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O economista polonês Oskar Lange, por volta de 1956. (Fox Photos/Hulton Archive/Getty Images)

O marxismo neoclássico de Oskar Lange revelou os limites do capitalismo

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Tradução
Tiago Camarinha Lopes

O economista polonês Oskar Lange misturou a teoria marxista com o brilhantismo matemático para dar uma contribuição vital à economia neoclássica. Porém, sua principal preocupação era demonstrar as falhas inerentes ao capitalismo e a viabilidade de uma alternativa socialista.

O trabalho do polonês Oskar Lange é um antídoto vital para a abordagem dominante da economia do século 21, na qual os economistas, divididos por doutrinas e metodologias, operam em comunidades fechadas de suposições e dados compartilhados. Esse modo de análise isola o pensamento padrão de cada comunidade da contribuição crítica daqueles que não compartilham de seus dogmas, enquanto exagera o significado dos dados dos quais cada escola se alimenta.

O legado intelectual de Lange desafia a distinção entre o campo predominantemente neoclássico da economia dominante e aquele do marxismo. Ele insistiu que o marxismo precisava das sacadas neoclássicas de Léon Walras para completar a teoria econômica de Karl Marx e fez contribuições notáveis ​​para a economia neoclássica do bem-estar e para a economia da informação, que agora são partes essenciais das tradições econômicas neoclássica e neo-keynesiana.

Para Lange, essa tese não era para completar um projeto acadêmico. Ela tinha o propósito revolucionário de mostrar como, no século 20, o capitalismo tinha atingido um beco sem saída, e o único caminho adiante era para o socialismo.

Era de revolução

Ajudou o fato de Lange ter vivido tempos revolucionários. Nascido em 1904, ele testemunhou a Revolução Russa e o colapso dos três impérios (Rússia, Áustria-Hungria e Alemanha) que dividiram sua Polônia natal antes dele completar vinte anos. O período entre guerras trouxe a desintegração do padrão-ouro do qual o capitalismo dependia para seus pagamentos internacionais, seguido pela Grande Depressão da década de 1930, na qual os níveis de empobrecimento e desemprego da Polônia excederam os de qualquer outro país industrial.

Em todo o mundo, governos democráticos, seguindo a rotina monótona de compromissos políticos e econômicos diários, descobriram que os desafios de restaurar os pagamentos internacionais e a atividade econômica nacional estavam além de seu alcance. Industriais e financistas se voltaram para o fascismo para conter a maré socialista e redirecionaram a agenda política para amparar a hierarquia empresarial existente.

Existe uma crença generalizada de que o pioneiro New Deal de Franklin Roosevelt salvou a democracia e abriu caminho para um modelo keynesiano de “capitalismo administrado” do pós-guerra que preservou o melhor do capitalismo, forneceu bem-estar e emprego e manteve a democracia. O custo dessa “idade de ouro”, na forma da Guerra Fria, guerras imperiais e estagnação social, raramente é reconhecido nos círculos radicais atualmente. No entanto, Oskar Lange, trabalhando em sua síntese marxista neoclássica, previu que isso aconteceria e tirou conclusões revolucionárias.

Entre três impérios

Lange nasceu em Tomaszów Mazowiecki, na parte da Polônia então governada pelo Império Russo, onde seu pai era um fabricante de tecidos. A família Lange é originária da Alemanha, mas se integrou à comunidade polonesa ao longo de gerações, mantendo apenas a fé luterana, na qual o jovem Oskar foi batizado. Quando tinha sete anos, ele foi diagnosticado com tuberculose óssea na articulação do quadril direito. O tratamento o deixou com uma perna mais curta e manco para o resto da vida.

Após a convalescença em Graz, na Áustria, ingressou na escola em Tomaszów. As escolas polonesas da época, como no resto do Império Russo, estavam repletas de conspirações de todos os tipos, refletindo as divisões na sociedade fora dos portões da escola. Nacionalistas e socialistas de várias vertentes radicais, bem como católicos e judeus, organizavam-se em segredo para se manterem fora do caminho da polícia secreta czarista.

No início da Primeira Guerra Mundial a polícia ainda tentava conter e reprimir os movimentos da revolução de 1905 que abalaram o regime czarista. A partir de 1915, a repressão czarista deu lugar à ocupação alemã da região de Tomaszów.

