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O agricultor palestino Atta Jaber ara suas terras na Cisjordânia em 4 de abril de 2021, com o assentamento israelense de Kiryat Arba’a ao fundo. (Hazem Bader / AFP via Getty Images)

A agricultura sob ocupação israelense é brutal

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Tradução
Sofia Schurig

Os ataques de Israel contra os palestinos não são apenas realizados por meio de armas e bombas. Eles também ocorrem por meio de seu controle rígido sobre a agricultura, incluindo seu sistema de "apartheid da água". Conversamos com um agricultor palestino e líder sindical sobre seu trabalho sob ocupação.

UMA ENTREVISTA DE

Alex N. Press

A cidade de Bardala, no norte do Vale do Jordão, não carece de água. Nascentes e reservatórios atraíram os primeiros moradores da vila, e antes da ocupação de Israel na Cisjordânia em 1967, os moradores tinham água em abundância para sustentar a si mesmos e à atividade agrícola, que é sua principal fonte de subsistência. Mas hoje, Israel aproveita seu controle militar sobre a vila, assim como faz no restante do Vale do Jordão, para monopolizar o recurso. É um sistema de “apartheid da água“, que deixa os moradores da área em um estado de incerteza perpétua, sempre em risco de ficarem sem água.

Em 1973, os israelenses construíram um poço de água no centro de Bardala e começaram a restringir o acesso dos palestinos à sua própria água. Em vez disso, os israelenses desviaram a água da terra para os assentamentos próximos, prática facilitada pelos Acordos de Oslo II. Até hoje, as forças de ocupação israelenses controlam a grande maioria da água de Bardala.

Quando os moradores palestinos, sem outra opção, conectam sua própria tubulação de água à dos israelenses para acessar água, os israelenses não perdem tempo em tentar detê-los. Acompanhados por funcionários da Mekorot, uma empresa de água israelense que tem um virtual monopólio sobre o recurso na Cisjordânia, eles entram na vila, cavam a tubulação de água dos palestinos e a desconectam. Se encontram buracos nas tubulações israelenses, que os palestinos usam para desviar parte da água, os selam.

Em 2017, os israelenses realizaram uma operação particularmente extrema contra os moradores de Bardala, trazendo quarenta escavadeiras e dezenas de soldados para a cidade para destruir e confiscar as tubulações de água dos palestinos.

Isso mina a capacidade de agricultores como Rashid Khudairi, presidente da União de Instituições Públicas para Agricultores, de ganhar a vida. Já sobrecarregados com a travessia de checkpoints para levar seus produtos ao mercado, os agricultores devem suportar o sistema de apartheid da água de Israel. Tudo isso se soma a uma interferência sistemática na capacidade dos palestinos de viverem de forma independente.

Khudairi, que também é membro da Solidariedade do Vale do Jordão, uma rede que combate abusos aos direitos humanos na Cisjordânia, falou com Alex N. Press, da Jacobin, sobre as condições dos agricultores palestinos na Cisjordânia quase seis meses após a guerra de Israel contra Gaza. A conversa foi editada para maior concisão e clareza.


ANP

Você pode me contar sobre você e que tipos de culturas você cultiva?

RK

Minha fazenda fica em Bardala, no norte do Vale do Jordão. Eu trabalho como agricultor há dezessete anos, e meu avô, pai e tia também trabalharam na terra. Eu e dois dos meus irmãos criamos uma cooperativa de agricultores, e outros agricultores do Vale do Jordão também fazem parte dela. Eu cultivo frutas de goiaba, oliveiras e trigo. Este ano, também cultivei milho e grão-de-bico.

É realmente difícil para os agricultores, especialmente no Vale do Jordão. O principal recurso para os agricultores é a água, e 85% da água em todo o Vale do Jordão é controlada pela Mekorot, uma empresa israelense. Eles se recusam a nos dar nosso direito à água: água potável, água agrícola ou qualquer tipo de água.

Estamos realmente sofrendo sem acesso aos recursos hídricos. Temos muita água, mas nos é proibido acessá-la porque é controlada pelo governo e pelos soldados israelenses. Eles criaram um sistema de apartheid da água, e nossa comunidade, agricultores e famílias nem sequer têm acesso a água potável.

Apenas alguns dias atrás, soldados israelenses vieram a Bardala e destruíram nossa tubulação de água, deixando a vila, especialmente os agricultores, sem água. Então, a água é o principal desafio, mas também é difícil exportar nossos produtos. Não temos uma fronteira real; é controlada por Israel, e eles pedem muitos impostos. Além disso, há os checkpoints ao redor do Vale do Jordão. Quando preciso enviar meus produtos para o mercado principal na Cisjordânia, tenho que passar por pelo menos um ou dois checkpoints, o que pode significar horas de espera. Trabalhar sob ocupação é realmente muito difícil.

ANP

Você disse que os soldados destruíram a tubulação de água de Bardala nesta semana. Eles fazem isso com frequência?

