O capitalismo filantrópico é a promessa mais recente de desenvolvimento internacional. Ao contrário dos filantropos tradicionais, que ficavam contentes em apenas assinar cheques em nome de boas causas, os “capitalistas filantropos” como Bill Gates e George Soros supostamente tem transformado a ajuda ao desenvolvimento através da infusão de princípios de negócios como inovação, eficiência e empreendedorismo.
Michael Green e Matthew Bishop celebram essa transformação em seu best-seller “Philanthrocapitalism: How the Rich Can Save the World and Why We Should Let Them” (“Capitalismo Filantrópico: Como os Ricos Podem Salvar o Mundo e Por Que Devemos Deixá-los Fazer Isso”). Bishop e Green argumentam que o capitalismo filantrópico seria um “novo contrato social”, em que a desigualdade crescente deveria ser aceita em troca de “os ricos enxergarem sua riqueza excedente como a propriedade de muitos, e eles mesmos como depositários, cujo dever seja administrá-la para o bem comum.”
Se os ricos não forem suficientemente generosos, eles alertam, “arriscam provocar o público rumo a uma reação política contra o sistema econômico que permitiu a eles se tornarem tão ricos.” Este perigo é bem compreendido pelos “principais beneficiários da sociedade do Vencedor-Leva-Tudo, que se preocupam cada vez mais com os riscos políticos da crescente desigualdade e estão concluindo que a filantropia pode ser uma das melhores formas de administrar tais riscos.”
Em uma metáfora caracteristicamente divertida e sugestiva, Slavoj Zizek comparou essa estratégia ideológica ao fenômeno dos laxantes de chocolate: cada um apresenta a causa de um problema – o chocolate constipa, o capitalismo empobrece – como a solução para seus próprios sintomas patológicos. O exemplo favorito de Zizek é Soros: especulador, filantropo, e um dos homens mais ricos do mundo.
Soros é notoriamente conhecido por obter vastos lucros ao precipitar a destruição financeira de economias inteiras. Em 1992, ele pressionou o Reino Unido para fora do Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio e rumo à recessão através de um curto-circuito da libra esterlina, lucrando algo estimado em 1 bilhão de dólares em um único dia. Ele também tem sido responsabilizado por disparar a crise financeira no Leste Asiático em 1997 através de vendas a descoberto do baht tailandês e do ringgit malaio, e foi acusado de desempenhar um papel nos ataques especulativos ao iêne em 2013.
No entanto, membros das elites liberais ao redor do mundo saúdam Soros por canalizar para projetos filantrópicos grandes quantidades de uma riqueza ganha de maneira dúbia – primariamente através de sua Fundação Sociedade Aberta, que promove democracia, livre-mercado, e desenvolvimento econômico ao redor do mundo.
O paradoxo do laxante de chocolate certamente se aplica a este caso. É bastante estranho, porém, que o próprio Soros apele para uma metáfora escatológica ainda mais lúgubre para descrever suas atividades. Em seu livro, “A Crise do Capitalismo Global”, Soros reflete sobre seu papel duplo como especulador e filantropo, observando que “às vezes me sentia como um trato digestivo gigante, engolindo dinheiro em uma ponta e expelindo pela outra.”
As ramificações psicanalíticas desta frase teriam feito Freud feliz por uma vida, mas elas não precisam nos deter aqui. Ao invés, podem servir como um ponto de partida para uma parábola sobre o capitalismo filantrópico .
No mundo das altas finanças, Soros é famoso por seu conceito de “reflexividade”, de acordo com o qual as transações de mercado impactam os sinais de preço para os quais elas respondem. Contudo, em seu trabalho filantrópico, Soros enfatiza o perigo constante de “consequências não-intencionais”. Ele não considera, entretanto, a possibilidade de uma relação entre essas duas dimensões.
Em outras palavras, nunca ocorre a ele que ciclos de retroalimentação possam ser estabelecidos entre suas atividades especulativas e seus projetos filantrópicos de formas não-intencionais. Na fábula que estou prestes a contar, veremos como Soros não está apenas “engolindo dinheiro em uma ponta e expelindo pela outra,” mas está também comendo aquilo que sai dessa outra ponta.
O projeto aldeias do milênio
Uma das atividades filantrópicas mais proeminentes de Soros tem sido o suporte para o Projeto Aldeias do Milênio, encabeçado pelo economista de desenvolvimento e celebridade Jeffrey Sachs. A aliança entre Sachs e Soros vem de longa data.
