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Olof Palme, então primeiro-ministro da Suécia, em um comício de Primeiro de Maio em Norra Bantorget, Estocolmo, no início dos anos 1970.

Olof Palme foi um herói internacionalista

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Tradução
Gercyane Oliveira

Do ANC da África do Sul aos socialistas chilenos, na década de 1970, os movimentos de libertação em todo o mundo tinham poucos aliados maiores do que o primeiro-ministro sueco Olof Palme, que nasceu neste dia em 1927. Ele usou seu alto cargo para defender os oprimidos no exterior e para criar um movimento internacionalista em sua terra natal.

“Olof Palme também é um social-democrata. Por que ele é tão diferente do maldito [Harold] Wilson?” Essa foi a pergunta que o crítico de teatro inglês Kenneth Tynan fez a Tariq Ali, de 23 anos, em um restaurante de Estocolmo em janeiro de 1967. Ali respondeu que foi a neutralidade militar da Suécia que deu a Palme, na época um ministro sênior do gabinete, espaço de manobra para sediar o Tribunal Internacional de Crimes de Guerra em Estocolmo. Organizado pelos filósofos Bertrand Russell e Jean-Paul Sartre, o tribunal simbólico levou os Estados Unidos a julgamento por seus crimes no Vietnã.

A neutralidade certamente desempenhou algum papel na decisão de Palme, mas não foi a história completa. Como Palme disse aos colegas social-democratas suecos em 1964, “Política, camaradas, é querer algo”. Embora o primeiro-ministro trabalhista da Grã-Bretanha, Harold Wilson, tenha recusado o pedido de Russell para sediar o tribunal em Londres, Palme não era um social-democrata comum. Ele era um internacionalista profundamente comprometido que apoiou com entusiasmo várias lutas antifascistas e anti-imperialistas desde a década de 1960 até seu assassinato em 1986.

Primeiro-ministro da Suécia de 1969 a 1976 e de 1982 até sua morte, Palme demonstrou que um político habilidoso que realmente “quisesse algo” poderia transitar entre os mundos da militância e da política, apoiando os esforços de solidariedade internacional em seu país e, ao mesmo tempo, fortalecendo os movimentos pela dignidade humana no exterior.

Décadas depois, a cultura de solidariedade que ele trouxe para a vanguarda da política sueca está sendo combatida, e até mesmo atacada, por muitos de seu antigo partido. Mas o legado de Palme pode influenciar o programa de política externa dos dirigentes de esquerda que disputam o poder ainda hoje.

Querendo algo

Nascido em uma família burguesa no elegante bairro de Östermalm, em Estocolmo, Palme era uma figura improvável para se tornar o líder do Partido Social Democrata (SAP) da Suécia. Seu despertar político, na verdade, ocorreu nos Estados Unidos, quando ele estudava na Kenyon College, uma faculdade de artes intelectuais na região central de Ohio. Lá, ele passava os fins de semana aprendendo sobre o movimento trabalhista dos EUA com os trabalhadores de uma fábrica de turbinas próxima.

Depois de se formar na Kenyon em 1948, Palme viajou de carona pelo sul de Jim Crow, onde compreendeu a segregação racial e a privação econômica enfrentada por muitos afro-americanos. Suas experiências nos Estados Unidos moldaram seu apoio posterior à luta antiapartheid do Congresso Nacional Africano e às guerras de libertação nacional na Namíbia, no Saara Ocidental e na Palestina ocupada.

Embora tenha sido desvalorizado em muitos relatos do final da década de 1960, o Tribunal Internacional de Crimes de Guerra, também conhecido como Tribunal Russell, foi um evento importante no cenário mundial. O comitê de julgamento incluía figuras como James Baldwin, Stokely Carmichael, Simone de Beauvoir, Isaac Deutscher e o ex-presidente mexicano Lázaro Cárdenas.

A fim de reunir provas para o tribunal, uma delegação liderada pelo comunista escocês e ativista do National Union of Mineworkers, Lawrence Daly, viajou pelo Vietnã do Norte, documentando o ataque dos militares americanos à infraestrutura civil, o uso de armas químicas e a tortura de prisioneiros de guerra vietnamitas.

O tribunal foi encerrado com um discurso contundente de Jean-Paul Sartre, com o comitê declarando os EUA culpados de genocídio e seus principais aliados culpados de vários crimes de guerra. O tribunal e seu veredicto foram amplamente divulgados pela mídia sueca, especialmente no Arbetet e no Aftonbladet, jornais de grande circulação financiados pelo SAP e pela Confederação Sindical Sueca (Lands Organisation, LO).

