas. Ele relatou à diretoria da academia que, embora eles não tivessem violado nenhuma regra formal, tal declaração havia chamado os nazistas de “bárbaros”, o que, por extensão, deveria incluir Bernhard Rust, o ministro da educação que atuava como curador da academia. Como pontua Wittstock, para Schillings, isso “violou um senso indispensável de tato”. A civilidade estava colocada a serviço do fascismo.
O “núcleo da coragem”, observou Musil certa vez, não está no coração, mas “em geral, na carteira”. Olhemos para o caso de Kollwitz, por exemplo. Seu sustento dependia do estúdio da academia; informaram-lhe que ela poderia mantê-lo, bastando se demitir “voluntariamente”. O poeta Oskar Loerke, por sua vez, preferiu a colaboração com o regime às dificuldades financeiras. Loerke achava que Mann e Kollwitz se envolviam em “terrorismo” retórico ao convencer as pessoas a se oporem a Hitler. Buscando manter seu cargo assalariado, ele se aproximou de Schillings, permanecendo na academia até quando seus membros foram obrigados a jurar “colaboração leal” com o novo governo.
As hesitações do próprio Musil em relação ao fascismo podem ser percebidas pela leitura de “Literature and Politics”, que apresenta uma seleção de seus ensaios, notas e discursos. O editor de Musil, Ernst Rowohlt, martelou “os parafusos no polegar de Musil” — conforme a expressão de Klaus Amann na introdução bastante extensa do volume —, dizendo-lhe que os nazistas poderiam proibir seus livros se ele os criticasse abertamente. Comparar esse conselho com a tortura de “parafusos nos polegares” pode parecer um exagero; ainda assim, Musil tinha que sustentar sua esposa Martha e temia que ela pudesse ser perseguida por ser judia se ele se manifestasse. Além disso, como disse um amigo de Musil, ele tinha uma “fraqueza de coração e uma ansiedade que beirava a hipercautela…ele sempre sentia que tinha motivos para ter medo”.
Não se pode dizer que Musil fosse corajoso, e sua época recompensava a covardia. Klaus Mann, reunindo a resistência literária por trás do Die Sammlung [revista política-literária de combate a Hitler], esperava que Musil pudesse contribuir. Mas quando sua primeira edição, publicada em setembro de 1933, declarou corajosamente seu propósito de se opor à “nova Alemanha”, Musil solicitou que fosse excluído da lista de futuros colaboradores. Em outubro, o governo nazista publicou uma declaração exigindo que as editoras retirassem os livros de qualquer pessoa associada ao Die Sammlung. Isso fez com que Thomas Mann, pressionado por seus editores, declarasse que havia sido enganado em relação à política da revista. Musil, sempre cauteloso, obviamente tomou essa medida antes do decreto nazista — ele chorou antes mesmo de ser ferido.
O dever, disse Musil, o obrigava a “criticar”, mas a prudência exigia moderação. Ele registrou em seu caderno particular a crueza do regime do chanceler austríaco Kurt Schuschnigg:
aulas obrigatórias de filosofia eclesiástica, repressão de tudo o que tem a ver com o espírito livre, e mais recentemente: preencher a Cátedra de Anatomia da Universidade de Viena com um homem muito jovem que escreveu um trabalho sobre frenologia alpina ou algo do gênero, e literalmente nada mais!
Mas Musil se absteve, em geral, de dizer essas coisas em público. Durante a Primeira Guerra Mundial, ele havia se unido ao fervor patriótico, elogiando a mobilização como “atavicamente mística”. A lição que tirou desse episódio foi que precisava subjugar suas paixões à razão. Nunca mais ele se lançaria em movimentos políticos, nem mesmo para combater o fascismo, passando a acreditar que o “escritor na arena pública” nunca seria mais do que um “observador impotente”. Se ao menos essa reflexão fosse resultante de longas lutas infrutíferas, então talvez pudéssemos guardar alguma simpatia para com ela — mas esse não é o caso.
Segundo Musil, defender a cultura significava resistir ao coletivismo, o qual, mesmo em sua forma mais benigna, era irreconciliável com os valores humanistas e, em sua pior forma, levava à “adoração nua e crua da violência”. Em um discurso, afirmou que o “estado total” de Benito Mussolini representava uma ameaça ao “espírito livre”, enquanto os alemães, em vez de protestar contra a tomada de poder de Hitler, haviam demonstrado não terem a menor medida de coragem civil: “o espírito se comportou da mesma forma que o corpo se comporta sob fogo de artilharia: ele se abaixou”.