Lange se assumiu marxista em 1918, com uma pequena palestra para seus amigos em comemoração ao centenário de nascimento de Marx. Mais tarde naquele ano, o adolescente participou do desarmamento da guarnição alemã em Tomaszów e das boas vindas ao Conselho local de Delegados Operários, o equivalente aos sovietes que estavam sendo montados por trabalhadores e soldados na Rússia. Ele se juntou ao movimento da juventude socialista local.

Ao concluir o ensino médio, Lange começou a estudar economia na Universidade de Poznań. No entanto, ele achou a atmosfera lá muito conservadora e, depois de um ano, mudou-se para completar seus estudos na antiga Universidade Jaguelônica na antiga capital polonesa, Cracóvia.

Junto com a economia, ele continuou a se interessar por matemática e estatística, mas também por filosofia, antropologia e sociologia. Em 1927, ele se juntou ao Partido Socialista Polonês, apenas para ser suspenso (duas vezes!) nos anos 1930 porque se recusou a renunciar à ideia de colaboração política com os comunistas.

Estatística e socialismo

Depois de terminar seus estudos de graduação, Lange tentou encontrar trabalho como professor assistente, enquanto trabalhava em seu doutorado. No entanto, seu engajamento político muito público fez com que houvesse alguma relutância em nomeá-lo para ensinar economia política. Em vez disso, a universidade o contratou para ensinar estatística, enquanto ele trabalhava em sua tese de doutorado sobre os ciclos econômicos poloneses.

Tornou-se particularmente ativo em uma organização filiada ao Partido Socialista Polonês, a União da Juventude Socialista Independente. Reuniu intelectuais mais jovens simpatizantes do marxismo, mas críticos e independentes demais para se submeterem à disciplina leninista do Partido Comunista na esfera das ideias.

Vários dos membros do sindicato fizeram carreiras brilhantes no jornalismo, em organizações internacionais e — como Lange — em universidades. Entre eles estava Władysław Malinowski — nenhum parentesco com o famoso antropólogo Bronisław. Após a Segunda Guerra Mundial, Malinowski trabalhou nas Nações Unidas e estabeleceu a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).

No final de 1931, o sindicato iniciou um jornal mensal, o Socialist Review (Przegląd Socjalistyczny). Até as autoridades polonesas a fecharem no final de 1932, praticamente todas as edições da publicação continham um novo artigo de Michał Kalecki, outro jovem economista brilhante que estava derrubando a sabedoria aceita pela velha geração.

Marxismo neoclássico

Kalecki estava trabalhando naquela época com um economista monetário chamado Marek Breit. Nascido em 1907, Breit tinha completado seus estudos de doutorado na Cracóvia com uma tese sobre a teoria dos juros. Mais tarde, ele foi assassinado pelos nazistas em 1942.

Lange e Breit se juntaram para escrever uma contribuição para um volume que serviria de manifesto para a União da Juventude Socialista Independente. Seu ensaio, sob o título “The road to a socialist planned economy” (“O caminho para uma economia socialista planejada”), combinou a economia marxista com a análise de mercado neoclássica de uma maneira que era característica de Lange.

De forma simples, o argumento deles era que o capitalismo havia caído em depressão após o Crash de Wall Street porque os mecanismos de competição que deveriam trazer os mercados (incluindo o mercado de trabalho) ao equilíbrio — isto é, uma situação de pleno emprego — se romperam com a ascensão do monopólio. Ao contrário da visão dos economistas “burgueses”, eles sustentavam que o avanço da concorrência imperfeita não poderia ser revertido.

Para Lange e Breit, a única maneira de garantir um retorno ao dinamismo econômico era progredir para o socialismo. Sob esse sistema, as fábricas seriam controladas não tanto pelo Estado, mas por conselhos que representariam o que hoje chamaríamos de “stakeholders” em cada empresa: principalmente os trabalhadores, mas também representantes dos consumidores, do governo e das finanças.

Em seu modelo desejado, haveria uma obrigação imposta a cada empresa de empregar qualquer pessoa que se candidatasse a trabalhar na firma para garantir o pleno emprego. Isso, segundo os dois autores, também conteria a inflação salarial, uma vez que cada empresa teria interesse em manter os salários baixos o suficiente para evitar atrair mão de obra que não pudesse ser lucrativamente empregada.

O ativismo político de Lange continuou a atrapalhar suas tentativas de conseguir um emprego acadêmico permanente. Em 1934 a ajuda veio com a concessão de uma bolsa da Fundação Rockefeller para uma pesquisa de dois anos na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos.