RK

Bardala é uma história especial. Antes de 1967, uma empresa jordaniana perfurou um poço de água, e recebíamos cerca de 250 metros cúbicos de água por hora, e a população era de apenas cerca de trezentas pessoas. Então, a água era suficiente para toda a população.

Bardala resistiu após a guerra, então, em 1971, a Mekorot perfurou três poços de água no centro de nossa vila. Mais tarde, fizeram o chefe de nossa vila assinar um documento para parar nosso poço de água; em troca, disseram que nos dariam água de graça. No início, fizeram isso, mas em 1996, começ

aram a dar cada vez menos. Eles usam a água como estratégia e política para destruir nossa economia e deslocar nosso povo para fora do Vale do Jordão. Os três poços de água que os israelenses construíram em nossa vila dão aos israelenses 1.000 metros cúbicos de água por hora. Isso é muita água e seria suficiente para toda a população, tanto israelense quanto palestina.

Eles criaram um sistema de apartheid da água, e nossa comunidade, agricultores e famílias nem sequer têm acesso a água potável.
Os poços israelenses e a tubulação de água israelense que levam a água de nossa vila para a colônia israelense cruzam nossa vila e passam por baixo de nossas casas, então a solução fácil é conectar nossa tubulação de água com a dos israelenses que leva nossa água da vila. Mas todo mês, os soldados israelenses vêm com escavadeiras e trabalhadores da Mekorot — às vezes eles fecham a estrada principal que permite acesso à nossa vila — e começam a cavar. Quando encontram nossa tubulação de água, a destroem.

Às vezes, a confiscam, às vezes a destroem e a deixam na vila, e fecham os buracos onde conectamos nossa tubulação. Mas a única maneira de sobreviver e resistir é recuperar um pouco de água para nossos civis que estão sofrendo.

ANP

Você me disse que a situação para os trabalhadores agrícolas piorou muito desde 7 de outubro. Você pode falar mais sobre isso?

RK

A situação é terrível para os trabalhadores cujos empregos são dentro de Israel ou em uma colônia israelense na Cisjordânia. São cerca de 200.000 trabalhadores no total, e muitos desses trabalhadores foram detidos e depois expulsos após 7 de outubro. Foi mais difícil para aqueles de Gaza, pois foram expulsos para a Cisjordânia em vez de permitidos de volta a Gaza. Estamos falando de milhares de pessoas que não têm casa ou família aqui ou em qualquer outro lugar, e a maioria delas não recebeu seu último salário. Israel não encontrou um lugar para eles ficarem ou deu a eles qualquer dinheiro.

Como sindicato no Governadorato de Tubas, organizamos moradia para eles, além de comida e dinheiro. Israel não se importa com eles. Alguns deles foram liberados no meio da noite na estrada principal perto do principal checkpoint israelense. São pessoas que não conhecem a área, não têm amigos lá, e algumas delas tentaram se esconder perto da estrada porque estavam com muito medo de ataques de colonos ou outros tipos de ataques. Nem sequer tiveram direito a advogados ou a ligar para suas famílias para explicar o que aconteceu.

ANP

Então, milhares de trabalhadores de Gaza foram libertados da detenção israelense para a Cisjordânia e não são permitidos de volta a Gaza?

RK

A maioria deles ainda está na Cisjordânia. Eles ainda estão bombardeando Gaza, e não há como entrar ou voltar. E é realmente perigoso para eles voltarem. Na minha cidade, cinquenta desses trabalhadores estão lá. Como sindicato, fornecemos cerca de seis casas para eles, e descobrimos suas necessidades: água, eletricidade, comida e assim por diante. E algumas famílias também os apoiaram, arrecadando dinheiro e comida. Organizamos para que alguns deles também tenham trabalho, o que significa que não precisam de muito apoio. Quando Israel os expulsou, a maioria deles não recebeu o último mês de salário.

Por meio de nossos advogados, estamos acompanhando alguns casos para recuperar algum dinheiro para eles, como é seu direito. Alguns deles estão doentes, e os encaminhamos para médicos ou um hospital. Muitos desses trabalhadores que foram empregados em colônias israelenses na Cisjordânia já tinham uma vida difícil antes da guerra. Eles recebiam de oitenta a cem shekels por dia, o que não é suficiente para sustentar uma família. A lei trabalhista israelense estipula um salário mínimo de trinta shekels por hora, e eles recebiam muito menos que isso.

É difícil encontrar trabalho para essas pessoas deslocadas na Cisjordânia quando estamos falando de tantas pessoas. Sessenta e cinco por cento de nossa terra está sob controle israelense, e não temos permissão para ter água, construir casas ou fábricas. Nem sequer podemos acessar nossa terra. A única solução era para as pessoas trabalharem dentro da colônia israelense — Israel garantiu isso controlando a terra e a água. Quando falamos sobre nossa própria autoridade, o Ministério do Trabalho ou qualquer outra pessoa, estamos realmente falando de autoridade sob ocupação, que é autoridade sem autoridade.