Mas o mesmo poderia ser dito sobre o próprio Musil. Embora seu discurso tenha sido bastante moderado, ele se recusou a reimprimi-lo. Mais tarde, em uma palestra na Basileia, em 1935, ele afirmou que seus temores não haviam “se materializado”: o regime austrofascista havia se mostrado “tolerante” e “quase nenhum fio de cabelo” do “espírito livre” havia sido prejudicado. Nada menos presciente, para se dizer o mínimo.
Musil tinha uma aversão felina a comícios, slogans e protestos, como demostram alguns trechos de seus diários:
[Texto em destaque]
O escritor fala: eu nunca fui de festas. Sempre estive por conta própria. Cumpri meu dever. Mas agora eles querem me impedir de cumpri-lo. É por isso que estou aqui.
Na palavras de Amann essa declaração tem “o tom de uma última vontade e de um testamento”, porque resume a hostilidade à política de Musil à “escravidão política” e à “obediência servil”.
Porém, nesses mesmos anos, encontramos Musil considerando a possibilidade de ingressar na Vaterländische Front (VF), a organização política do estado austrofascista. Inspirada em parte pelo Partito Nazionale Fascista de Mussolini, ela tinha uma forte influência católica. Na esperança de garantir uma aposentadoria do serviço público — que nunca obteve — Musil de fato se tornou membro da VF em novembro de 1936. Neste momento, já passava ao largo de qualquer integridade moral.
O tradutor Genese Grill tenta justificar a adesão de Musil apontando que a VF era “fiel às forças socialistas antinacionais”. Mas isso na verdade significava apenas que os fascistas tinham lutas internas: a proibição do partido nazista pelo chanceler Engelbert Dollfuss se mostrou inútil, enquanto sua erradicação do movimento socialista garantiu que as forças antinazistas, sem seu bloco mais forte, perdessem. Ao contrário da insistência de Amann nesse ponto, a VF não era nenhum “caldeirão para aqueles que eram leais ao Estado”, tampouco foi desprovida de orientações políticas específicas: era reacionária, embora menos brutal do que suas equivalentes italiana ou alemã, e tinha por essência a hostilidade ao socialismo.
Amann argumenta que, com a posteridade assegurada do escritor, seria fácil interpretar a entrada de Musil à VF como “um ato politicamente irresponsável” ou um “suicídio intelectual”. Fácil? Talvez. Mas não errado.
Ainda assim, Musil demonstrou alguma coragem ao discursar no Congresso Internacional de Escritores para a Defesa da Cultura, realizado em Paris em 1935. Praticamente todos os oradores elogiaram a União Soviética nos termos mais luxuosos. Musil, no entanto, declarou que o próprio coletivismo — de esquerda ou de direita — tinha de ser combatido; ele julgava que a cultura não deveria ser recrutada pela política ou pela ideologia. O escritor alemão Bodo Uhse observa que este discurso de Musil já mostrava sinais doentios de “decadência burguesa”, afirmação que capta perfeitamente a mentalidade de um homem que havia se convertido do nazismo ao stalinismo.
Tudo isso é um corretivo grosseiro para a grande esperança de que a literatura seja o “legislador não reconhecido” da sociedade. O escritor pode não ser um “observador impotente”, mas são os movimentos políticos, e não os poetas, que fazem a história. Houve heróis como Toller que organizaram a resistência intelectual ao nazismo: escreveram panfletos, assinaram petições, convocaram comitês. Nada disso teve um impacto efetivo. O público alemão, observa Wittstock, achava que a seção de literatura da academia expressava “a voz intelectual da nação”; em realidade, ela estava paralisada por disputas internas mesquinhas. Enquanto isso, Brecht propôs a alguns camaradas que eles deveriam “criar uma Schutzstaffel [conhecida como SS, era a polícia de estado nazista] para escritores ameaçados”. Mas Heinrich Mann logo pôs em xeque a ideia de Brecht: como um punhado de lutadores amantes da poesia poderia enfrentar as tropas de choque nazistas?
Sobre os autores
Gustav Jönsson
é ensaísta e crítico radicado em Londres