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Foto do Gonzaguinha em 1988. Foto de Wikemedia Common.

A atualidade da revolta de Gonzaguinha continua viva

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O cantor e compositor Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, mais conhecido como Gonzaguinha, faleceu neste dia em 1991. Com músicas que poderiam ser trilha sonora para filmes de política e revoluções, crônica social na alegria e na tristeza, ele se tornou uma das vozes da identidade nacional.

“Você deve notar que não tem mais tutu
E dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
E dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre um ar de alegria
E dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
E esquecer que está desempregado.”

Comportamento geral, Gonzaguinha (1973)


Entre 1964 e 1985, um conjunto de canções se empenhou em devassar o mundo do segredo, do censurado, do impublicável para contestar a versão oficial colocada em curso pelo regime militar.

Em “Tocaia”, por exemplo, composta em 1973, Sérgio Ricardo narrou o assassinato de outro importante dirigente da luta armada, o capitão Carlos Lamarca, no sertão baiano, após implacável perseguição dos órgãos de segurança. Já no ano seguinte, quando o MPB-4 gravou “Tá certo, doutor”, autoria de Gonzaguinha, o alvo da canção era outro: o governo do general Geisel havia proibido qualquer notícia na imprensa sobre a epidemia de meningite que começou na periferia de São Paulo, chegando até o Rio de Janeiro e matando, no seu auge, cerca de 2.800 pessoas, crianças na sua esmagadora maioria.

Foi essa notícia que o MPB-4 tratou de fazer circular amplamente pelo país, em uma interpretação antológica da composição de Gonzaguinha, gravada no disco “Palhaços e reis”, e que começa exatamente com o aviso: “cuidado aí, gente, olha o menino com meningite aí, gente!”

Enquanto o governo tratava de negar que havia um surto da doença no Brasil, a grande imprensa oscilava entre denúncia e “vista grossa” do caso. Porém, o estrago que a enfermidade causava no país, sendo ou não noticiada, era sentida por milhares de brasileiros.

Driblando a censura

Gonzaguinha, era protagonista de canções que contavam histórias do sentimento brasileiro. Com músicas que poderiam ser trilha sonora para filmes de política e revoluções, crônica social na alegria e na tristeza, Gonzaguinha é uma das vozes da identidade nacional. Dono de uma voz que tocou o Brasil e se tornou memória do sentimento coletivo que eternizou canções como “O que é o que é?”.

Em ativa militância política com canções de crítica e resistência, com dezenas de músicas proibidas pela censura, refletindo as mudanças do Brasil, ele também explodiu os corações do país com suas canções românticas viscerais. 

Explode coração

Ao despontar no fim dos anos 1960, Luiz Gonzaga Júnior tinha toda a pinta de bad boy. Magro, barbudo e combativo, era, ao lado de Ivan Lins e Aldir Blanc, um dos pontas de lança do Movimento Artístico Universitário, carrancudo até na abreviação do nome “MAU”. Mas, quando morreu num acidente de carro, em 1991, aos 45 anos, já era identificado pelo apelido carinhoso de Gonzaguinha, pelo seu caráter doce e amoroso e pelas mais de duas dezenas de sucessos, amplificados pelas vozes de Maria Bethânia, Elis Regina, Nana Caymmi, Marlene, Simone, Zizi Possi, Frenéticas, Fágner e Joana.

Síntese da veia poética e da emoção visceral do compositor, “Explode coração” foi lançado em 1978 por Bethânia e se tornou um dos clássicos românticos da música brasileira. Nascendo, rompendo, chorando, sorrindo e gritando, o carioca Gonzaguinha encontrou na música a melhor forma de se aproximar do pai, o Rei do Baião, Luiz Gonzaga, com quem teve uma relação marcada por admiração mútua e conflitos intensos. 

“Marcado pelo estilo denúncia-social e pela sistemática perseguição da censura, chegou a ser identificado como cantor rancor na primeira fase da carreira.”

Ainda estudante de economia, Gonzaguinha soltou a voz no Primeiro Festival de Música Universitária, em 1968, chegando às finais com a música “Pobreza por pobreza”. Na edição do ano seguinte, foi o vencedor com “O trem”, de harmonia audaciosa e letra contundente e sarcástica. Marcado pelo estilo denúncia-social e pela sistemática perseguição da censura, chegou a ser identificado como cantor rancor na primeira fase da carreira.

Narrando em desabafo o cotidiano do brasileiro como em Dias de Santos e Silvas, a jornada de exploração e o avanço do capitalismo tardio e a vida precária estavam presentes em suas canções-manifesto. A crítica à obrigação de abrir um sorriso em meio aos tempos neoliberais também podem ser encontradas em canções como “Um sorriso nos lábios”. 

A atualidade da revolta de Gonzaguinha estão vivas para serem resgatadas. Nos dias atuais que a felicidade se tornou uma ordem e obrigação individual para impor um comportamento geral, o cantor do rancor nos lembra a questionar: afinal, como podemos pôr um sorriso nos lábios e dizer que a vida é linda, à margem da sociedade desigual? 

Sobre os autores

é tradutora, redatora e repórter na Jacobin Brasil. Também é jornalista no Opera Mundi, membro do Fórum Latino Palestino.

Cierre

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Published in América do Sul, Análise, Cultura, História and Música

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