ANP

Você descreveu as autoridades palestinas como “autoridade sem autoridade”. Há algo que você gostaria que eles estivessem fazendo para amenizar a situação atual?

RK

Nós desejamos muito. Desejamos muito não apenas de nossa autoridade, porque não temos apoio político internacional suficiente do Ocidente: Estados Unidos, Inglaterra, Europa. Se eles apoiassem o fim da ocupação da área de 1967, poderíamos ter uma chance para nossa autoridade implementar soluções para o que estamos sofrendo. Mas estamos falando de autoridade sob ocupação.

Como palestino, não acredito que seja um problema dos palestinos. Estamos sob ocupação, e por que estamos sob ocupação? Não acredito que os Estados Unidos e todo o mundo ocidental tenham democracia. Se tivessem democracia, por que ficariam calados sobre o que está acontecendo aqui? Por que ainda estariam enviando apoio militar ao governo israelense enquanto veem o que Israel está fazendo, que é genocídio, bem como diferentes crimes em Gaza e na Cisjordânia e no Vale do Jordão?

Aqui na Cisjordânia, estamos falando de apartheid da água. Por que a comunidade internacional ainda está apoiando Israel enquanto f

ala sobre paz e democracia? Como podemos falar sobre paz e democracia quando há mais de dois milhões de pessoas em Gaza que não têm comida e água? O que aconteceu em 7 de outubro não é toda a história. A história é de 48 a 67 até agora, e muitos dos governos do mundo ainda estão apoiando Israel. Estamos começando a sentir alguma mudança nos últimos dois meses, à medida que alguns países param de enviar apoio militar, e espero que vejamos mais mudanças.

ANP

Há algo mais que você gostaria de dizer aos trabalhadores nos Estados Unidos?

RK

Todos os trabalhadores devem ter os mesmos direitos e liberdades, seja nos Estados Unidos ou no Oriente Médio. Precisamos nos unir para criar um mundo com democracia real, com vidas justas e plenos direitos. Espero que os trabalhadores e toda a população nos Estados Unidos decidam lutar pela liberdade do mundo, para impedir a decisão errada dos Estados Unidos de apoiar a ocupação israelense.

Espero que eles possam pressionar seu governo para fazer a paz no Oriente Médio, e não apenas para os palestinos. Os Estados Unidos estão tentando controlar o mundo inteiro, e fazem isso apoiando Israel. Eles acreditam que podem manter o poder por meio do controle total do Oriente Médio. Mas eles não podem fazer isso para sempre.

ANP

Você pode me contar mais sobre o sindicato do qual é presidente, a União de Instituições Públicas para Agricultores?

RK

Criamos este sindicato em 2016 no norte do Vale do Jordão, e temos milhares de agricultores-trabalhadores neste sindicato. Na área do Governadorato de Tubas, temos cerca de quatro mil agricultores. Não pertencemos a nenhum partido político específico; pertencemos apenas aos nossos trabalhadores, e estamos lutando pelos direitos dos agricultores.

Nossa liberdade é a liberdade do mundo, e é por isso que a solidariedade internacional é tão importante.
Conseguimos seguro saúde gratuito para nossos trabalhadores, então agora qualquer agricultor-trabalhador pode ter seguro saúde gratuito. Por meio de nossos advogados, estamos acompanhando casos dentro dos tribunais israelenses para lutar por trabalhadores que são mal remunerados. Estamos trazendo mais oliveiras para os agricultores e temos um caminhão que pode levar os produtos dos agricultores das fazendas para o mercado. Também estamos organizando workshops sobre direitos dos trabalhadores e segurança dos trabalhadores.

ANP

Há mais alguma coisa que você acha que as pessoas nos Estados Unidos deveriam saber sobre a situação dos agricultores na Cisjordânia agora?

RK

Vemos na mídia muitas demonstrações em solidariedade aos palestinos, e realmente apreciamos essa solidariedade e apoio. Esperamos que continuem lutando por nossa liberdade e nossos direitos.

Também pediria à população dos EUA que visite e veja os fatos da vida aqui, se puderem. A vida é realmente difícil, mas ao mesmo tempo, as pessoas em nossa área são adoráveis, e a área é linda. Nossa liberdade é a liberdade do mundo, e é por isso que a solidariedade internacional é tão importante. Queremos liberdade para os trabalhadores, liberdade para os seres humanos, liberdade para ter um mundo verdadeiramente seguro, sem mais guerra, bombardeios e mortes.

Sobre os autores

é redatora da equipe da Jacobin. Seus textos são publicados no Washington Post, Vox, the Nation, n + 1, entre outros lugares.

Rashid Khudairi

é presidente do Sindicato das Instituições Públicas para os Agricultores, parte da Nova Federação Palestina de Sindicatos. Ele vive em Bardala, no norte do Vale do Jordão, na Cisjordânia.

Cierre

Arquivado como

Published in Direitos Humanos, Entrevista, Guerra e imperialismo and Oriente Médio

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