Em 1989, por exemplo, Soros pagou para Sachs aconselhar o governo polonês no planejamento e implementação de seu pacote de “terapia de choque” de reformas neoliberais, que resultou em aumentos massivos na pobreza e na desigualdade, enquanto abria o país para o capital transnacional. Como conto em meu livro, Sachs depois renasceu como um suposto salvador da Africa, e é agora um dos principais defensores do capitalismo filantrópico.
Em 2005, Sachs fundou a “Aliança Promessa do Milênio” em parceria com o bilionário capitalista de risco Ray Chambers. A Promessa do Milênio é uma organização de capitalismo filantrópico com mais de 200 parceiros, incluindo fundações de muitos dos indivíduos mais ricos do mundo e das corporações multinacionais mais proeminentes. Ela financia o projeto Aldeias do Milênio, que foi lançado em 2006 em 10 países da África Subsaariana e que pretende atingir os Objetivos do Milênio através de um conjunto abrangente de intervenções no nível das aldeias para tentar catalisar a transição “de camponeses de subsistência para empreendedores de pequena escala.”
Soros, um membro da Promessa do Milênio, é também o maior investidor individual no projeto Aldeias do Milênio, começando por doar 50 milhões de dólares ao projeto em 2006. Meia década depois, Soros reivindicou que sua fé em Sachs tinha sido vingada mais uma vez : “Cinco anos atrás eu acreditei que o Projeto Aldeias do Milênio merecia uma chance. Depois de acompanhar de perto seu progresso, agora acredito que ele deve aumentar sua escala.”
Em um evento cintilante em Nova Iorque, Soros apareceu ao lado de Sachs e do Secretário Geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, para anunciar que a Fundação Sociedade Aberta iria doar outros 27 milhões de dólares para o Aldeias do Milênio, enquanto seu Fundo Soros de Desenvolvimento Econômico iria considerar um financiamento adicional de “até 20 milhões de dólares em projetos de negócios dignos de investimento.”
Soros gosta de enfatizar seu envolvimento próximo em seus projetos filantrópicos, e o cuidado que toma na seleção dos recipientes que mais merecem sua generosidade. No caso do Aldeias do Milênio, entretanto, a base para a sua confiança no projeto não está clara. Na época em que anunciou a segunda porção de financiamento, as reivindicações de sucesso extravagantes do projeto já tinham sido minadas de forma abrangente.
Em 2010 um documento de trabalho do Banco Mundial mostrou que o Aldeias do Milênio não havia feito comparação entre os ganhos dentro das aldeias do projeto com as mudanças em aldeias próximas, em condições semelhantes, que não haviam sido incluídas no projeto. Sem tal comparação, as afirmações de sucesso do projeto não tinham fundamentação, já que seria impossível julgar até que ponto as melhorias dentro das Aldeias do Milênio podiam ser atribuídas ao projeto.
Além disso, os controles rígidos que o projeto coloca sobre a pesquisa de campo independente significa que existe muito pouca informação sobre a implementação das Aldeias do Milênio que não seja produzida e controlada pelo projeto em si. Ao colocar tamanha fé infundada no Aldeias do Milênio, Soros estava arriscando precisamente as “consequências não-intencionais” que ele tanto teme – e estas repercussões infelizmente acabaram incluindo o ciclo de retro-alimentação entre as duas pontas do “trato digestivo”. É o caso da Aldeia do Milênio de Bonsaaso.
A aldeia que virou ouro
Em 2014 visitei Bonsaasso, na Gana central, para julgar com meus próprios olhos o sucesso do Aldeias do Milênio. Bonsaaso na verdade não é apenas uma aldeia, mas um conjunto de 30 aldeias que se espalham sobre 350 km² de terras, com uma população combinada de mais de 30.000 pessoas.
Diferente de outras Aldeias do Milênio, que estão localizadas em regiões em que predomina a produção agrícola, Bonsaaso está localizada no meio do Cinturão do Ouro de Ashanti, e a mineração artesanal tem sido parte da economia regional por séculos. O setor agrícola de Bonsaaso tem também produzido cacau para os mercados mundiais desde o século XIX. O Aldeias do Milênio está portanto tentando “transformar camponeses de subsistência em empreendedores de pequena escala” numa região dominada pela mineração do ouro e pela agricultura comercial.
