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Estudantes protestam contra a reforma do ensino médio, aprovada em 2017, na avenida Paulista, em São Paulo. Foto de Bruno Santos / Folhapress

Por que precisamos reconstruir o Ensino Médio

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Apesar de suas limitações, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 representou uma conquista para a educação brasileira. Entretanto, duas décadas depois, sofreu um duro golpe nos trágicos governos neoliberais de Temer e Bolsonaro. Agora estudantes e educadores querem saber se o governo Lula vai manter ou revogar as aberrações dos governos anteriores.

Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão. Mas, se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens. Precisamente por isto, ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais.”
Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido.


A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) brasileira foi publicada em 1961, após mais de uma década de debate e disputas na Câmara dos Deputados. Nela, a educação estava organizada em ensino pré-primário, primário e médio. O ensino primário era obrigatório a partir dos 7 anos e composto por quatro séries anuais. Sendo assim, a LDB de 1961 instituía a educação escolar obrigatória dos 7 aos 11 anos. O ensino médio era optativo e composto por dois ciclos: um de quatro séries anuais, denominado “ginasial”; e um de três séries anuais, denominado “colegial”. 

Pouco tempo depois, em 1 de abril de 1964, as Forças Armadas Brasileiras deram um golpe de Estado e instauraram uma ditadura militar no país. Uma nova Constituição foi promulgada em 1967 e algumas alterações foram feitas na LDB de 1961. A lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, fixou novas diretrizes e bases para educação e unificou o ensino primário e o ciclo ginasial em um único curso de primeiro grau – o ensino médio passou a ser entendido como curso de segundo grau. Com isso, expandiu-se a obrigatoriedade da educação escolar dos 7 aos 14 anos.

A ditadura militar encerrou-se em 1985 e, no ano seguinte, foram realizadas eleições gerais para definir quais seriam os próximos governadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores. Os deputados e senadores eleitos passaram a compor a Assembleia Nacional Constituinte, que deveria debater, propor, votar e aprovar uma nova Constituição Federal para o país. A Constituinte trabalhou de fevereiro de 1987 a julho de 1988, quando enfim apresentou a proposta de texto para a nova Constituição, que foi votada e aprovada em 22 de setembro de 1988. Como resultado dos debates levantados pela Constituinte foi elaborada uma nova LDB para o país, aprovada em 1996 e em vigor até os dias de hoje, com alterações.

No texto original da LDB de 1996, a educação passa a ser organizada em Educação Básica e Ensino Superior, sendo a primeira composta pela Educação Infantil (creche e pré-escola), o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Em seu artigo 4º, afirma que o dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de creches e pré-escolas gratuitas para crianças de até 6 anos; do Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito; e da progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao Ensino Médio. Já nos artigos 32 e 35, afirma que o Ensino Fundamental deverá ter duração mínima de oito anos e o Ensino Médio, etapa final da Educação Básica, duração mínima de três anos. Observa-se, então, que a LDB de 1996 estabelece a educação escolar obrigatória dos 7 aos 14 anos. Além disso, ao reconhecer o Ensino Médio como etapa final da Educação Básica, imprime nesta etapa uma importância antes limitada ao Ensino Fundamental. Por essa razão, prevê sua progressiva obrigatoriedade.

O Ensino Médio em disputa

Desde então, o texto original passou por algumas alterações, das quais destaco quatro. A primeira, por meio da lei nº 11.114/2005, antecipou o início do Ensino Fundamental para os 6 anos. A segunda, por meio da lei nº 11.274/2006, estendeu a duração do Ensino Fundamental de oito para nove anos. A terceira, por meio da lei nº 12.796/2013, instituiu a Educação Básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos, englobando a pré-escola, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Sendo assim, a obrigatoriedade do Ensino Médio, prevista em 1996, tornou-se realidade somente em 2013. A quarta alteração que destaco é justamente a Medida Provisória 746/2016, imposta pelo ex-presidente Michel Temer apenas 22 dias após a consumação do golpe de Estado de 31 de agosto de 2016, que deu origem ao que hoje chamamos de reforma do Ensino Médio.

