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Carlo Rosselli sentado com um grupo de membros do movimento antifascista italiano Giustizia e Libertà na década de 1930. (Mondadori Portfolio / Getty Images)

Aprendendo com o antifascismo italiano

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Tradução
Pedro Silva

Não é possível entender o antifascismo se você não entender o fascismo, tanto em suas formas contemporâneas quanto historicamente em países como a Itália.

UMA ENTREVISTA DE

Chris Maisano

O movimento antifascista italiano Giustizia e Libertà (“Justiça e Liberdade”) lembra a piada de Brian Eno sobre o primeiro álbum do Velvet Underground: ele vendeu apenas dez mil cópias na época, mas todos que o compraram formaram uma banda.

Não foi um movimento de massa, mas atraiu vários dos principais intelectuais antifascistas da época, muitos dos quais passaram a desempenhar papéis importantes na vida intelectual, política e cultural italiana do pós-guerra. Sua figura principal, Carlo Rosselli, não viveu para ver o impacto de longo prazo da influência de seu movimento. Fascistas franceses, agindo sob a direção de agentes do regime de Benito Mussolini, assassinaram Carlo e seu irmão Nello em Paris em 1937. Seu funeral levou 100.000 pessoas às ruas, testemunhando o status dos irmãos (mas especialmente de Carlo) como militantes antifascistas aos olhos de seus contemporâneos.

Apesar disso, o Giustizia e Libertà foi amplamente esquecido fora da Itália. Isso foi uma perda para antifascistas e socialistas de todo o mundo, porque o movimento italiano deixou um legado importante de ideias e inspiração para uma nova geração enfrentando movimentos fascistas e radicais de direita que ressurgem em todos os continentes.

Felizmente, uma tradução em inglês do estudo do acadêmico italiano Marco Bresciani sobre o Giustizia e LibertàLearning from the Enemy: An Intellectual History of Antifascism in Interwar Europe (Aprendendo como inimigo: uma história intelectual do antifascismo na Europa entre guerras), começa o trabalho de recuperação dessa memória para um novo público. O editor colaborador da Jacobin, Chris Maisano, falou recentemente com Bresciani sobre seu livro, a história do Giustizia e Libertà e suas principais figuras, e a relevância do movimento para os dias atuais.


CHRIS MAISANO

Conte-me um pouco sobre as origens do projeto. Por que escrever um livro sobre o Giustizia e Libertà?

MARCO BRESCIANI

Este é o resultado de uma longa trajetória que começou no final dos anos 90. O interesse original era na complexa relação entre antifascismo e comunismo. Meu principal interesse era tentar descobrir como repensar o antifascismo de novas maneiras. Naquela época, havia um grande debate público na Itália sobre antifascismo, com uma consideração especial ao Giustizia e Libertà e ao Partito d’Azione.

Então me interessei por Andrea Caffi, um intelectual e revolucionário nascido na Rússia que fazia parte da rede do Giustizia e Libertà, mas teve uma vida fascinante, principalmente no exílio na França. Ele estava envolvido no movimento revolucionário russo e participou da experiência bolchevique antes de se opor ao movimento e regime de Mussolini, enquanto sempre foi muito crítico à União Soviética de [Joseph] Stalin. Então escrevi sua biografia, e esta foi minha aproximação com os debates, a história e as experiências do Giustizia e Libertà.

Então, a crise econômica de 2008 e sua reação geopolítica, com a ascensão de novas forças nacionalistas-populistas, chegaram. À luz desses novos problemas, o interesse original na relação entre antifascismo e comunismo se tornou muito mais complexo. A ideia era pensar sobre como, nos anos 30, uma grande crise econômica, política e civilizacional foi entendida e quais ferramentas foram desenvolvidas para lidar com isso. A ideia do livro era reunir a história do próprio grupo, junto com algumas das principais biografias das pessoas que participaram dele — primeiro, é claro, Carlo Rosselli — e então situar essa história dentro do contexto da Europa entre guerras.

CM

Carlo Ginzburg falou sobre a necessidade de Vittorio Foa aprender com o inimigo: neste caso, a necessidade de aprender com o fascismo. É daí que você tira o título do seu livro. O que Foa e seus camaradas antifascistas achavam que poderiam aprender com o fascismo?

MB

Meu diálogo constante com Carlo Ginzburg foi muito importante para essa reformulação do livro. Como eu disse, pensei que Giustizia e Libertà fornecia um excelente estudo de caso para repensar o antifascismo de forma mais realista. A ideia de aprender com o inimigo reconceitualiza a relação entre fascismo e antifascismo de muitas maneiras. Este é um livro não apenas sobre antifascismo, mas também sobre fascismo.