Desde seu lançamento em 2006, este empreendimento quixotesco foi surpreendido por uma corrida do ouro em nível global. Entre 2001 e 2011, o preço do ouro nos mercados internacionais subiu de menos de $9 para $67 a grama. Esse aumento fenomenal disparou uma caçada mundial por minas de ouro em estado bruto. Essas minas são definidas não pela quantidade de ouro dentro delas, mas pelo potencial para serem extraídas de forma lucrável. Em algum momento em 2010, o preço do ouro atingiu uma certa altura que transformou as rochas sob Bonsaaso numa mina em potencial.
Mineradoras de ouro de todo o mundo logo aterrissaram em Bonsaaso. Até então a mineração na área havia sido dominada por gangues locais chamadas de galamsey, que trabalham em pequenos poços com as próprias mãos. Em contraste com esta prática há muito estabelecida, as mineradoras estrangeiras em Bonsaaso compraram escavadoras e outras maquinas pesadas, causando destruição ecológica de uma magnitude diferente.
Na zona rural de Gana as terras são mantidas pelos chefes em nome de suas comunidades, então as mineiradoras tiveram de subornar esses chefes para ganhar acesso a elas. Assim, elas conseguiam penetrar nas terras ricas em ouro – frequentemente sem informar antecipadamente os camponeses – cavavam com suas escavadoras, exauriam os depósitos de ouro, e deixavam para trás uma paisagem estéril, impossível de se plantar.
A explosão do ouro em Bonsaaso trouxe trabalhadores de todo o país, e de países vizinhos como Togo e Benin. A resultante carência de acomodações, com migrantes muitas vezes dormindo no relento ou em condições abarrotadas, levou a epidemias de erupções cutâneas e outras doenças.
Gravidez adolescente e doenças sexualmente transmissíveis também aumentaram. O desmatamento se acelerou, estradas foram destruídas por equipamento pesado de mineração e os principais rios de Bonsaaso estão agora tão poluídos que as pessoas não podem lavar suas roupas neles. Mineiros morreram em colapsos de poços, e crianças se afogaram após cair em águas paradas, cheias de pernilongos, dos poços de mineração abandonados, que também geraram um pico nos casos de malária.
Polícia, Forças Armadas, e forças de segurança privadas têm expulsado violentamente as gangues locais dos galamsey dos lugares mais ricos. Essas gangues são agora forçadas a trabalhar em terras pobres ou em poços abandonados pelas companhias estrangeiras. Enquanto isso, os pequenos agricultores que perderam suas terras têm gastado rapidamente as magras compensações que receberam por elas, e estão migrando para as cidades, ou procurando por trabalhos diaristas nas minas e em fazendas maiores.
A maioria das mineradoras estrangeiras em Bonsaaso são chinesas, mas também há mineiradoras britânicas, estadunidenses, canadenses, russas, portuguesas, espanholas e indianas operando na região. Um membro de uma mineradora canadense com quem falei me explicou candidamente como subornou chefes e oficiais do governo para ganhar uma concessão de 50 acres de florestas e campos agrícolas. Ele afirmou que essas terras continham 1.5 gramas de ouro por tonelada de matéria bruta, e que esperava lucrar 6 milhões de dólares ao refinar o ouro em Accra e exportar barras de 24 quilates.
A bela alma da filantropia dos bilionários
A corrida do ouro em Bonsaaso constitui um caso claro daquilo que David Harvey chama de “acumulação por espoliação”. Os recursos limitados de uma população marginalizada e empobrecida estão sendo arrancados deles para alimentar uma bolha especulativa de uma mercadoria em meio a uma crise global do Capitalismo.
Esse não é o tipo de narrativa que Soros e outros ricos financiadores do Aldeias do Milênio gostam de ouvir sobre a acumulação de capital. Ao invés de confrontar realidades tão brutais, eles preferem manter a posição de “bela alma”, que foge dos horrores do mundo a sua volta. Sachs e o projeto Aldeias do Milênio compreendem isso muito bem, e isso explica sua resposta à crise em Bonsaaso.
