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Mário Machado na conferência de extrema direita em Lisboa, com a italiana Francesca Rizzi do Movimento Autonomia Nazionale, em agosto de 2019. Fotografia: Rafael Marchante/Reuters

Começou o julgamento do militante antirracista Mamadou Ba

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Mamadou Ba publicou nas redes a responsabilização de neonazistas por um assassinato e agora está sendo acusado por difamação, trazendo à tona questões sobre racismo e extrema direita em Portugal. Os próximos meses serão cruciais e precisamos ficar atentos.

O ativista antirracista luso-senegalês, Mamadou Ba, enfrenta um processo judicial acusado de calúnia e difamação por Mário Machado, um notório neonazista. O caso teve origem em uma publicação feita por Mamadou nas redes sociais em 2020, às vésperas do dia 10 de junho, data que marca o brutal assassinato de Alcindo Monteiro.

Na publicação que levou à denúncia, Mamadou declarou que Machado foi “uma das figuras principais” envolvidas no homicídio do cabo-verdiano ocorrido em 1995 no Bairro Alto, cometido por um grupo de ‘skinheads’ com os quais Mário Machado tinha vínculos.

“Pode não haver uma culpa coletiva, mas há uma responsabilidade coletiva. Para mim, é responsabilidade coletiva proteger as ameaças à democracia”, afirmou Mamadou Ba ao advogado de Machado, José Manuel de Castro, que representa o ex-dirigente do movimento ‘Hammerskins Portugal’, uma sucursal portuguesa da organização supremacista branca americana Hammerskins.

O advogado de Mário Machado criticou a estratégia da defesa, afirmando que eles desejam “politizar ao máximo” o caso, ressaltando ainda que julgamentos políticos “terminaram em 1974”, referindo-se ao ano da Revolução dos Cravos, que marcou o fim da ditadura fascista de Salazar no país.

Durante a audiência, Mamadou explicou à juíza Joana Ferrer que Mário Machado não é uma preocupação particular dele, mas sim o que ele representa para a sociedade. O ativista enfatizou que sua preocupação está além de questões individuais e morais, e que seu objetivo com sua intervenção pública está ligado à luta pela democracia. “Quando me manifesto no espaço público, é com o objetivo de defender a democracia e libertar o país das amarras do racismo e das discriminações. Como uma pessoa negra, eu sei que minha pele não me define, mas determina o lugar que ocupo em uma sociedade racista”, declarou Mamadou.

Cerca de sessenta pessoas acompanharam, em uma pequena sala, a primeira sessão do julgamento. Estiveram presentes alguns jornalistas, amigos, familiares e representantes de movimentos sociais. Mário Machado, no entanto, não participou da audiência.

Para Mamadou Ba, essa estratégia da extrema-direita de tentar instrumentalizar as instituições judiciárias para fazer combate político é clássica. Segundo ele, essa tática é usada, inicialmente, para silenciar qualquer proposta de alternativa à sociedade capitalista e minar a própria credibilidade das instituições para depois poder calar, alargando os passos de influência em um horizonte estratégico de conquista do poder.

“Na verdade, o que a extrema-direita faz com a instrumentalização da justiça é uma técnica política de conquista de poder e da legitimação da extrema-direita. É por isso que nós temos que estar muito atentos e atentas, focando nessa estratégia, pois já não são só as ‘fake news’ e a manipulação da opinião pública, é também uma ação através de infiltração nos mecanismos institucionais de regulação social: a justiça, a administração pública e a polícia”, reforça o ativista.

A salvaguarda neonazista

No dia 12 de maio, a defesa de Mário Machado convocou-o para depor e apresentou testemunhas em seu favor, incluindo sua ex-esposa e sua mãe. Ambas afirmaram que a publicação feita por Mamadou Ba teve impactos negativos em sua família, incluindo problemas de convivência escolar para os filhos de Machado, resultantes do episódio.

Mário Machado, ex-membro do Hammerskins Portugal e fundador do movimento político de extrema-direita ‘Nova Ordem Social’, declarou perante a juíza Joana Ferrer que tem “muito orgulho em ser nacionalista”. Ele enfatizou que esse sentimento não pode ser usado como justificativa para ser chamado de assassino.