O debate sobre o cálculo econômico socialista

Em seu caminho para os Estados Unidos, Lange publicou a primeira parte de um artigo de duas partes, “Sobre a teoria econômica do socialismo”, pelo qual ele é talvez mais conhecido hoje. Essa foi sua contribuição para um debate que os acadêmicos italianos Vilfredo Pareto e Enrico Barone haviam iniciado no final do século 19 sobre o escopo e significado dos preços sob o socialismo.

Nos anos 1920, Ludwig von Mises, Lionel Robbins e Friedrich Hayek argumentaram que o Estado não poderia substituir o mercado enquanto um mecanismo para gerar preços que trouxesse a oferta para o equilíbrio junto à demanda nos mercados. Portanto, eles insistiram, tentativas de introduzir o socialismo só poderiam resultar em desordem econômica, escassez e desperdício.

Nos anos que se seguiram à Revolução Russa, e mais tarde quando as economias capitalistas caíram em depressão durante a década de 1930, isso foi mais do que apenas uma discussão acadêmica. Foi uma crítica altamente politizada da experiência russa e, de fato, a qualquer intervenção estatal destinada a anular as forças “naturais” de oferta e demanda nos mercados.

A resposta de Lange para isso, em resumo, foi surpreendentemente simples. Ele ressaltou que o capitalismo não era um regime permanente de preços de equilíbrio. Os mercados estão frequentemente em desequilíbrio. Mas as forças da oferta e da demanda podem ajustar os preços para equilibrar os mercados.

Da mesma forma, em uma economia socialista, tudo o que seria necessário para que os mercados funcionassem adequadamente seria que os planejadores centrais anunciassem os preços e observassem onde surgia a escassez ou se acumulavam estoques indesejados. Os preços poderiam então ser aumentados para eliminar a escassez ou reduzidos para se livrar de estoques indesejados.

Dessa forma, uma economia planejada poderia “imitar” o mercado e trazer a economia ao equilíbrio — e provavelmente mais rápido do que poderia acontecer sob o capitalismo, com sua ampla fixação de preços. A escolha do consumidor permaneceria soberana e o mercado de trabalho poderia funcionar para permitir a livre escolha de profissão ou de comércio.

O debate continuou na década de 1940. A última palavra de Hayek sobre esse assunto, em 1948, colocava em dúvida a confiabilidade de qualquer informação econômica disponível para os planejadores centrais. Segundo Hayek, apenas os empresários tinham a “intuição” necessária para saber o que estava acontecendo nos mercados. De sua parte, a contribuição final de Lange, pouco antes de morrer em 1965, foi argumentar que os novos computadores eletrônicos poderiam realizar os cálculos necessários.

A revolução formalista

A contribuição de Lange para o que veio a ser chamado de debate do cálculo socialista mostrou que ele tinha as credenciais de um discípulo que não devia nada ao culto neoclássico dos mercados, sem  recuar em sua convicção de que o capitalismo não poderia fazer o mercado funcionar efetivamente. A única saída para esse impasse, acreditava Lange, era o socialismo.

Os ensaios sobre planejamento socialista tornaram-se o cartão de visitas de Lange na América. No entanto, o que realmente abriu as universidades norte-americanas para ele foram suas habilidades matemáticas. A economia nos Estados Unidos e na Europa estava (e ainda está) nas garras do que poderíamos chamar de “Revolução Formalista”. Isso consistia em transformar argumentos econômicos em modelos matemáticos e, em seguida, usar estatísticas sobre atividade econômica e empresarial para “verificar” tais modelos.

Desde a década de 1930, o formalismo tornou-se o método central da ciência econômica, questionado apenas por espíritos críticos à margem do campo profissional. Quando Lange cruzou o Atlântico, era considerada a ciência econômica do futuro.

A Sociedade Econométrica foi criada em 1931, patrocinada por economistas importantes como Irving Fisher e Joseph Schumpeter. No ano seguinte, o empresário Alfred C. Cowles criou o que se tornou a Comissão Cowles para financiar pesquisas sobre preços de ações — após a catástrofe de 1929, essa pesquisa permaneceu na obscuridade — mas também modelagem matemática e dados econômicos.

Economistas mais jovens e radicais, como Lange, foram atraídos pela modelagem matemática porque ela parecia oferecer a estrutura para planejar uma economia socialista que substituiria o “caos de mercado” do capitalismo. Com suas habilidades matemáticas e estatísticas, Lange era bem-vindo em todas as universidades norte-americanas, exceto nas mais conservadoras.