Em 2012, no pico da corrida do ouro em Bonsaaso, a liderança do projeto em Nova Iorque despachou pelo menos três missões de pesquisa para Bonsaaso para investigar a situação. Os relatórios internos resultantes descrevem todos os elementos da acumulação por espoliação que eu descobri, e são unânimes em sua avaliação da gravidade da situação e de suas implicações para o Aldeias do Milênio. O terceiro desses relatórios, datado de Julho de 2012, resume assim a situação:
“A chegada das mineradoras chinesas nos últimos dois anos está marcada pela violência contra os membros das aldeias, o roubo de fazendas de cacau, danos ambientais extremos causados por péssimas práticas de mineração, manipulação da legislação de mineração, relatos de corrupção, de assulação de aldeões contra outros aldeões, de convocações dos aldeões para pegar em armas contra as mineradoras chinesas, e uma profunda ameaça não apenas para os benefícios do projeto Aldeias do Milênio, mas para a segurança ecológica e alimentar do distrito, e para a paz e bem-estar de seus povos.”
Lá pelo verão de 2012, a liderança do projeto possuía, portanto, uma compreensão bem clara do cataclisma. Ainda assim a página do Aldeias do Milênio não discute mineração de ouro, além de sugerir que este foi um setor da economia local “anos atrás”, que desde então “entrou em declínio”. As fotografias no site e em outros materiais promocionais descrevem Bonsaaso como uma utopia pastoral de felizes camponeses cultivando cacau e não incluem uma única imagem dos campos de mineração que dominam a paisagem por lá.
Em Julho de 2012, Sachs postou um cintilante relatório sobre Bonsaaso no site do Aldeias do Milênio, que negligenciava a menção à presença de mineração na região enquanto celebrava o sucesso do projeto em aumentar o rendimento das colheitas, melhorando as instalações educacionais, e reduzindo a malária e a subnutrição. Esse relatório era inconsistente com os dados contidos no segundo dos relatórios internos do projeto, datado do “verão de 2012”, e que foi produzido aproximadamente ao mesmo tempo.
De acordo com esses dados, entre 2006 e 2011, a porcentagem de famílias em Bonsaaso vivendo na extrema pobreza aumentou de 69.4% para 70.1%; a frequência da escola primária caiu de 81.1% para 72.9%; a taxa de mortalidade em crianças menores de 5 anos aumentou de 50 para 60 a cada 1.000 nascimentos; e o predomínio da malária passou de 63.4% para 71.8%.
O Aldeias do Milênio também falhou em tomar qualquer ação substantiva em resposta à crise. De fato, desde 2012, eles abandonaram a maioria dos programas em Bonsaaso. Em seis das nove vilas que visitei, o projeto parou de dar suporte a programas de alimentação escolar, que entraram todos em colapso. O projeto deixou de prover planos de saúde para as pessoas extremamente pobres, muitas das quais (se não todas) agora não possuem plano algum. Também deixou de subsidiar fertilizantes e sementes adquiridos à crédito, sendo que todos, com exceção dos agricultores mais ricos, não tem possibilidade de comprar esses insumos no preço de mercado.
Além disso, o Aldeias do Milênio deixou para trás uma série de projetos incompletos espalhados pela região, incluindo uma escola rural, uma estação de rádio comunitária, e dois banheiros públicos. Pilhas de canos foram abandonadas em três vilas diferentes, apesar da poluição severa dos rios e de outras fontes de água ao redor destas vilas.
Nas palavras de uma mulher local, o Aldeias do Milênio “veio para onde existe pobreza e dificuldade. Então eles vieram para ajudar, mas agora está pior. Eles não deixaram as coisas melhores. Quando estavam indo embora, eles não nos contaram. Eles partiram sem a gente saber.”
Benevolência bilionária?
Se nossa história acabasse aqui, Bonsaaso poderia ser desconsiderada como uma mera “consequência não-intencional” em que um projeto bem intencionado foi destruído por eventos fora de seu controle. No fim, seria difícil culpar o Aldeias do Milênio pela corrida do ouro global que tão rudemente esmagou suas fantasias de um capitalismo puro e bondoso.
Chegar a essa conclusão, porém, seria negligenciar a colaboração do Aldeias do Milênio com grandes jogadores na indústria global do ouro. A corporação brasileira de mineração Vale, uma das maiores companhias de mineração no mundo, privatizada na década de 90 por um valor irrisório (e com crédito público) em meio à onda neoliberal de “desestatização” na América Latina, vem financiando quatro novas Aldeias do Milênio em Zâmbia e Moçambique. Além disso, a corporação sul-africana de mineração de ouro AngloGold Ashanti investiu 1.5 milhões de dólares no Aldeias do Milênio e está construindo uma Aldeia do Milênio em suas minas em Guiné e na Tanzânia.