Entre as décadas de 1990 e 2000, com a publicação da nova LDB e a elevação do status do Ensino Médio no país, as matrículas nesta etapa escolar triplicaram, passando de uma média de 3 milhões para 9 milhões estudantes matriculados. A expansão do Ensino Médio impactou a demanda pelo Ensino Superior – não coincidentemente a pauta das ações afirmativas nas universidades avançou consideravelmente a partir dos anos 2000 – e se deu principalmente via rede pública. Além disso, essa expansão veio acompanhada de uma reforma curricular e da implementação de um novo sistema de avaliação, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), ainda na década de 1990. Ou seja, o debate sobre uma reforma no Ensino Médio é antigo e ganha força conforme o número de jovens inseridos nesse meio aumenta.

Como resultado dessa demanda antiga e cada vez mais em evidência, em março de 2012 foi criada a Comissão Especial para Estudos e Proposições para a Reforma do Ensino Médio. De lá saiu o Projeto de Lei nº 6.840/2013, de autoria do deputado Reginaldo Lopez (PT-MG). A justificativa do PL era de que o Ensino Médio não correspondia à vida dos jovens, especialmente no que diz respeito à vida profissional, e não contribuía com o desenvolvimento econômico e social do país. O projeto foi discutido por cerca de 17 meses na Comissão, que acatou uma série de demandas de organizações empresariais que participaram dessa discussão.

Entidades estudantis, sindicatos de professores e associações de pesquisadores da Educação também participaram, mas suas críticas e sugestões não foram contempladas neste primeiro momento. Surgiu então o Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio em oposição ao PL e à maneira que este vinha sendo debatido. Depois de muita pressão, o deputado Reginaldo Lopez comprometeu-se a fazer um substitutivo para o projeto considerando as contribuições do Movimento. O substitutivo foi aprovado na comissão no dia 17 de dezembro de 2014 e estava pronto para ser analisado e votado pela Câmara e pelo Senado. Porém, com o movimento que se iniciou em 2015 pelo impeachment de Dilma Rousseff, ele foi deixado de lado.

Herança do golpe

O processo de impeachment foi finalizado em 31 de agosto de 2016 e, quase imediatamente, Michel Temer sancionou a reforma do Ensino Médio por meio da Medida Provisória nº 746, de 22 de setembro de 2016. Vale destacar que a medida provisória é um dispositivo da Constituição Federal reservado ao presidente da República para casos de relevância e urgência, determinando a paralisação dos demais trabalhos do Congresso para apreciação da MP em caráter de urgência e um regime de tramitação de até 120 dias. Na época, o PSOL entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5599), alegando que a MP não correspondia aos critérios de relevância e urgência e, portanto, seria uma medida inconstitucional. 

O então Procurador-Geral da República (PGR), Rodrigo Janot, enviou um parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF) favorável à ação. Contudo, em fevereiro de 2017, apesar das inúmeras manifestações contrárias à reforma, inclusive com ocupações escolares, o Congresso aprovou a conversão da MP na lei nº 13.415/2017. Assim, devido a descontinuidade entre a MP 746/2016 e a lei recém aprovada, o STF extinguiu a ação. Ainda em 2017 a ação foi reconsiderada, tendo seu julgamento iniciado somente em 2020. Em outubro daquele ano, o STF decidiu pela improcedência da ação.

À reforma do Ensino Médio somaram-se as reformas trabalhista e da previdência, a lei da terceirização e a emenda constitucional do teto de gastos, constituindo um pacote de reformas neoliberais iniciadas por Temer e finalizadas por seu sucessor, Jair Bolsonaro. Foi durante o governo deste, em meio à pandemia de COVID-19, ao ensino remoto emergencial e às inúmeras polêmicas envolvendo seus cinco ministros da Educação que a reforma foi introduzida no país.

O Novo Ensino Médio

A lei nº 13.415/2017 alterou dezenas de artigos da LDB e estabeleceu um Novo Ensino Médio (NEM). O currículo passou a ser definido por uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e pelos chamados itinerários formativos, componentes curriculares organizados em cinco áreas: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, e Formação Técnica e Profissional. Se o currículo anterior era composto por treze disciplinas – sendo elas: Português, Matemática, História, Geografia, Física, Química, Biologia, Educação Física, Artes, Inglês, Espanhol, Sociologia e Filosofia -, com o NEM, apenas Português, Inglês e Matemática mantiveram-se como disciplinas obrigatórias.