A síntese neoclássica

Lange fez bom uso de suas habilidades. Nos dez anos seguintes, ele publicou artigos formalizando elementos padrão da economia neoclássica em que a economia é trazida ao equilíbrio por mudanças nos preços, artigos fundamentais sobre economia do bem-estar e taxas de juros. Depois que sua bolsa foi concluída, ele retornou brevemente à Polônia, antes de voltar para os Estados Unidos para nomeações na Universidade da Califórnia, Stanford, e depois, a partir de 1939, para um cargo permanente na Universidade de Chicago.

Quando John Maynard Keynes publicou sua Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda em 1936, Lange produziu relatos matemáticos que ajudaram a lançar as bases do que veio a ser conhecido como a “síntese neoclássica”. Esses eram modelos simplificados de elementos da teoria de Keynes em que a flexibilidade de preços ou salários levaria a economia ao pleno emprego, mas tal flexibilidade também poderia ser substituída por gastos governamentais ou política de taxas de juros.

Esta versão grosseira do keynesianismo é a variedade mais conhecida da doutrina. No entanto, ela foi denunciada como uma caricatura das ideias do economista britânico, não apenas por colaboradores próximos de Keynes, como Joan Robinson e Richard Kahn, mas também pelo colega de Lange da Polônia, Kalecki, que agora estava na Grã-Bretanha trabalhando com Keynes e Robinson.

Esses críticos rejeitaram as interpretações da teoria de Keynes que foram transmitidas por Lange, bem como por figuras importantes como John Hicks e Paul Samuelson, que ganharam prêmios Nobel por seu trabalho. Eles argumentaram que tais interpretações eram essencialmente baseadas em modelos estáticos de equilíbrio geral. Tais modelos não levavam em conta a instabilidade e o desemprego inerentes a qualquer economia capitalista, como amplamente demonstrado no período entre guerras.

Em um aspecto, Lange não perdeu seu radicalismo. Por um lado, ele argumentou que a flexibilidade de preços e salários levaria uma economia ao equilíbrio de pleno emprego em condições de concorrência perfeita. No entanto, Lange sustentou que esse rápido ajuste de mercado não poderia mais ocorrer em uma economia dominada por monopólios e fixação de preços em cartéis.

Feudalismo industrial

Às vésperas da entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial, Lange circulou entre seus amigos e simpatizantes socialistas “Um programa democrático para o pleno emprego”. O programa era uma avaliação do New Deal e das medidas que seriam necessárias para levar os Estados Unidos a uma maior prosperidade e ao socialismo.

O programa de Lange começou com um resumo do que ele considerava ser os obstáculos à expansão econômica. Tal expansão foi necessária para superar o desemprego em massa, que não desapareceu nos Estados Unidos até que houvesse a mobilização de seus recursos produtivos em tempo de guerra a partir de dezembro de 1941. A Grande Depressão, argumentou ele, estava enraizada nas práticas monopolistas que dominavam a economia dos EUA.

Lange elogiou o New Deal, mas criticou a suspensão feita por Roosevelt da legislação antitruste anterior. Essa suspensão deu origem a um grau sem precedentes de concentração e centralização industrial que, para Lange, estava na base da depressão econômica dos Estados Unidos. O controle foi ainda mais centralizado pelo sistema de diretores em tempo parcial em conselhos de mais de uma corporação, e pelo controle das finanças corporativas por um pequeno grupo de bancos de investimento: JP Morgan aliado ao First National Bank, Kuhn-Loeb com Rockefeller, Mellon com du Pont.

Na visão de Lange, o estímulo econômico que as disposições fiscais do New Deal proporcionaram poderia compensar os efeitos deflacionários desses monopólios. Mas a economia não poderia mais sair da depressão com um retorno à competição industrial por meio de medidas antitruste eficazes. A predominância dos monopólios criou uma situação política incomum, na qual a única maneira de os “outsiders” competitivos garantirem sua posição econômica era formar seus próprios acordos tipo cartel e obter apoio do governo para eles, exatamente da mesma forma que o patronato político apoiava os monopólios existentes.

Nesse contexto, o apoio político tornou-se uma forma de garantia de preços, mas também levou à proliferação do monopólio. O mercado degenerou em um sistema de retenção organizada da produção em que o Estado foi chamado para dar a determinados grupos de interesse o direito aos preços e à produção.