Palme abraçou com entusiasmo a causa vietnamita – em 1968, enquanto atuava como ministro da educação no governo de seu mentor, Tage Erlander, ele chegou a marchar ao lado do embaixador norte-vietnamita na Suécia em um protesto contra a guerra. No entanto, esse compromisso com movimentos internacionalistas radicais diferenciava Palme de seus colegas do SAP, muitos dos quais haviam se envolvido profundamente com a burocracia estatal.

Investidos na expansão do complexo militar-industrial da Suécia, certas facções da burocracia estatal apoiaram fortemente a aliança secreta do país neutro com a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Na verdade, a postura do SAP em relação à União Soviética e seus aliados era governado não apenas pelo fenômeno generalizado do anticomunismo social-democrata, mas também pela inimizade histórica entre a Suécia e a Rússia.

Primeiro-ministro Palme

Quando Palme sucedeu Erlander como líder do SAP e primeiro-ministro da Suécia em outubro de 1969, seu governo se voltou decisivamente para a esquerda em meio a uma onda de radicalismo na sociedade sueca. Um movimento de esquerda bem organizado, inserido em todos os aspectos da sociedade sueca, esperava ir além do estado de bem-estar social fordista-keynesiano que havia atingido a maturidade sob Erlander.

Mas o internacionalismo de Palme provocou uma forte reação dos Estados Unidos. Em 1972, os EUA congelaram as relações diplomáticas com a Suécia, depois que o primeiro-ministro fez um discurso em que comparou os atentados de Natal em Hanói com o bombardeio de Guernica e o campo de extermínio nazista de Treblinka.

Embora criticasse ferozmente a política externa dos EUA, Palme não era amigo da União Soviética ou de seus aliados do Pacto de Varsóvia. Ele condenou veementemente a invasão da Tchecoslováquia e a subsequente repressão da oposição sob o regime autoritário de Gustáv Husák. De fato, Palme foi um crítico feroz da União Soviética por mais tempo do que foi social-democrata – na década de 1950, ele desempenhou um papel fundamental na organização da Conferência Internacional de Estudantes Anti soviética.

Dito isso, Palme foi um dos líderes ocidentais mais simpáticos à Revolução Cubana e aos movimentos de libertação nacional aliados na África subsaariana. Quando Palme visitou Santiago em 1975, Fidel Castro elogiou o apoio inabalável do sueco às lutas dos povos angolano, moçambicano e bissau-guineense contra a ocupação colonial portuguesa. Esses atos de solidariedade internacional são lembrados com entusiasmo por alguns. Mas foi o apoio de Palme ao socialismo democrático no Chile que deixou uma marca indelével na sociedade sueca.

Solidariedade com o Chile

Ao discursar no Parlamento em 7 de novembro de 1973, o primeiro-ministro Palme não deixou dúvidas sobre o motivo pelo qual o presidente socialista do Chile, Salvador Allende, havia sido derrubado:

O ponto principal é o seguinte: A vitória de Allende nas eleições de 1970 deu aos pobres a esperança de uma sociedade melhor e de maior dignidade humana. Essas esperanças foram anuladas com violência… A derrubada de um governo eleito pelo povo no Chile levantou a questão se, em geral, é possível realizar mudanças profundas em uma sociedade pobre e injusta sem que grupos privilegiados recorram à violência.

Harald Edelstam, embaixador sueco no Chile de 1972 a 1973, escreveria uma década após o golpe de estado chileno que “Os objetivos de Allende e da Unidade Popular coincidem totalmente com os que a nação sueca estabeleceu para si mesma”. Eles queriam alcançar, em um curto período de tempo, o que a Suécia havia conseguido em 150 anos de paz”.

Em seu curto período como embaixador, Edelstam ajudou a salvar a vida de centenas de pessoas. Entre elas estavam dirigentes da Unidade Popular, líderes trabalhistas e exilados uruguaios e bolivianos que haviam buscado refúgio no Chile de Allende. Durante o ataque da junta a Santiago em 11 de setembro de 1973, Edelstam foi e voltou da embaixada cubana sitiada com uma bandeira sueca na mão para oferecer proteção diplomática a essas pessoas e aos funcionários do governo cubano.