 Para além de um novo currículo, a implementação do NEM previu a ampliação progressiva da carga horária para 1.400 horas anuais, totalizando 4200 horas nas três séries. Antes, a carga horária era de 800 horas anuais, totalizando 2400 horas. Das 4200 horas do NEM, a carga horária destinada ao cumprimento da BNCC não deve ultrapassar 1.800 horas, o que significa uma redução de 600 horas na formação geral básica se comparadas com as 2400 horas anteriores. As demais horas devem ser destinadas aos itinerários formativos, que ficam sob a responsabilidade das redes de ensino. Curiosamente, apesar de estabelecer um máximo, a lei não estabelece um mínimo para a formação geral.

Outras alterações prejudiciais foram a flexibilização para cumprimento de componentes curriculares em instituições à distância com “notório reconhecimento”, a flexibilização para contratação de professores para o itinerário profissional com “notório saber” e a definição do currículo de formação de professores baseado na BNCC.

Em 13 de julho de 2021, o então ministro da Educação Milton Ribeiro – o quarto ministro a assumir a pasta em um ano e meio de governo Bolsonaro – publicou a Portaria MEC 521/2021 instituindo o Cronograma Nacional de Implementação do Novo Ensino Médio. Com isso, até o final do ano os Conselhos de Educação dos Estados e do Distrito Federal deveriam aprovar e homologar seus referenciais curriculares, contemplando a BNCC e os itinerários formativos. Nos anos seguintes, a implementação dos referenciais curriculares ocorreria de maneira gradual, começando pelos primeiros anos em 2022, seguindo com os segundos anos em 2023 e finalizando com os terceiros anos em 2024. O calendário também previa formações continuadas para os profissionais da educação durante a implementação.

Seguindo o planejamento, a implementação foi iniciada em 2022 em todo o país, com exceção do Estado de São Paulo, que se antecipou e iniciou a implementação no ano anterior. Os desdobramentos do NEM em São Paulo foram estudados pela Rede Escola Pública e Universidade (REPU) e divulgados em junho de 2022 em uma nota técnica intitulada Novo Ensino Médio e indução de desigualdades escolares na rede estadual de São Paulo. No mesmo mês foi publicada a Carta Aberta pela Revogação da Reforma do Ensino Médio, fundamentada nos apontamentos da nota técnica da REPU e assinada por mais de 300 entidades e movimentos, entre elas, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação.

Ao final do ano houve eleições presidenciais e, como se sabe, Lula foi eleito para o seu terceiro mandato. Apesar das eleições terem ocorrido apenas em outubro, antes mesmo da oficialização da chapa Lula-Alckmin, em julho, entidades estudantis, sindicatos de professores e associações de pesquisadores da educação fizeram um apelo para que Lula incluísse a revogação do NEM em seu programa, o que não aconteceu. Em nenhum momento da campanha o presidenciável pronunciou-se a respeito, aliás.

Lula III

Ao tomar posse, Lula nomeou Camilo Santana para comandar o ministério da Educação. Um nome menos polêmico que o de Izolda Cela, a aposta do empresariado educacional, mas igualmente ligado aos grandes grupos empresariais de atuam na educação brasileira. Camilo foi governador do Ceará entre 2015 e 2022, tendo Izolda como sua vice. Antes, ela havia ocupado os cargos de Secretária de Educação da cidade de Sobral entre 2001 e 2006 e Secretária de Educação do Ceará entre 2007 e 2014. 

Em Sobral, Izolda estabeleceu uma relação bastante próxima com a Fundação Lemann, inaugurando o Centro Lemann na cidade ao final de 2021. Camilo indicou Izolda para a Secretaria-Executiva da pasta. Além dela, outros nomes ligados ao empresariado educacional foram selecionados para compor sua equipe. Kátia Schweickardt, por exemplo, indicada para a Secretaria de Educação Básica, além de membra da Fundação Lemann é consultora do Todos Pela Educação, o maior movimento empresarial de educação do país.