O resultado foi uma espécie de feudalismo financeiro e industrial em que o governo garantia privilégios de monopólio e lucros. Em tal sociedade, quaisquer incentivos ao progresso desapareceram enquanto o desemprego e a insegurança econômica geravam discriminação, intolerância, fanatismo e estreiteza de visão, à medida que a burocracia estatal se integrava à oligarquia da alta finança e dos grandes negócios.

“The american way”

Lange concluiu que esse sistema era politicamente fraco e não conseguiria resistir à pressão dos “poderes totalitários”, pois tal regime hierárquico não poderia organizar a defesa da nação de forma eficaz. Como prova disso, ele apontou através do Atlântico para a Grã-Bretanha.

Lange argumentou que as restrições de monopólio e o medo das forças democráticas levaram o país às “suas dificuldades atuais” — isso era uma referência à ineficácia do esforço de guerra da Grã-Bretanha, antes que os Estados Unidos e a URSS se juntassem à luta contra a Alemanha nazista. Em sua opinião, a mesma perspectiva aguardava os Estados Unidos, onde a sociedade poderia usar seus direitos democráticos para desafiar o controle monopolista, ou então abandonar-se à ditadura totalitária.

Isso foi mais do que uma hipérbole política. A nostalgia do New Deal que celebra as conquistas econômicas inquestionáveis ​​de Roosevelt geralmente ignora o apoio de seu governo às grandes empresas. Foi só na geração seguinte após o New Deal que a mobilização dos afro-americanos e seus apoiadores forçaram a inclusão dos direitos civis na agenda política nos Estados Unidos.

O “Programa Democrático” de Lange nunca foi publicado na íntegra, embora à medida que a guerra avançasse, ele circulou várias versões do programa para outros economistas simpatizantes da causa socialista. Esses incluíam seu colega em Chicago, o economista monetário Maynard Krueger, que foi candidato a vice-presidente do Partido Socialista da América nas eleições presidenciais de 1940.

Partes do programa acabaram chegando a um livreto que ele escreveu em coautoria com Abba P. Lerner, The American Way of Business (“O jeito estadunidense de fazer negócios”). Este trabalho não era tanto uma exposição de como o capitalismo americano realmente funcionava, como seu título poderia sugerir, mas sim um manifesto para uma forma mais eficiente de capitalismo.

Lange extraiu os critérios de eficiência de sua conhecida economia do bem-estar, que por sua vez derivava de Pareto. Nessa abordagem, a eficiência seria assegurada pela fixação dos preços do produto iguais à utilidade marginal e ao custo marginal de produção.

Missão Moscou

Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, Lange apoiou a política de neutralidade internacionalista de Roosevelt, argumentando que as divisões políticas dentro da sociedade americana eram tão finamente equilibradas que a guerra contra as potências do Eixo da Alemanha e da Itália encorajaria a ascensão do fascismo americano. Mas ele fez um lobby firme para garantir vistos para socialistas poloneses e judeus presos na parte ocupada pelos soviéticos da Polônia e nos estados bálticos.

A entrada dos EUA na guerra, após o ataque do Japão a Pearl Harbor, esclareceu as lealdades de Lange. Ele se tornou um ardente defensor da cooperação internacional para derrotar o fascismo. Esse compromisso foi posto à prova em abril de 1943, quando o regime nazista anunciou que seus soldados haviam descoberto os túmulos em Katyń, perto de Smolensk, de milhares de oficiais e civis poloneses executados pela polícia secreta soviética, o NKVD.

O governo polonês no exílio, com sede em Londres, exigiu um inquérito da Cruz Vermelha Internacional. A liderança soviética, que alegou serem os nazistas os responsáveis ​​pelo massacre, rompeu relações diplomáticas com o governo sediado em Londres. Este último incluía representantes do Partido Socialista Polanês.

A liderança do partido em Londres começou a ficar preocupada com as atividades de Lange. Embora agora tivesse cidadania americana, o economista fazia campanha ativa entre a comunidade polonesa nos Estados Unidos em apoio à cooperação contínua com o esforço de guerra soviético, com, ou mesmo sem a participação ativa do governo polonês no exílio.

Após a Conferência de Teerã entre Roosevelt, Joseph Stalin e Winston Churchill no final de novembro de 1943, as autoridades soviéticas indicaram que estariam dispostas a receber uma visita de Lange e de outro polonês apoiador da cooperação, o padre Stanisław Orlemański. No entanto, como os dois precisariam de passaportes, o embaixador soviético em Washington, Andrei Gromyko, fez um pedido formal às autoridades americanas para facilitar isso. Roosevelt concordou, mas com a condição de que a visita fosse tratada inteiramente como uma iniciativa privada de Orlemański e Lange.