Em outubro de 1973, a companhia aérea nacional sueca transportou 200 de pessoas de esquerda radical fora do Chile, como Edelstam, começou a atrair a atenção negativa do regime de Pinochet e da imprensa de direita. Em novembro de 1973, a manchete do jornal pró-junta La Segunda dizia: “Outro incidente do Pimpinela Vermelha. Até quando devemos tolerar o embaixador Edelstam?” Três dias depois, o jornal pediu sua expulsão: “Por dignidade, o sueco deve ir embora”.

Em 4 de dezembro de 1973, a junta declarou Edelstam persona non grata. Ao chegar a Estocolmo, ele foi recebido como herói pela população latino-americana em crescimento e tratado com desprezo pelos social-democratas de direita e pelos burocratas conservadores de carreira.

O conde Wilhelm Wachtmeister, diretor de assuntos políticos do Ministério das Relações Exteriores e parceiro frequente de tênis de George H. W. Bush, escreveu mais tarde que a expulsão de Edelstam foi uma “solução conveniente” para uma “situação insustentável”, em que o trabalho da embaixada se tornou impossível devido ao grande número de refugiados que abrigava. Durante todo o tempo em que foi embaixador, Edelstam sempre teve o apoio de Palme e da maioria do povo sueco.

Em contraste com Edelstam, o embaixador reacionário da Noruega, Julius August Christian Fleischer, inicialmente não admitiu nenhum refugiado. Tentando desesperadamente pressionar o embaixador, as autoridades suecas levaram os refugiados até a embaixada norueguesa, presumindo que lhes ajudariam se eles conseguissem chegar lá. Em vez disso, Fleischer chamou a polícia e tentou prender os refugiados, só mudando de ideia no último minuto por causa da presença de dois jornalistas suecos.

Chilekommitté

Durante o breve período do governo de Unidade Popular de Allende, os suecos criaram mais de 100 organizações em apoio ao Chile (Chilekommitté). Eles organizaram manifestações, shows e campanhas de informação. Uma das organizadoras do primeiro Chilekommitté, Anna Rydmark Venegas, contou em 2016 que eles “eram jovens amadores, não eram políticos de carreira ou algo do gênero, apenas sentimos que tínhamos que fazer algo”. Após o golpe, o Chilekommitté mudou o foco do apoio à Unidade Popular para a organização da oposição à junta.

De 1973 a 1977, os partidos políticos suecos, as organizações da sociedade civil e as comunidades religiosas ajudaram na fuga de 30.000 chilenos rebeldes, muitos dos quais eram acadêmicos, estudantes e sindicalistas. Atualmente, a Suécia abriga a terceira maior diáspora chilena do mundo, depois dos Estados Unidos e da Argentina.

Quando os refugiados chilenos chegaram à Suécia, o Chilekommitté desempenhou um papel fundamental na recepção deles. A Arbetsmarknadsstyrelsen, a agora extinta agência estatal responsável por abrigar refugiados, apoiava financeiramente o Chilekommitté para que eles pudessem transportar as pessoas pelo país e colocá-las em contato com amigos e familiares, tanto na Suécia quanto em seu país. Quando os refugiados chegaram à Estação Central de Estocolmo, havia mais voluntários do que refugiados. Alguns voluntários ficaram desapontados por “voltar para casa sem um chileno”.

Os refugiados chilenos recém-chegados foram convidados para as casas de pessoas comuns e imediatamente absorvidos por uma infraestrutura política já existente. Eles se integraram rapidamente à sociedade sueca, e muitos continuaram a trabalhar e a se organizar politicamente em vilas e cidades de todo o país. O ethos da Solidariedade Chilena (Chilesolidariteten) teve um forte efeito sobre a ideologia e a prática internacionalista das organizações, redes e campanhas de esquerda na Suécia durante as décadas seguintes.

Em 1974, a junta de Pinochet estava se preocupando cada vez mais com as campanhas de solidariedade internacional, com um diplomata chileno declarando que “a frente de batalha saiu das fronteiras do Chile”. Como parte de uma contra ofensiva, a junta enviou US$ 5.000 para a Embaixada do Chile na Suécia para organizar “atividades culturais” com o objetivo de melhorar a imagem que os suecos tinham da junta. Esses esforços foram insignificantes para a esquerda. Apenas um ano antes, Olof Palme entregou pessoalmente US$ 100.000 arrecadados pelo movimento trabalhista sueco a Beatriz Allende, filha de Salvador Allende e principal assessora política.