Durante os dois primeiros meses deste ano, Lula e Camilo mantiveram-se em silêncio acerca do NEM. Mas a pressão dos estudantes e educadores fez com que o MEC se pronunciasse: primeiro, foi chamado um ato pela revogação do NEM para o dia 15 de março. Em resposta, dias antes do ato acontecer, no dia 8, Camilo publicou a Portaria MEC nº 399/2023 instituindo a consulta pública para a avaliação e reestruturação da política nacional de Ensino Médio. O procedimento contaria com audiências públicas, seminários, oficinas e pesquisas com estudantes, professores e gestores. Depois, foi chamado um novo ato para o dia 19 de abril. Antecipando-se ao ato mais uma vez, no dia 4, Camilo publicou a Portaria MEC nº 627/2023 suspendendo temporariamente o calendário de implementação do NEM. Somente então a consulta iniciou-se de fato.

Em meio a uma série de eventos e debates, o deputado João Carlos Bacelar (PV-BA) apresentou à Câmara o PL 2.601/2023, um projeto de lei que, se aprovado, substitui o Novo Ensino Médio. Entre as alterações propostas pelo PL 2.671/2023, destacam-se algumas: o currículo do Ensino Médio passa a ser composto por uma Base Nacional Comum, destinada à Formação Geral Básica, e por uma Parte Diversificada, destinada ao aprofundamento científico, tecnológico, cultural e profissional; a carga horária destinada ao cumprimento da Formação Geral Básica não poderá ser inferior a 2400 horas do total da carga horária do Ensino Médio, que será de 3000 horas; a carga horária destinada à Formação Geral Básica deverá ser obrigatoriamente ofertada na modalidade presencial; a parte diversificada definida em cada sistema de ensino, poderá ser organizada por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares voltados ao aprofundamento da ciência, da tecnologia, da cultura e do mundo do trabalho, conforme a relevância para o contexto local, histórico, econômico, social, ambiental e cultural; e os currículos do Ensino Médio deverão assegurar distribuição equilibrada da carga horária entre os componentes curriculares obrigatórios, de modo a favorecer a formação integral dos sujeitos. O projeto está em tramitação na Câmara.

A consulta teria o prazo de 90 dias, sendo possível a prorrogação por mais 30 dias – o que de fato aconteceu. Passados os 120 dias, coube à Secretaria de Articulação Intersetorial elaborar um relatório a ser enviado a Camilo em até 30 dias. Um resumo deste relatório foi apresentado pelo MEC no dia 7 de agosto. Com o relatório em mãos, Camilo deveria analisar todas as contribuições recebidas durante a consulta para então posicionar-se acerca dos rumos da política nacional do Ensino Médio. Tal posicionamento se deu através do PL 5.230/2023, assinado pelo ministro e enviado à Câmara no dia 26 de outubro para tramitação em regime de urgência. Conforme exposto pelo Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade em uma matéria para a Carta Capital, o regime de urgência é perigoso pois acelera a discussão de um projeto novo em um prazo curto e sem passar pela Comissão de Educação, já que este vai direto para apreciação no plenário.

O PL de Camilo não tem a intenção de revogar o NEM, mas reformá-lo. Trata-se da reforma da reforma. De um novo Novo Ensino Médio. Contudo, apesar de muito aquém do esperado, esse PL propõe o retorno das 2400 horas para a formação geral básica e revoga os itinerários formativos, pontos nos quais converge com o PL 2.601/2023 mencionado anteriormente. Além disso, o PL surge como resultado de uma consulta pública – metodologicamente criticável, mas ainda assim, a maior abertura ao debate sobre o assunto desde 2016, quando a MP 764/2016 foi publicada.

Sabotagem do Centrão e omissão do governo

Como se o caminho percorrido até aqui já não fosse complicado o suficiente, o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) indicou o deputado Mendonça Filho (União-PE) como relator do PL 5.230/2023. Mendonça foi ministro da Educação de Temer e assinou a MP 476/2016 junto ao ex-presidente. Em seu parecer, publicado no dia 11 de dezembro, Mendonça diz ser possível aprimorar o legado de Temer e propõe um substitutivo ao PL. Nele, diminui de 2400 para 2100 horas a Formação Geral Básica, retoma o conceito de “notório saber” para a contratação de professores e prevê até 20% de EaD no Ensino Médio, entre outros pontos criticados pelo Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade. Em síntese, o substitutivo assemelha-se muito à MP 476/2016.

