Resenha do livro The Party: The Comunista Party of Australia from Heyday to Reckoning, de Stuart Macintyre (Allen & Unwin, 2022).
“O comunismo foi um movimento político como nenhum outro”. Esta é a primeira linha do The Party, o segundo volume da história do comunismo australiano do falecido Stuart Macintyre, que começa no final da década de 1930, onde o primeiro volume, The Reds, parou.
A observação de Macintyre é um fato muito facilmente esquecido hoje em dia. Em boa parte do século XX, o comunismo foi um movimento global, com ramificações em quase todas as nações, que procurou transformar o estado atual das coisas. Ele exigiu e inspirou lealdade inabalável de seus membros, que construíram uma contracultura abrangendo quase todos os aspectos de suas vidas. Dessa forma, os partidos comunistas eram diferentes dos típicos partidos burgueses, que estendem a política apenas às eleições e à gestão dos interesses envolvidos.
Para a maioria dos militantes de esquerda de hoje, o relato de Macintyre é uma revelação. Por exemplo, Macintyre cita Hall Alexander, um eletricista, que ingressou no Partido Comunista da Austrália (CPA) nos anos 1940 e continuou membro até o amargo fim. Como explica Alexander, ele se filiou
porque nos deu uma razão para a loucura que havia. Porque nos transformou de incompetentes batedores de cabeças em algum tipo de estrategistas pensantes. Porque nos deu autoestima. Porque nos educou no conhecimento de que NÓS éramos melhores que eles.
Da ilegalidade a um movimento de massas
A ideia de que o comunismo era uma “experiência de vida transformadora”, explica Macintyre, é “raramente capturada em estudos sobre o tema”. Em seu relato, as histórias anteriores não conseguiram capturar a distinção do comunismo e como “carregou a vida de seus adeptos significativamente” ao reivindicar “jurisdição sobre todas as dimensões da atividade”. Talvez esse propósito histórico possa hoje parecer temerário. No entanto, parafraseando o grande historiador britânico E.P. Thompson, o comunismo fazia sentido para seus apoiadores por causa de sua própria experiência.
The Party começa no momento mais difícil do CPA. No final de 1939, o partido era ilegal e lutava para vender racionalizações implausíveis para o pacto de Joseph Stalin com Adolph Hitler. Após a invasão da Rússia por Hitler, no entanto, a URSS entrou na Segunda Guerra Mundial e o CPA voltou-se fortemente para apoiar o esforço de guerra. Em poucos anos, o CPA atingiria o apogeu de sua popularidade e influência, em grande parte devido ao papel da URSS na derrota do fascismo europeu. Refletindo o espírito da época, uma edição de 1945 do Australian Women’s Weekly trazia o Uncle Joe [“Tio Zé”, referência a Stalin] em sua capa, “pintado com uma jaqueta militar simples, cachimbo na boca, olhando resolutamente para o futuro”.
Do dia pra noite, os comunistas passaram de párias a patriotas quando uma onda de russofilia varreu a Austrália. Em 1941, apoiadores fundaram o Comitê de Ajuda Médica da Rússia, que vendia brincos de foice e martelo populares para financiar o esforço de guerra. Em 7 de novembro do mesmo ano, prédios públicos em toda a Austrália hastearam a bandeira soviética para marcar o vigésimo quarto aniversário da Revolução Russa.
Durante a luta contra o nazismo, o partido cresceu para estimados 22 mil membros, o que o ajudou a garantir posições influentes em sindicatos que eram fundamentais para o esforço de guerra, incluindo aqueles que davam cobertura aos mineiros, construtores, trabalhadores costeiros e indústria pesada. Esses “fortalezas sindicais” permaneceriam sob liderança comunista por décadas, compondo a maioria dos membros do partido.
Como Macintyre explica, o CPA se tornou “o principal partido da guerra”. Isso fez com que ele fizesse campanha por aumentos de produção em nome do antifascismo, enquanto reduzia as greves nas indústrias onde seus membros estavam concentrados. Isso rendeu ao partido uma influência substancial nos governos trabalhistas de John Curtin e Ben Chifley. Uma liderança referência do CPA, Ernie Thornton, chegou ao ponto de pedir que o partido se tornasse uma fração interna do Partido Trabalhista Australiano (ALP).