Em abril de 1944, Lange voou de Chicago para o Alasca, onde foi apanhado por um avião militar soviético, para ser levado a Moscou. Ele permaneceu por cinco semanas na União Soviética, visitando unidades militares polonesas e organizações que se preparavam para a libertação da Polônia. Lange também teve reuniões com Stalin e o ministro das Relações Exteriores soviético Vyacheslav Molotov, bem como com diplomatas britânicos, americanos e outros aliados em Moscou.

Tendo causado indignação entre os poloneses de Londres e seus apoiadores, a visita foi um sinal de que a influência diplomática do governo polonês no exílio estava chegando ao fim. Assim como a de Lange. Naquela época, Lange tinha grandes esperanças de ser nomeado ministro das Relações Exteriores em um governo polonês do pós-guerra. Enquanto sua carreira política certamente decolou, ele nunca recuperou seu momentum intelectual.

Territórios em mudança

Quando as forças armadas soviéticas e as tropas polonesas aliadas chegaram ao território polonês, formaram um novo governo polonês que os aliados ocidentais eventualmente reconheceram às custas dos exilados baseados em Londres. Depois de concluir as palestras em Chicago, no final de 1945, Lange fez uma breve visita à Polônia antes de retornar aos Estados Unidos como o primeiro embaixador do novo governo em Washington.

Foi só depois de sua nomeação que ele percebeu que teria que renunciar à cidadania americana. Isto foi um golpe para suas esperanças otimistas de mediar entre as duas superpotências globais. No ano seguinte, foi nomeado embaixador polonês nas recém-formadas Nações Unidas. Ele participou de reuniões do Conselho de Segurança da ONU quando a Polônia se tornou um membro não-permanente e foi até eleito presidente do conselho. Lange liderou, ao que parecia, o esforço diplomático no Ocidente do novo governo polonês, dominado pelo Partido dos Trabalhadores Poloneses (PPR).

Este partido havia sido reconstituído em Moscou a partir dos remanescentes do Partido Comunista Polonês (KPP) de antes da guerra. O Comintern dissolveu o KPP em 1938, e o NKVD executou seus líderes soviéticos em meio a acusações de traição e “Luxemburgismo” (em referência à marxista polonesa Rosa Luxemburgo, uma bête noire[1] póstuma de Stalin).

Aliado ao PPR no novo governo estava o Partido Socialista Polonês (PPS), que havia ressurgido na Polônia após a guerra. A reconstituição do partido foi contra as instruções de sua liderança pré-guerra em Londres. No entanto, manteve a fidelidade da maior parte da classe trabalhadora polonesa. Lange e outros membros sobreviventes de sua União da Juventude Socialista Independente foram ativos na liderança da nova organização.

No entanto, o terreno que sustentava a recente proeminência política de Lange estava mudando. O fundamento último dessa proeminência era a cooperação aliada durante a guerra para derrotar o fascismo. A posição de Lange dependia do quanto as autoridades comunistas ainda poderiam obter dessa cooperação e por quanto tempo os governos ocidentais estavam dispostos a continuar a aliança com a União Soviética.

Com o início da Guerra Fria, os comunistas tinham menos a ganhar, uma vez que os governos ocidentais passaram à ofensiva contra a subversão comunista na Europa e na Ásia, que esses governos consideravam estar por trás dos movimentos de descolonização. Em 1948, Lange retornou à Polônia para discutir a unificação do PPS e do PPR.

Partido único, modelo único

O resultado dessas deliberações não estava em dúvida. Muitos socialistas poloneses saíram de campos de concentração nos quais os comunistas administravam as únicas redes de proteção clandestinas eficazes para sindicalistas e socialistas. Eles deviam suas vidas aos comunistas e ao Exército Vermelho, enquanto a luta contra o fascismo lhes mostrou a necessidade de unidade da esquerda.

Ao mesmo tempo, a marginalização da esquerda e o lançamento da caça às bruxas anticomunista no Ocidente encorajaram uma crença crescente entre os marxistas de que o capitalismo só poderia sobreviver tornando-se fascista. Nessa perspectiva, opor-se à unidade da classe trabalhadora era fazer o jogo do novo fascismo.

Lange foi além disso. Apenas três anos antes, em artigos sobre administração econômica soviética, concluídos enquanto ele terminava suas palestras em Chicago, Lange argumentara que o planejamento econômico soviético não poderia funcionar efetivamente sem o uso do mecanismo de preços. Agora, quando o líder iugoslavo Josip Tito se desentendia com Moscou, a paranóia sobre aquilo que foi chamado de “desvio nacionalista” se espalhava na Europa Oriental.