Devido às divergências com o relator e às críticas de inúmeras entidades estudantis e de educadores ao relatório, no dia 12 o governo pediu a retirada do regime de urgência do PL 5.230/2023. Mas no dia 13 Arthur Lira submeteu ao plenário a análise da urgência do PL, que foi aprovada pelos deputados por 351 votos a favor e 102 contra. Entre os votos favoráveis consta o de José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara, que orientou a base a votar pela urgência. O próprio PT, que havia solicitado a retirada do regime de urgência, inicialmente liberou a bancada para a votação, orientando o voto contrário depois de já iniciada a votação. A confusão do partido garantiu o voto de cinco de seus deputados em favor da urgência.

Após a derrota da Câmara, o PL seria votado na sessão do dia 19, mas deputados do PSOL, PCdoB, PDT, PV e do próprio PT, em articulação com o Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade, conseguiram a retirada de pauta e o adiamento da votação para março de 2024. Diante de toda essa confusão, Camilo não emitiu nenhum parecer contrário ao substitutivo de Mendonça Filho. Não se manifestou em defesa das 2400 horas de Formação Geral Básica, nem contra o “notório saber” para a contratação de professores, nem contra a possibilidade de 20% do Ensino Médio ser ofertado via EaD. Mas o silêncio também fala.

Sendo assim, fica evidente o MEC de Camilo Santana está escolhendo dar continuidade à política educacional de Temer e Bolsonaro. Não nos esqueçamos da nomeação de Wirthmann Ferreira para liderar a Coordenação Geral de Ensino Médio, da Secretaria de Educação Básica do MEC, assinada por Camilo em 30 de março deste ano. Wirthmann assumiu a mesma posição durante o governo Bolsonaro, tendo sido nomeado por Milton Ribeiro, o ex-ministro da Educação de Bolsonaro preso devido às denúncias de tráfico de influência e corrupção.

Apesar de suas limitações, a LDB de 1996 representou uma conquista para a educação brasileira. Contudo, apenas duas décadas depois, sofreu um golpe severo com a MP 746/2016, golpe este que foi legitimado pela Câmara, ao converter a MP em lei sem que esta fosse previamente debatida com a sociedade civil; pelo STF, ao julgar a reforma do Ensino Médio como constitucional, ainda que Temer tenha utilizado uma medida provisória que não sustentava os argumentos de relevância e urgência como prevê a Constituição; e agora pelo MEC de Camilo, que não tem a ousadia de manifestar-se em defesa do próprio projeto de lei elaborado após consulta pública, permitindo o avanço do substitutivo de Mendonça Filho.

O slogan escolhido pelo governo federal foi Brasil: união e reconstrução. Há um entendimento de que o país viveu anos de destruição – social, econômica, ambiental -, por isso a necessidade de reconstruí-lo. Contudo, ainda há muitas vigas de pé. Ainda há muitas estruturas sustentando o legado autoritário de Temer e Bolsonaro – e a reforma do Ensino Médio é uma delas. Não se reconstrói aquilo que ainda não foi destruído. É necessário derrubar uma parede para levantar outra em seu lugar. Camilo precisa entender que estar no comando de um ministério como o da Educação exige coragem para defender o que é verdadeiramente urgente: defender a escola pública daqueles que tentam transformá-la em um instrumento de legitimação da barbárie.

A trajetória até aqui foi bastante árdua. Agora, mais do que nunca, é hora de reorganizar os movimentos estudantil e docente para que consigamos reagir à altura do desafio que temos pela frente. A tarefa mais urgente é barrar o substitutivo de Mendonça Filho, mas há muito mais a ser feito. É necessário disputar o melhor projeto para o Ensino Médio brasileiro, dentro e fora do Congresso, e defender a LDB e os seus princípios fundamentais, entre eles: a garantia do direito à educação; a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; e a garantia de padrão de qualidade. Isso significa construir espaços em que a escuta seja imperativa – esta, sem a qual a ação dialógica e transformadora não acontece. Nós, estudantes e educadores do país, temos muito a dizer sobre o Ensino Médio que queremos. E temos dito em todos os meios que nos cabem. Estaria o MEC disposto a nos ouvir? Ou utilizará a consulta pública apenas para legitimar uma falsa escuta, que não resulta em ação transformadora?

Sobre os autores

é pedagoga formada pela Unicamp, educadora na rede municipal de Campinas e comunicadora nas redes sociais.

Cierre

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Published in América do Sul, Análise, DESTAQUE, Educação, História and Legislação

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