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Cartaz anunciando o Pacto Tripartite, por volta de 1941.

Por que a extrema direita ama o Japão

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Tradução
Sofia Schurig

Radicalismos de direita, como os representados por Martin Sellner, Björn Höcke ou Hans-Georg Maaßen, deliram com o Japão e sua cultura. Esse fascínio pelo Japão não é novo e está associado à ideologia nazista.

O antigo presidente do Gabinete para a Proteção da Constituição e atual presidente da associação de travestis da CDU, a Werte Union, Hans-Georg Maaßen, fala sobre sua simpatia pelo Japão em uma entrevista no YouTube: “Eles aprenderam com a Alemanha na época e depois se mantiveram consistentemente no caminho certo”.

Depois de estudar Direito, Maaßen, que até Friedrich Merz considera demasiado à direita para a CDU, viajou para o Japão. Trabalhou em Tóquio na Câmara de Comércio e Indústria, onde conheceu sua esposa japonesa. Maaßen – como muitos outros representantes da Nova Direita – quer fazer política com os mitos do Japão.

Isso pode parecer irritante à primeira vista. Não é estranho que a direita radical, que, na verdade, desvaloriza outras culturas, esteja descobrindo um país tão distante da Alemanha como o Japão para si mesma?

Os prussianos da Ásia

O entusiasmo pelo Japão, por outro lado, não é novidade para a direita. Em sua argumentação, Maaßen traça uma longa linha histórica que remonta ao século XIX. Antes da abertura ao ocidente, no meio do século XIX, o Estado feudal japonês isolou-se e pôde, assim, desenvolver uma cultura única e uniforme. Quando o Japão optou pelo caminho da modernização para evitar ser colonizado por americanos ou europeus, aprendeu muito com o Império Alemão. Os japoneses, como Maaßen destaca, eram chamados de “os prussianos da Ásia”.

Maaßen está correto, pois, especialmente no domínio do direito constitucional e da filosofia, a Alemanha era vista pelos políticos japoneses como um modelo do qual queriam aprender. Para Maaßen e muitos outros da direita, a Prússia imperialista e colonialista simbolizava uma Alemanha forte à qual gostariam de retornar. O Japão, segundo ele, manteve essa disposição para aprender e, como uma grande potência econômica, continua no caminho certo até os dias de hoje.

Maaßen, assim como o AfD, utiliza o termo “normalidade”. O Japão é um país agradavelmente “normal”, com uma infraestrutura confiável, um sistema jurídico coerente e pontualidade como regra. Maaßen ignora completamente o período que vai do meio da década de 1930 até meados da década de 1940 em sua visão da história.

Nesse período, o Japão, como um Estado autoritário com um império colonial em expansão (a chamada “Grande Esfera de Prosperidade do Leste Asiático”), junto com a Itália fascista e a Alemanha nazista, trouxe enorme sofrimento ao mundo. Os asiáticos do Leste e Sudeste Asiático, em particular, foram vítimas do imperialismo japonês. O Japão, por exemplo, reprimiu brutalmente sua colônia na Coreia e proclamou o Estado fantoche de Manchukuo na Manchúria. Os militares japoneses também cometeram massacres em cidades e vilas chinesas, como Nanjing, e forçaram mulheres à prostituição.

Maaßen pinta um quadro de continuidade histórica. No Japão, “humildade e tradição” ainda importam, e os antepassados são venerados. Além disso, “homogeneidade” é considerada. Influências estrangeiras que não se encaixam na nação seriam simplesmente afastadas pela política japonesa. Maaßen cita como exemplo a expulsão de missionários cristãos, os quais supostamente apenas desejavam preparar o terreno para a invasão ocidental. Ele simplesmente ignora a história e a presença do cristianismo no Japão porque não se encaixa em seu mito da homogeneidade do Japão.

Figura cult da ‘nova direita’

A admiração pelo Japão também é comum em outros contextos de direita. Isso se manifesta, entre outras coisas, no fascínio pelo escritor japonês Mishima Yukio (1925 – 1970). Ele escreveu romances como “A Confissão de uma Máscara”, que ainda hoje fazem parte do cânone da literatura japonesa. Mishima sentia vergonha de sua homossexualidade e sofria com sua condição física fraca na juventude. Mais tarde, ele compensou isso com um culto ao corpo e poses heroicas.

A derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial e a perda dos antigos valores japoneses afetaram profundamente Mishima. Por esse motivo, ele fundou uma milícia de extrema-direita, com a qual tentou realizar uma tentativa de golpe em 1970 na sede militar do Japão. Ele tentou restaurar a posição política do imperador japonês (Tennō) que ele ocupava antes da derrota japonesa na guerra. Após o fracasso do golpe, Mishima cometeu seppuku, uma forma ritualística japonesa de suicídio por abertura do abdômen.

Nas revistas da Nova Direita, como a Sezession, a revolta de Mishima contra os valores liberais ocidentais é celebrada. Na perspectiva da Nova Direita, Mishima se opôs à alienação do caráter do povo japonês e, acima de tudo, à crescente decadência ocidental. Seu suicídio é considerado um ato de protesto coerente.

Seu culto à masculinidade e aos soldados, combinado com seu nacionalismo, também é admirado. A única coisa que os incomoda em Mishima é sua homossexualidade, que eles consideram contrária à natureza. No entanto, isso não impede que editoras e marcas de moda da Nova Direita vendam produtos de Mishima, como canecas ou camisetas, e que Martin Sellner, o garoto-propaganda dos Identitários, o idolatre em suas postagens no Twitter.

Em outro artigo da Sezession, a cerimônia do chá japonesa é admirada. Na Alemanha, algo como essa cerimônia meditativa do chá não é conhecido e, de fato, a cultura alemã está em declínio. Nesse sentido, o Japão pode ser usado como um contraexemplo de uma cultura refinada e esteticamente exigente.

A fascinação do Japão pelo nazismo

Houve uma época em que a extrema-direita alemã tinha uma visão predominantemente positiva do Japão. Embora Hitler, em Mein Kampf, não mostrasse grande apreço pelo povo japonês e sua cultura devido à sua obsessão racial, a representação do país mudou na pesquisa e publicação japonesa no âmbito do nacional-socialismo, já no final da década de 1930, como resultado da política de aliança entre a Alemanha nazista e o Japão.

Nesse período, as Forças Armadas japonesas assumiram cada vez mais o controle político e o Japão intensificou sua política colonial. Em 1936, assinaram o Pacto Anti-Komintern, um pacto propagandístico com a Alemanha e outros estados fascistas, que visava principalmente a União Soviética e seus aliados. Pouco depois, o Japão invadiu a China.

Em 1940, foi assinado o Pacto Tripartite entre Alemanha, Japão e Itália. A partir do início desse pacto, predominaram as imagens positivas do Japão.

Conforme o historiador Joachim Bieber mostra em seu livro “SS e Samurai”, houve alguns esforços para promover a pesquisa japonesa que agradasse aos nazistas nas universidades por meio de financiamento estatal. A maioria deles, felizmente, não pôde ser concretizada. No entanto, alguns intelectuais produziram mitos sobre o Japão, estabelecendo analogias entre a cultura alemã e japonesa.

Naquela época, o pedagogo Eduard Spranger, já conhecido na época, foi enviado pelos nazistas ao Japão por um ano em 1936. Ele elogiou o país, idealizando-o como uma comunidade familiar de acordo com a propaganda japonesa. Os indivíduos eram insignificantes, o que importava era a família e o imperador como o pai supremo da família. Spranger legitimou o colonialismo japonês, pois considerava tanto a Alemanha quanto o Japão como “povos sem espaço”.

Como grandes potências culturais, ambas as nações teriam o direito de colonizar outros povos para “aperfeiçoá-los”. Dessa forma, Spranger trivializou os crimes imensuráveis ​​cometidos nas colônias alemãs e japonesas.