Em uma reunião final do PPS, Lange renunciou a seus esforços anteriores para promover um caminho para o socialismo que diferia do caminho traçado por Vladimir Lenin e o Partido Bolchevique depois de 1917. Ele agora argumentava que Luxemburgo estava errada em suas críticas à Revolução Russa.

Lange também acreditava que os socialistas poloneses não haviam reconhecido a experiência pioneira da União Soviética na construção socialista. Para ele, essa falha exemplificava o modo como o departamento de planejamento central, controlado pelo PPS, se afastava da teoria de Marx para calcular a renda nacional.

No entanto, essa questão de definição foi apenas um pretexto para Lange denunciar a estratégia do departamento de planejamento de planejar três setores da economia: um setor estatal, um setor cooperativo, mas também um setor privado. Como Lange agora via as coisas, a classe trabalhadora e o bloco de estados socialistas liderados pelos soviéticos deveriam estar juntos. Mas, nesse caso, a necessidade de qualquer visão polonesa distinta sobre (ou em) Washington desapareceu.

Lange auxiliou na elaboração do programa conjunto do PPS e do PPR para o novo Partido dos Trabalhadores Unido da Polônia (PZPR). Ele foi alistado, formalmente, com camaradas do antigo PPS na liderança do novo partido. No entanto, a facção do PPR que seguia a liderança de Moscou não confiava em Lange e logo o marginalizou.

Problemas econômicos do socialismo

Mais uma vez, Lange teve negada a oportunidade de ensinar economia política, desta vez na Universidade de Varsóvia, onde, em compensação, lecionou estatística. Na escola do PZPR para ativistas do partido, ele ensinou história do pensamento econômico. Os contratempos foram mais do que apenas profissionais. Seu casamento terminou quando sua esposa Irena, que se recusou a renunciar à cidadania americana, voltou para os Estados Unidos com seu filho Christopher.

Em 1952, Stalin publicou um livreto, Problemas econômicos do socialismo na URSS, no qual criticava aqueles que acreditavam que a abolição do capitalismo também removeu todas as “leis econômicas” do capitalismo. Lange viu uma oportunidade de retornar a algumas de suas ideias anteriores, fazendo da intervenção de Stalin o pretexto para reiniciar o debate sobre a gestão da economia socialista. Acusações de desvio ideológico já haviam frustrado essa discussão.

No entanto, Lange teve que acompanhar educadamente o progenitor do debate. Em uma resenha para o jornal polonês Nauka Polska (Polish Science), ele elogiou o novo trabalho de Stalin como

um grande acontecimento na história do aprendizado e particularmente do aprendizado da Economia Política. É um evento de profundo significado teórico, bem como de grande importância prática. Essa obra resume as experiências contemporâneas das nações e define as leis fundamentais que regem seu comportamento.

O louvor de Lange a Problemas econômicos do socialismo na URSS continuava como segue:

Além da descoberta da lei econômica básica do capitalismo contemporâneo e de suas consequências na situação mundial atual, a maior contribuição do último trabalho de Stalin para a Economia Política é o esclarecimento da natureza das leis econômicas sob condições socialistas, juntamente com a formulação das leis econômicas mais importantes características de um sistema socialista de produção.

Lange complementou as sacadas de Stalin sobre o planejamento econômico socialista com extensas citações das obras de Marx e Friedrich Engels, para mostrar que havia leis às quais uma economia socialista estava sujeita. Tais restrições não poderiam ser superadas por esforços “voluntaristas” por parte da administração estatal ou da classe trabalhadora, que nesse caso estavam fadados a causar caos e fracasso.

Lange estava se referindo à escassez generalizada resultante dos ambiciosos projetos de industrialização do Plano de Seis Anos da Polônia, abrangendo os anos de 1949 a 1955. Essa escassez estava frustrando os trabalhadores incapazes de consumir e as fábricas incapazes de cumprir os planos de produção por causa da insuficiência de matérias-primas. Uma tradução em inglês da resenha de Lange saiu nos Estados Unidos e fazia referência ao seu ensaio anterior “Sobre a teoria econômica do socialismo”.