Durante a audiência do dia 10, Mamadou Ba já havia reforçado que o nazismo representa uma ideologia potencialmente assassina, assim como o racismo, e que aqueles que professam o nazismo e o racismo são potencialmente assassinos. No entanto, Machado continuou insistindo na condenação do ativista por difamação, crime que ele próprio admitiu ter cometido, acrescentando que desde que deixou a prisão em 2017, não cometeu nenhum delito. Ele ressaltou também que não há nada na lei que o impeça de seguir uma ideologia nacionalista.

Ao ser questionado pela advogada de Mamadou, Isabel Duarte, se perseguições contra minorias racializadas e homossexuais também fazem parte da ideologia nacionalista, Mário respondeu com raiva, afirmando que a única vítima de nacionalistas que ele conhece foi Alcindo Monteiro e que todos os anos há “recordes” de pessoas brancas mortas por pessoas negras. Ele negou ter assassinado alguém, alegando ser um ativista nacionalista, e expressou sua esperança de que nunca mais ocorram casos semelhantes ao de Alcindo.

Durante o julgamento, Isabel Duarte apresentou uma fotografia retirada de uma publicação na rede social Telegram, que foi identificada como sendo de Mário Machado, embora ele negue. A advogada pediu para que ele interpretasse a imagem, na qual havia um cachorro branco com um capuz da Ku Klux Klan (organização estadunidense de supremacistas brancos) e outro cão preto com uma corda no pescoço. O neonazista apenas respondeu que achava a foto “muito engraçada” e que isso o fazia rir.

Em relação às outras acusações que o apontavam como um dos responsáveis pelo homicídio de Alcindo Monteiro, a defesa perguntou novamente se o fato de Mamadou Ba ser negro foi o que motivou Machado a prosseguir com o processo. O supremacista afirmou que não processou o jornalista Daniel Oliveira por ter ultrapassado o prazo legal, e desistiu de processar o deputado do partido Livre, Rui Tavares, porque ele desmentiu publicamente um texto no qual o acusava de ser o assassino de Alcindo. “Foi o suficiente”, concluiu.

Nas próximas sessões do julgamento, marcadas para 2, 16 e 30 de junho, o ativista apresentará suas testemunhas de defesa, incluindo a diplomata do Partido Socialista, Ana Gomes, o ex-líder do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, o sociólogo Boaventura Sousa Santos, o deputado e líder do Livre, Rui Tavares, o ex-deputado Miguel Vale de Almeida, e os jornalistas Daniel Oliveira, Diana Andringa e Paulo Pena. A decisão final está marcada para o dia 14 de julho.

Caso Alcindo

Na noite de 10 de junho de 1995, um grupo de skinheads saiu às ruas de Lisboa para agredir e espancar pessoas negras. Mais de dez delas ficaram gravemente feridas e precisaram ser levadas ao hospital. Infelizmente, uma das vítimas não resistiu aos ferimentos. Alcindo Monteiro, natural de Mindelo, na ilha de São Vicente, Cabo Verde, faleceu na madrugada do dia seguinte.

Aos 27 anos, ele foi espancado até a morte por um grupo de supremacistas brancos. O terrível crime ocorreu no Bairro Alto, uma região central de Lisboa muito frequentada por turistas. O corpo de Alcindo foi encontrado na rua Garrett, no Chiado. Os ataques violentos foram tão brutais que Alcindo sofreu fraturas, hemorragias e lesões traumáticas no crânio.

Alcindo, conhecido por sua paixão pela dança e até mesmo por ter participado e vencido algumas competições, tinha saído de sua residência no Barreiro, região da Margem Sul de Lisboa, para desfrutar da noite. Mal sabia ele que aquela seria sua última vez. Era feriado e também o dia da final do campeonato nacional de futebol, vencido pelo Sporting naquele ano. Enquanto caminhava pelas ruas da capital portuguesa, cruzou com um grupo de homens com cabelo raspado, jaquetas pretas e botas pesadas com ponteiras de aço. A partir daquele encontro, as luzes da pista de dança se apagaram para sempre.

Nos meses seguintes, mais de dez suspeitos foram detidos, incluindo Tiago Palma, conhecido como ‘Martelos’, e Nuno Monteiro, ambos ligados à organização Hells Angels. Em um julgamento subsequente, eles foram condenados a 18 anos de prisão, juntamente com outros quatro réus. Palma enfrentou acusações de homicídio qualificado e nove crimes de agressão corporal, enquanto Nuno foi responsabilizado pelo assassinato e mais seis crimes de agressão.