Tanto a Vale quanto a AngloGold Ashanti receberam recentemente o prêmio anual “Olho Público” para as corporações com o “maior desprezo pelo meio-ambiente e os direitos humanos.” (A AngloGold Ashanti venceu o prêmio em 2011 e a Vale, em 2012.) A lógica para a premiação da AngloGold Ashanti foi a contaminação ambiental e as violações dos direitos humanos em suas minas ganenses, particularmente em Obuasi, um distrito vizinho de Bonsaaso. O Aldeias do Milênio está contribuindo para a companhia restaurar a sua “identidade de marca”, como demonstrado pela sua proeminência no relatório de sustentabilidade de 2012 da companhia.
As contradições não acabam aqui. Mapas na Comissão Ganense de Minerais revelam que a AngloGold Ashanti detém uma concessão de mineração em larga-escala no centro de Bonsaaso. Várias companhias de mineração menores garantiram licenças de mineração em pequena-escala nessas terras, o que só poderia ter ocorrido com o consentimento da AngloGold Ashanti.
Tais arranjos entre detentores de concessões de larga-escala e pequena-escala são negociados privadamente e normalmente envolvem um pagamento ao detentor da concessão de larga-escala pelo uso da terra. Em Bonsaaso, portanto, a AngloGold Ashanti se mantém lucrando com atividades que estão destruindo seu próprio símbolo de “Responsabilidade Social.”
E isso nos traz de volta a Soros, que permanece preso em uma encruzilhada semelhante. A estratégia de investimento de Soros parte da premissa da movimentação de dinheiro em quantidades suficientes para afetar os preços nos mercados em que ele está operando. Em suas próprias palavras, “Quando vejo uma bolha se formando, corro comprar, jogando combustível no incêndio.”
Em 2009, Soros identificou o ouro como “a bolha de ativos perfeita” e investiu 663 milhões de dólares em ouro e derivativos baseados em ouro. Isso elevou ainda mais o preço do produto e, assim, ajudou a disparar o gatilho do afluxo de mineradoras estrangeiras em Bonsaaso, que começou exatamente nesse momento. Através de suas atividades de investimento, Soros desencadeou portanto as forças que trouxeram à ruina seu próprio projeto filantrópico. Ao mesmo tempo, o ouro arrancado de Bonsaaso sustentou os derivativos sobre os quais ele lucrou imensamente.
Voltemos à curiosa metáfora com a qual nosso conto começou. Soros disse que se sentia como um trato digestivo, “engolindo dinheiro em uma ponta” (através de suas atividades especulativas), e “expelindo pela outra” (na forma de seus atos de caridade). Em anos recentes, para usar os termos um tanto chulos de sua metáfora, Soros tem comido ouro e defecado Aldeias do Milênio.
Mas no caso de Bonsaaso, nós vimos que a especulação de Soros elevou o preço do ouro até um ponto em que a Aldeia do Milênio de Bonsaaso se tornou ouro. Esse ouro foi arrancado de debaixo dos pés das pessoas que ele estava ajudando, de maneira ostensiva, e afunilado para o mercado global de ouro, que sustenta a sua própria riqueza.
Em outras palavras, a merda de Soros se tornou ouro, e ele a empurrou de volta para dentro de sua boca. Encarados pelo poder financeiro e pela santimônia moral do capitalismo filantrópico, nós devemos fazer uma pausa para refletir sobre a moral desta história: não confie em ninguém que come sua própria merda.
Sobre os autores
é coordenador de pesquisa no Centro Estratégico Nacional do Direito ao Território (CENEDET) em Quito, no Equador. É autor de "Jeffrey Sachs: the Strange Case of Dr Shock and Mr Aid" ("Jeffrey Sachs: O Estranho Caso de Doutor Choque e Senhor Ajuda"), publicado pela Verso, em 2014.
[…] quem vai conduzir uma mudança global rumo a uma economia de energias-limpas, e que embora ele ame filantropia, isso não substitui a taxação como mecanismo para gerar redistribuição de […]
[…] e diversa classe trabalhadora como uma merda. Por trás das cortinas de fumaça progressistas da Grande Filantropia e do falatório de interseccionalidade de RH, seus comitês corporativos de ação política […]
[…] Japhy Wilson. Contando com os bilionários https://jacobin.com.br/2019/09/contando-com-os-bilionarios/ […]