O budismo zen foi associado por intelectuais nazistas, como Eugen Herrigel e Karlfried Graf Durckheim, à mística no sentido de Meister Eckhart. As técnicas de meditação zen deveriam permitir a integração do indivíduo na comunidade nacional e promover o espírito de luta dos soldados. Os samurais foram idealizados repetidamente. Suas atividades como administradores e estudiosos foram raramente mencionadas, enquanto apenas seu espírito de sacrifício e heroísmo eram enfatizados.

Isso é particularmente evidente no ensaio “O Ethos dos Samurais” de 1944, escrito pelo filósofo Herrigel em uma carta para seus estudantes de filosofia convocados para o front oriental. Segundo ele, todos os samurais seguiam um código de guerreiro (Bushidō) que os obrigava a sacrificar-se e serem leais. Hoje está claro que um código de samurais unificado nunca existiu. Foi inventado posteriormente para fortalecer o nacionalismo japonês.

No entanto, Herrigel também não pretendia fornecer uma descrição histórica dos samurais. Por trás de formulações como “traição e deslealdade” entre os samurais levava à “extinção” de suas famílias, sua propaganda de guerra se torna aparente. Os soldados deveriam ser amedrontados para que arriscassem suas vidas por Hitler, apesar da situação desesperadora.

Apesar de ter perdido sua licença de ensino devido ao seu passado nazista após a guerra, Herrigel publicou em 1950 o best-seller “Zen na Arte do Tiro com Arco”, que foi traduzido para muitos idiomas em todo o mundo. Embora sua interpretação distorcida do zen e das conotações ideológicas nazistas, o livro ainda é considerado por algumas pessoas hoje como uma obra fundamental da literatura zen ocidental.

Mais idealização do que realidade

Os mitos japoneses que circulam na atual Nova Direita estão, em parte, ligados à ideologia nazista. Eles não falam mais tanto em “povo”, mas substituíram o termo por uma cultura concebida como homogênea. A Nova Direita seleciona aspectos isolados de um país diverso e os exagera. No cerne, não se trata de uma análise diferenciada do Japão, mas apenas da suposta salvação de sua própria cultura. Para isso, eles apresentam o Japão como um contraponto idealizado ao decadente ocidente.

A Nova Direita imagina o Japão – assim como os nazistas antes deles – como uma comunidade homogênea, embora isso vá contra a realidade tanto naquela época quanto hoje. A chave para uma espécie de comunidade nacional seria uma política de imigração restritiva, que exclui estrangeiros e necessitados. A Direita expressa e expressou suas fantasias belicosas e autoritárias por meio de um mito idealizado dos samurais.

A perspectiva de extrema-direita sobre o Japão em parte corresponde à visão da própria população japonesa sobre si mesma. Autores como o psiquiatra Doi Takeo e Hamaguchi Eshun enfatizaram a singularidade e a coletividade da cultura japonesa, influenciando assim a autopercepção japonesa. A direita japonesa, juntamente com o Partido Liberal Democrata (LDP), que governa o Japão desde 1955, com breves interrupções, promove os mitos da singularidade absoluta e homogeneidade da nação japonesa.

Contudo, o Japão exerce uma forte atração cultural em todo o mundo há décadas, não apenas entre a extrema-direita. Isso é bem-vindo, desde que as narrativas sobre o país não sejam tão unilaterais e distorcidas como as representações dos radicais de direita.

No Japão, assim como em outras nações, não há apenas uma cultura: a cultura dos indígenas Ainu no norte do Japão difere muito daquela dos outros japoneses e dos habitantes de Okinawa, no sul do Japão. Também no Japão, trabalhadores lutam por seus direitos. O Partido Comunista (KPJ), existente desde 1922, é uma voz importante na oposição. A política autoritária e isolacionista da direita no Japão e na Alemanha apenas encobre os conflitos de interesses e o envelhecimento da sociedade.

Sobre os autores

Benjamin Schiffl

é um sociólogo que se dedica ao intercâmbio cultural entre Japão e Alemanha, autor do livro "Nação entre o Oriente e o Ocidente: A Visão dos Intelectuais de Língua Alemã sobre o Japão (1915 – 1961)".

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Published in Análise, Ásia, Extrema-direita, Guerra e imperialismo and História

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