Depois de Stalin

No expurgo de “desviacionistas nacionalistas” após a ruptura de Tito com Stalin, as autoridades comunistas polonesas prenderam Władysław Gomułka, o líder do PPR com quem Lange elaborou o programa conjunto do PZPR em 1948. A morte de Stalin em 1953 combinada com o fracasso do Plano de Seis Anos e a repulsa popular às táticas repressivas da facção dominante do PZPR fizeram de Gomułka o líder comunista mais popular — talvez o único popular — na Polônia.

Gomułka foi libertado da prisão e mais tarde convidado a assumir a liderança do PZPR após protestos generalizados de trabalhadores poloneses em 1956. Lange estava então promovendo a reforma econômica entre ativistas do partido e foi nomeado presidente do Conselho Econômico, aconselhando o governo sobre a reforma da administração econômica.

Ele também tinha funções estatais adicionais. Após a morte do “mini-Stalin” da Polônia, Bolesław Bierut, que muito apropriadamente esteve no funeral de Stalin, o PZPR seguiu a União Soviética na instalação de uma “liderança coletiva” na forma de um Conselho de Estado, para substituir o anterior presidente da república. Lange foi nomeado vice-presidente deste conselho.

Lange agora tinha muito pouco tempo para trabalhos acadêmicos. Sua última década foi passada dando palestras formais e ocasionalmente recebendo estudantes, entre a revisão e a assinatura de documentos oficiais. Ele iniciou o projeto de escrever um trabalho abrangente sobre economia política.

A burguesia, sustentava ele, buscou “liquidar a economia política quando esta se tornou uma ciência da classe trabalhadora e parte do socialismo científico”. Mas “as necessidades práticas da política econômica sob o monopólio e o capitalismo de Estado incluem uma certa quantidade de conhecimento econômico verdadeiro”. Tal conhecimento verdadeiro incluía a econometria e as ciências associadas da cibernética e da praxeologia (“a ciência da ação racional”).

Legado

Esta fase final da atividade intelectual de Lange não contava com a verve e a intuição criativa que caracterizaram seu trabalho antes da guerra. Um velho amigo dos Estados Unidos, John Kenneth Galbraith, visitou-o em Varsóvia e encontrou um homem desiludido que lamentava seu retorno à Polônia após a guerra. Galbraith pelo menos foi solidário. Outros eram menos caridosos.

Em julho de 1964, o aniversário de Lange foi comemorado com a publicação de um livro em sua homenagem, ao lado de um outro economista polonês mundialmente famoso, Michał Kalecki, a quem havia sido atribuído um título de doutor honorário. Estudiosos ilustres de todo o mundo contribuíram para ambas as coleções. No entanto, estudiosos americanos, entre os quais Lange ganhou destaque, com as notáveis ​​exceções de Paul Baran e Paul Sweezy, boicotaram seu volume.

Foi mais do que apenas um desentendimento profissional. Mais de um desses acadêmicos eram refugiados de guerra da Europa fascista que haviam se beneficiado do lobby de Lange junto às autoridades americanas para conceder vistos de entrada nos Estados Unidos e de suas extensas cartas de recomendação à Fundação Rockefeller, que havia apoiado acadêmicos refugiados. Não havia dúvida de que a associação de Lange com Stalin despertou indignação entre seus antigos amigos. E talvez a experiência do Macarthismo nos Estados Unidos estivesse muito viva entre eles.

Em janeiro de 1965, Lange viajou para a Itália para descansar. Em Cortina d’Ampezzo, ele adoeceu e foi transferido para um hospital em Veneza. No final de agosto, ele foi transferido para tratamento em Londres, onde morreu no Hospital Westminster em 2 de outubro.

Lange deixou um legado duradouro que vai muito além do debate do cálculo socialista pelo qual é mais conhecido hoje entre os historiadores do pensamento econômico. Uma grande parte do que os estudantes de economia hoje encontram em seus livros deriva de seu trabalho – e isso não é atribuído a ele. Mas talvez difícil mesmo seja explicar como uma economia tão impecavelmente burguesa saiu da pena de um marxista que tinha uma ligação com Stalin.


Agradeço ao Leverhulme Trust e o Institute for New Economic Thinking por apoiar a pesquisa de onde vem este artigo, e a Christopher Lange por sugestões colaborativas e correções de uma versão anterior.


[1] N.T.: na tradução literal do francês, fera negra. A expressão bête noire significa algo ou alguém que você não gosta e evita.

Sobre os autores

Jan Toporowski

é professor de economia e finanças na SOAS, University of London. Seus trabalhos incluem Michał Kalecki: An Intellectual Biography.

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Published in Economia, Europa and Livros

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