A ideia aqui é que você não pode realmente entender o antifascismo se você não entender o fascismo. Você não pode entender verdadeiramente o fascismo e o antifascismo se você não pensar neles como parte de um processo dinâmico, como fenômenos que têm diferentes interações e conexões que mudam ao longo do tempo.

O fascismo foi uma grande ruptura na história europeia. Giustizia e Libertà rejeitou e lutou contra soluções fascistas para a crise europeia, mas sua ideia era que, de muitas maneiras, o fascismo catalisou algumas das principais características da crise política, social, econômica e intelectual da Europa, decorrentes da Grande Guerra (Primeira Guerra Mundial) e seus legados. A ideia era aceitar questões colocadas pelos desafios fascistas enquanto rejeitava e combatia as soluções fascistas.

Assim, muitos pontos no livro tentam explicar um tipo de atitude ideológica e ant ideológica, uma atitude retórica e antirretórica, e uma posição moralista e anti moralista porque o Giustizia e Libertà sabia que o fascismo era uma resposta possível, até plausível, mas terrível para a crise europeia, e eles o rejeitaram.

CM

Qual era a percepção do Giustizia e Libertà sobre as questões levantadas pelo fascismo?

MB

Primeiro, temos que especificar que esse era um grupo de personalidades distintas e fortes. Tinha perspectivas e atitudes muito diferentes em relação ao fascismo, embora houvesse um ponto em comum que unificava o grupo.

“A ideia era aproveitar sua própria interpretação da tradição nacionalista italiana e combiná-la com a perspectiva liberal, democrática e socialista.”

Por exemplo, enquanto Caffi argumentava que a Grande Guerra e as revoluções russas foram uma grande ruptura na história europeia, Carlo Rosselli pensava que a ascensão do fascismo tinha sido um ponto de virada na Itália do pós-guerra. De acordo com Rosselli, a ordem social, política e econômica da Itália liberal teve que ser remodelada para fornecer um tipo de resposta. A ideia era recorrer à sua própria interpretação da tradição nacionalista italiana e combiná-la com a perspectiva liberal, democrática e socialista. Eles teriam que remodelar o estado nacional em direção a uma perspectiva liberal socialista e, então, cada vez mais federalista, e lutar contra a ideia da nação dos fascistas.

Mas eles também estavam muito atentos, assim como os fascistas, a como uma ideia de Europa também poderia fornecer um conjunto de soluções para os problemas e conflitos decorrentes da Grande Guerra, do colapso dos impérios continentais na Europa Central e Oriental e da crise da democracia liberal. Em certo sentido, isso implicava se colocar no terreno imposto pelos fascistas e então procurar por soluções diferentes.

Outro exemplo é o interesse do Giustizia e Libertà pelo corporativismo. Eles analisaram e discutiram as maneiras pelas quais governos autoritários e iliberais tentaram resolver a crise econômica após 1929, mas buscaram maneiras criativas de interseccionar política e economia como bases para uma nova Itália e Europa pós-fascistas.

CM

O que Rosselli, Foa e outros viram na tradição nacional italiana, no que significava ser italiano, que teria uma utilidade potencial para os antifascistas na luta contra o fascismo?

MB

Eles olharam para o pensamento de Giuseppe Mazzini e Carlo Cattaneo como pontos de referência para uma nova ideia de Itália. Ao mesmo tempo, eles estavam tentando estabelecer novas relações entre o Estado e a sociedade em termos democráticos, liberais e socialistas. Mazzini era um ponto em comum para fascistas e antifascistas, mas os antifascistas tiveram que lutar para se apropriar de suas ideias e torná-las uma fonte fundamental para seu próprio projeto político, afastando-o das interpretações fascistas.

O pensamento de Cattaneo tornou-se importante à medida que eles tentavam repensar e remodelar o Estado-nação centralista italiano de forma federalista, no mesmo momento em que a cultura fascista tentava legitimar a transformação autoritária do estado e fortalecer suas tendências centralizadoras. No entanto, ainda mais importante a esse respeito foi a lição fornecida pelas experiências do pós-guerra com ações coletivas nas fábricas e no campo, conselhos de trabalhadores e camponeses e novas formas de participação popular desde baixo, como o exemplo dos Sovietes na Rússia revolucionária, etc. Todas essas energias revolucionárias foram canalizadas para novas ideias de federalismo social, como no caso de Leone Ginzburg, pai de Carlo Ginzburg.