A entrada de novos membros ao partido permitiu-lhe adquirir novas instalações, incluindo a Marx House em Sydney e a Australia-Soviet House na Flinders Street em Melbourne. Em 1945, as vendas totais de publicações CPA atingiram três milhões de exemplares. Centenas de filiais suburbanas prepararam planos detalhados para transformar suas áreas locais na “paz do povo” que esperavam logo após a guerra.
A Guerra Fria
Em agosto de 1945, o CPA deu uma festa do lado de fora da Marx House em Sydney para celebrar o fim da guerra, abastecida por “um suprimento de álcool puro, trazido por alguns jovens cientistas da Universidade de Sydney, misturado com abóbora-limão”.
Ninguém estava preparado, porém, para a rapidez com que a maré viraria contra o CPA quando a Segunda Guerra Mundial deu lugar à Guerra Fria. Após meados da década de 1940, em que o comunismo era quase mainstream, os membros do partido logo se viram alvos de uma guerra ideológica que muitas vezes se transformou em violência e intimidação. Entre 1945 e 1948, a adesão ao partido caiu pela metade em relação ao seu ponto alto durante a guerra.
A catastrófica greve dos carvoeiros de 1949 marcou o início de uma caça-às-bruxas anticomunista. Isso foi seguido pela tentativa quase bem sucedida do primeiro ministro liberal Robert Menzies de proibir o CPA em 1950-51. Embora seu referendo para proibir o partido tenha falhado, em parte graças à solidariedade do ALP e dos sindicatos, a campanha de Menzies resultou na vitimização e perseguição dos comunistas. Em um caso, vários homens abordaram uma jovem usando um broche de foice e martelo e ameaçaram jogá-la nos trilhos. Casos como esses apenas promoveram uma sensação de isolamento e vitimização entre os membros do partido.
Ao mesmo tempo, a perseguição da Guerra Fria endureceu o compromisso dos quadros que ficaram, ao contrário dos “camaradas dos tempos favoráveis” que partiram. Em 1956, no entanto, dois eventos históricos abalaram até mesmo os mais leais defensores do CPA. Esses foram o discurso secreto de Nikita Kruschev, no qual ele denunciou o stalinismo, e a invasão soviética da Hungria, que se seguiu apenas alguns meses depois. Apesar do risco de serem rotulados de revisionistas burgueses, os membros do partido circularam secretamente o discurso de Kruschev entre si, com muitos descobrindo que ele tocava em dúvidas de longa data, muitas vezes reprimidas.
As consequências de 1956 reduziram o número de membros do partido em mais de 25%. Para aqueles que permaneceram, o objetivo da associação ao CPA mudou de transformar a Austrália para transformar o próprio partido. Segundo o historiador Pavel Kolar, o CPA compensou as esperanças frustradas de transformação revolucionária tornando-se uma “Nova Utopia”.
As dificuldades encaradas pelo CPA, no entanto, não devem dissuadir os leitores de The Party de insistirem na leitura. Macintyre também captura o distinto senso de humor que ajudou os comunistas a resistir. Por exemplo, durante o período de ilegalidade, a polícia ameaçou um grupo distribuindo panfletos estampados com “CPSU”. Os comunistas evitaram a prisão convencendo a polícia que “CPSU” significava “União do Setor Público da Commonwealth” e não “Partido Comunista da União Soviética”. Em outro exemplo da década de 1950, os comunistas driblaram as restrições de falar em público alugando um barco e navegando na esplanada de Fremantle.
O lento declínio do CPA fez crescer a introspecção e mais dois rachas. O primeiro veio em 1963, quando uma facção pró-China se separou para fundar o Partido Comunista da Austrália (marxista-leninista) [CPA(ML)]. Essa divisão foi seguida por outra oito anos depois, quando outro grupo partiu em protesto contra os movimentos da liderança do partido em direção ao “socialismo com características australianas” e sua condenação à invasão soviética da Tchecoslováquia. Esses stalinistas de linha-dura formaram o Partido Socialista da Austrália (SPA), alinhado a Moscou.