Mário Machado, que na época era membro da Força Aérea Portuguesa, foi condenado a quatro anos e três meses de prisão por oito crimes de lesão corporal, mas não foi acusado pelo homicídio de Alcindo Monteiro. Após cumprir sua sentença, o neonazista voltou a ser preso por sete meses em 2007 por posse ilegal de arma. No ano seguinte, ele recebeu outra condenação de quatro anos e dez meses de prisão por crimes semelhantes. Em 2009, foi processado por ameaças dirigidas à procuradora do Ministério Público, Cândida Vilar, e foi absolvido dessa acusação, mas condenado a oito meses de prisão por difamação contra a jurista.

Ainda em 2009, o fundador e ex-dirigente da Nova Ordem Social foi condenado a sete anos e dois meses de prisão por roubo, coação e sequestro, com uma pena máxima fixada em dez anos devido ao acúmulo de processos. Em 2016, foram acrescentados mais dois anos e nove meses de prisão por extorsão agravada no sistema prisional. Durante seu período de detenção, Mário Machado concluiu uma licenciatura em Direito pela Universidade Autónoma e, durante sua liberdade condicional, passou a trabalhar no escritório de José Manuel Castro, seu advogado atual.

Fascismo à portuguesa

Em 2019, Machado divulgou um vídeo anunciando o fim da Nova Ordem Social (NOS), justificando a falta de uma liderança adequada para dar continuidade ao movimento. Essa decisão está diretamente relacionada ao crescente apoio ao partido político Chega, que, apesar de não compartilhar as mesmas ideologias extremistas da NOS, tem conseguido unir uma considerável parcela dos nacionalistas portugueses e da direita.

Sob a liderança de André Ventura, o Chega tem ganhado força no cenário político, tornando-se a terceira maior força política em Portugal. Nas últimas eleições, o partido fascista conquistou mais de 10 cadeiras no Parlamento, um resultado expressivo.

No início de 2023, o Chega planejou realizar uma Conferência Internacional em Lisboa, com a presença de figuras proeminentes da extrema-direita mundial, incluindo Santiago Abascal, presidente do VOX da Espanha, Matteo Salvini, vice-primeiro-ministro italiano, e Jair Bolsonaro. No entanto, o evento foi adiado devido a uma operação da Polícia Federal brasileira envolvendo Bolsonaro.

Segundo ativistas como Mamadou Ba, há uma clara intenção de aproximação entre Mário Machado e o Chega. Neste momento, a extrema-direita encontra-se fragmentada, com cada grupo almejando ser o responsável por ditar a agenda do movimento. Machado, ao direcionar seus ataques a um ativista antirracista, acredita que pode garantir sua relevância na disputa pela formação de lideranças de extrema-direita em Portugal.

Embora tenha anunciado o fim da NOS, Mário Machado continua ativo nas redes sociais, divulgando vídeos, textos e, aparentemente, oferecendo artigos com conteúdo neonazista por meio de uma loja online. Em fevereiro de 2020, ele aconselhou os ex-membros da extinta NOS a ocultarem seu envolvimento anterior em movimentos de extrema-direita, visando ingressar em grupos ou partidos mais estabelecidos.

Nesse mesmo período, uma reportagem revelou que ex-integrantes da Nova Ordem Social ocupam cargos de destaque no Chega. Entre os nomes citados estão Tiago Monteiro, líder do Chega na cidade de Mafra, Nelson Dias da Silva, secretário da Mesa da Convenção e porta-voz da Associação Portugueses Primeiro, e Luís Filipe Graça, presidente da Mesa da Convenção do Chega.

Além disso, Nuno Cardoso, líder do movimento Resistência Nacional, conhecido por realizar uma marcha com tochas em frente à SOS Racismo em agosto de 2020, foi convidado a organizar um conselho do partido na cidade de Covilhã.

Mário Machado enfatiza repetidamente que os antigos líderes da NOS devem apoiar o projeto do Chega. O próprio Chega já se manifestou sobre o assunto, especialmente durante o Congresso do partido, onde tanto Mamadou quanto Joacine Katar Moreira, historiadora, ativista e ex-deputada do Parlamento português, foram alvos principais dessas denúncias. Assim, para eles, esse julgamento é também uma batalha política em curso.

Sobre os autores

Stefani Costa

é jornalista e imigrante brasileira em Portugal. É fundadora da Hedflow, escreve no Portal Sapo e correspondente internacional na revista O Sabiá.

Cierre

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Published in Direitos Humanos, Europa, Extrema-direita, Notícia and Política

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