Por outro lado, nem todos associados ao Giustizia e Libertà concordaram com essa abordagem. Andrea Caffi, por exemplo, realmente questionou essa tentativa de se apropriar da tradição do Risorgimento italiano dos fascistas e não viu potencial revolucionário e antifascista no nacionalismo. Leitor apaixonado de [Alexander] Herzen e [Pierre-Joseph] Proudhon, ele desenvolveu uma opinião muito crítica da abordagem nacionalista à crise europeia. Notavelmente, ele se baseou em sua experiência dos colapsos imperiais na Europa Central e Oriental pós-1918, e sabia que apenas um reassentamento federalista poderia funcionar muito melhor do que o Estado-nação para evitar uma nova guerra catastrófica. Quando ele levou isso ao Giustizia e Libertà, Nicola Chiaromonte manteve a atitude crítica de Caffi em relação ao nacionalismo e os dois entraram em choque com a tentativa de Rosselli de se apropriar da tradição nacionalista italiana.

CM

Vamos tomar Mazzini como exemplo dessas disputas sobre o significado da história nacional da Itália. O que cada lado viu em Mazzini, e como eles o incorporaram em sua concepção do que a Itália deveria ser?

MB

A Grande Guerra foi considerada um poderoso gatilho para superar os limites do Risorgimento e completar a construção da nação italiana, e isso se tornou de fato um ponto comum para fascistas e antifascistas.

Os estudos sobre antifascismo negligenciaram um pouco esses pontos em comum. Os fascistas pegaram a ideia de uma revolução nacional de Mazzini, a ideia de que um Estado-nação italiano poderia ser estabelecido quando toda a comunidade estivesse envolvida na construção da nação. Eles estavam convencidos de que, após a Grande Guerra, era hora de terminar o Risorgimento com uma revolução republicana nacional, e essa era a tarefa de Mussolini.

Os antifascistas também estavam interessados ​​nessa ideia de revolução nacional, e também estavam convencidos de que o Risorgimento era um processo ainda a ser realizado. Isso também fazia parte do pensamento de Rosselli. Ele nasceu e foi criado em uma família judia e nacionalista italiana, envolvida na campanha intervencionista para a Itália participar da Grande Guerra. Mas ele achava que esse processo deveria vir de baixo na sociedade italiana. A ideia era reunir todas essas forças para criar um novo Estado-nação, e na perspectiva de Rosselli, ele deveria ser socialista liberal.

CM

Como você disse, Rosselli e outros giellisti tiveram essa ideia de completar o Risorgimento enquanto o levavam em uma direção socialista, liberal e democrática. Isso me lembrou a ideia de Antonio Gramsci de “nacional-popular”, de construir um movimento que está enraizado na classe trabalhadora, mas que se esforça para fornecer liderança à nação como um todo.

MB

Como Rosselli e outros do Giustizia e Libertà, Gramsci também fez parte dessa cultura do início do século XX que tentou renovar radicalmente a Itália liberal. Ele estava muito imerso nessa cultura vanguardista e idealista, onde uma figura como Georges Sorel também desempenhou um papel importante. A ideia de elites — elites morais, políticas e intelectuais especialmente — tentando renovar a ordem social e política era uma questão importante.

“A Grande Guerra foi considerada um poderoso gatilho para superar os limites do Risorgimento e completar a construção da nação italiana.”

Ao mesmo tempo, é claro, as tendências eram cada vez mais divergentes em muitos aspectos, pelo menos nos anos 20. Gramsci erigiu a maior parte de seu pensamento sobre essas questões em seus cadernos da prisão nos anos 30, então ele não podia manter muitos diálogos com o mundo externo. Rosselli rejeitou a ideia de que essa renovação radical, esse projeto de vanguarda de procurar uma nova Itália, pudesse ser implementado por partidos políticos, muito menos o tipo de partido que Gramsci defendia.

Em termos de meios políticos para renovar a Itália, houve uma diferença real. O Giustizia e Libertà e os comunistas tiveram alguns conflitos duros no início dos anos 30, especialmente no momento do “Terceiro Período” dos comunistas. O Giustizia e Libertà atacou fortemente a ideia de ditadura do proletariado, enquanto o líder comunista Palmiro Togliatti pensava que eles eram um movimento “burguês”, “social-fascista”. No entanto, em meados dos anos 30, no novo contexto da política antifascista da Frente Popular, o Giustizia e Libertà se aproximou dos comunistas, mas seus contatos não acabaram em acordos concretos reais, enquanto a atitude de Rosselli em relação à União Soviética se tornou mais simpática.