O CPA também abrigava um bom número de membros, incluindo alguns dos burocratas mais disciplinados, que viam esses desenvolvimentos com uma irreverência caracteristicamente australiana. Por exemplo, quando o oficial do partido Claude Jones viu em primeira mão o Grande Salto Adiante, ele notou sua falta de entusiasmo pelo plano de Mao Tsé Tung de “colocar fornos de aço no quintal de todos”.
A disposição de Macintyre de dar uma “chacoalhada” nos comunistas não é ilimitada. Por exemplo, ele cultiva um desprezo especial a Ted Hill, um advogado de Melbourne e chefe da dissidência CPA(ML), cujo stalinismo mau humorado só foi igualado pela sua visão de mundo conspiratória.
Fazendo história
Em retrospecto, é fácil classificar o comunismo australiano como um fracasso. No entanto, como bem Macintyre sabia, mais que a maioria, a história não é um jogo de soma zero. Os comunistas fizeram a história australiana, mesmo que não da maneira que poderiam ter escolhido, ou como a doutrina oficial do partido previa.
O trabalho do CPA nos sindicatos obteve melhorias substanciais, convencendo os trabalhadores de que a solidariedade e a militância podem melhorar suas condições mesmo sob o capitalismo. As organizações auxiliares e frentes de massas do partido também podem ser creditadas com vitórias substanciais. Zelda D’Aprano esteve na vanguarda da luta pela igualdade salarial para as mulheres. Shirley Andrews foi fundamental para fundar o Conselho de Direitos Aborígenes, resultado do seu longo compromisso de décadas com os direitos indígenas, uma causa que ela assumiu por atribuição do partido.
Frank Hardy, um dos autores literários mais renomados da Austrália, talvez tenha sido também o membro mais famoso do CPA. Seu clássico de 1968, The Unlucky Australians [“Os australianos sem sorte”], contou a história da greve de Gurindji, na qual pastores aborígenes saíram da estação Wave Hill exigindo pagamento justo e direitos à terra. O livro de Hardy foi crucial para ajudar os grevistas a contar sua história e mudou a forma como muitos australianos – incluindo o primeiro-ministro trabalhista Gough Whitlam – viam a questão dos direitos à terra dos aborígenes. De fato, diz-se que Whitlam começou a chorar ao ver o corpo de Hardy deitado em seu funeral em 1994.
Como Stuart observa, depois de deixar o partido, muitos ex-membros também fizeram contribuições substanciais. Peter Cundall, por exemplo, foi o candidato do partido ao Senado pela Tasmânia em 1961, antes de mais tarde ganhar fama como apresentador do programa muito aclamado Gardening Australia da Australian Broadcasting Corporation (ABC).
A narrativa de Macintyre em The Party termina em 1971, com a cisão que levou à formação do SPA. Embora organizacionalmente esgotado mais uma vez, o CPA dificilmente esteve fora dos relatos. Livres do stalinismo dogmático ou do maoísmo, os comunistas do partido foram por um caminho novo e mais independente.
1971 é também o ano em que o próprio Macintyre se juntou ao partido como estudante. Dada a sua saúde em declínio – bem como seu próprio envolvimento pessoal – ele foi incapaz de terminar uma história completa do CPA até a sua dissolução em 1991. Esta é uma tarefa que permanece para os historiadores de esquerda de hoje, e só pode ser fortalecida pelo espírito de fidelidade à abordagem de Macintyre à história.
The Party trata o comunismo não como um fracasso, mas como um movimento que deu um propósito à vida de seus milhares de adeptos. E, ao mesmo tempo, a abordagem perspicaz e crítica de Macintyre à escrita da história significa que seu último livro contém uma riqueza de lições que nos ajudarão a encontrar nosso próprio caminho em direção a um mundo melhor hoje.
Sobre os autores
é professor de história na Australian Catholic University, Brisbane. Ele escreve sobre movimentos sociais, transnacionalismo e outros aspectos da história contemporânea australiana e é co-anfitrião do podcast radical australiano Living the Dream.