O interesse do povo sueco pelo Chile cresceu enormemente quando muitos cineastas e artistas receberam bolsas do governo para realizar vários projetos destinados a divulgar informações sobre o regime de Pinochet. Ativistas sindicais viajaram de local de trabalho em local de trabalho dando palestras. A cultura e a música chilenas foram popularizadas, contribuindo para uma afinidade crescente com a América Latina em geral, conforme refletido em movimentos posteriores de solidariedade aos sandinistas e aos movimentos guerrilheiros de esquerda em El Salvador e na Guatemala.

Não é de se admirar que, em 2016, a presidente chilena Michelle Bachelet tenha visitado Estocolmo para expressar gratidão pelos esforços da Suécia durante esse período – dizendo: “O Chile nunca deixará de ser grato por essa ajuda” estendida por Olof Palme e Harald Edelstam.

Avanço rápido

Essa cultura não é apenas uma questão do passado. Hoje, os ministros da SAP estão alinhados com seus colegas da UE em apoio aos golpistas apoiados por Washington, como Juan Guaidó. Mas o povo sueco é mantido a par dos eventos atuais na América Latina por uma emissora de serviço público que acompanha de perto os acontecimentos na região. Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi solto da prisão em 8 de novembro de 2019, a Rádio Sueca cancelou sua programação regular para transmitir ao vivo nas ruas de Curitiba.

Embora esse legado ainda seja significativo, o internacionalismo social-democrata da Suécia começou a se desgastar após o assassinato de Olof Palme em 1986. Com a investigação ainda em andamento, surgiram várias teorias. Algumas são mais realistas do que outras, mas muitas apontam para os inimigos que Palme fez durante sua carreira de décadas como estadista internacional anti-imperialista.

A “Decisão Lucia”, de 1989, é vista especialmente como o marco da ruptura do SAP com o legado internacionalista de Palme. Coincidindo com o feriado pré-natalino escandinavo do Dia de Lucia, o sucessor de Palme e ex-deputado Ingvar Carlsson ordenou a suspensão dos vistos de asilo não exigidos pela ONU por dois anos. O ministro da imigração do SAP, Maj-Lis Lööw, deixou explícita a virada reacionária do partido ao advertir o Parlamento de que, sem essa restrição, 5 mil turcos búlgaros receberam asilo na Suécia naquele ano.

Ao mesmo tempo, o SAP se voltou para a direita econômica, tendo Carlsson sido um dos primeiros a adotar a ideologia da Terceira Via. Os impactos econômicos dessa mudança programática levaram muitos trabalhadores a abandonar o partido, primeiro pelo Partido Moderado, de centro-direita, e, por fim, pelos Democratas Suecos, de extrema-direita. No entanto, uma sociedade civil forte carrega a tocha do internacionalismo outrora carregada pelo movimento trabalhista sueco.

Enfrentando a chuva fria de Estocolmo em setembro de 2015, dezenas de milhares de suecos saíram às ruas gritando: “Refugiados bem-vindos“. Saudado por aplausos estrondosos, o primeiro-ministro social-democrata o primeiro-ministro Stefan Löfven subiu ao palco, proclamando: “Minha Europa não constrói muros!” Mas seu internacionalismo se mostrou bastante superficial. Apenas um mês depois, Löfven anunciou que a Suécia fecharia sua fronteira sul com a Dinamarca para impedir a chegada de migrantes.

No final daquele outono, com ecos do início da década de 1970, milhares de suecos se reuniram em estações de trem em todo o país para distribuir alimentos e roupas aos refugiados, enquanto médicos e enfermeiros prestavam assistência médica aos necessitados. Voluntários transportaram os recém-chegados para acomodações de curto prazo organizadas por comunidades religiosas e grupos da sociedade civil. Suas ações mostraram que o internacionalismo de base está vivo e de boa saúde na Suécia, mesmo que tenha sido abandonado pelo partido que o nutria.

Sobre os autores

Anton Ösgård

é mestre em geografia urbana e econômica pela Universidade de Utrecht, com experiência como ativista climático na Suécia. Vive em Copenhague.

William Westgard-Cruice

é doutorando em geografia na Clark University, em Massachusetts.

Cierre

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Published in Análise, Europa, Guerra e imperialismo, História, Humanos and Perfil

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