CM

Vamos falar mais sobre Carlo Rosselli. Já o mencionamos algumas vezes, e ele é uma figura muito importante nessa história. Quem foi Rosselli? Que papel ele desempenhou na história do Giustizia e Libertà e do antifascismo italiano e europeu?

MB

É uma pergunta muito difícil, porque ele mudou muito ao longo do tempo. Temos muitos Rossellis.

CM

Há uma página no livro onde você lista seis conjuntos diferentes de visões que Rosselli teve ao longo de alguns anos.

MB

Sim, exatamente. Ele desempenhou um papel crucial nessa história de várias maneiras diferentes. O que tento fazer no livro é mostrar todas as conexões entre Rosselli e o Giustizia e Libertà. Mas, ao mesmo tempo, o Giustizia e Libertà era muito mais do que apenas Rosselli. Ele era um intelectual e um acadêmico, um professor que trabalhava na universidade. Seu livro principal, Socialismo Liberale (Socialismo Liberal), foi, de muitas maneiras, o resultado de vários anos de trabalho duro em teoria econômica, história e teoria dos sindicatos, e a história do liberalismo e do socialismo.

Começou como intelectual e, depois, devido à pressão do contexto histórico, tornou-se cada vez mais político, especialmente nos anos 30. Esteve envolvido nos primeiros projetos editoriais antifascistas clandestinos em Florença e Milão, depois foi protagonista ao lado de Sandro Pertini na organização da fuga do líder socialista Filippo Turati da Itália para a França. Foi preso e enviado para o confinamento, onde pôde passar alguns anos estudando, lendo e escrevendo, embora em condições muito duras. Passou esse tempo conversando com Emilio Lussu, que é outra figura importante nesta história. Lussu e Rosselli fizeram uma fuga incrível da ilha-prisão de Lipari para Marselha e depois para Paris, onde fundaram o Giustizia e Libertà.

A inspiração de Rosselli era criar algo completamente novo. O ponto em comum para o novo movimento que ele buscava para reunir o máximo de forças possível dentro de seu grupo era uma perspectiva de revolução antifascista, que não é exatamente o mesmo que socialismo liberal. Então, essa ideia de enfatizar uma perspectiva antifascista revolucionária respondeu ao jogo de tentar mobilizar diferentes culturas e tradições políticas: republicana, democrática e socialista.

Além disso, o Giustizia e Libertà era um grupo de políticos e intelectuais no exílio. Exilados, começaram com um periódico (Quaderni di Giustizia e Libertà) e depois um jornal semanal (Giustizia e Libertà) para estimular o diálogo e o debate sobre a forma da futura ordem pós-fascista e de todos os outros temas relacionados à crise europeia dos anos 30: a ideia da Europa e da nação, a busca por uma perspectiva socialista, mas não marxista, e assim por diante.

Mas desde o começo, Rosselli pessoalmente pensou que a verdadeira batalha contra o fascismo só poderia ser travada na Itália. Ele conseguiu estabelecer uma rede clandestina na Itália com grupos em Milão, Turim, Roma e Trieste. Eles estavam tentando mobilizar as pessoas ainda dispostas a se mostrarem antifascistas dentro das condições cada vez mais hostis na Itália — e, ao mesmo tempo, organizar algumas formas de luta contra a ditadura de Mussolini.

Estudos antifascistas frequentemente tomam como certo o que o antifascismo significou e implicou no período entre guerras. No entanto, se considerarmos o caso do Giustizia e Libertà, percebemos que o antifascismo constituiu um conjunto muito flexível, muito criativo e experimental de respostas aos desafios da constante mudança de movimentos e regimes fascistas, mas também de governos autoritários e não liberais.

Esses eram desafios europeus. Consequentemente, o ano de 1933, com a ascensão de [Adolf] Hitler ao poder na Alemanha e o alcance gradualmente crescente do fascismo por toda a Europa, marcou um ponto de virada para o Giustizia e Libertà. Eles tentaram, portanto, descobrir que tipo de política pode responder a esse tipo fascista de hiperpolítica, e continuaram discutindo significados e implicações potencialmente novos da política naquele momento de crise.

CM

Isso se relaciona com o ponto que você levantou antes sobre como o fascismo e o antifascismo são tão inter-relacionados e como eles mudam ao longo do tempo. No debate sobre se Trump é fascista e se o MAGA é fascismo, frequentemente encontramos o argumento de que, como Trump e o Partido Republicano não aparecem exatamente da mesma forma que o Partido Fascista de Mussolini na Itália ou os nazistas de Hitler, eles não são fascistas. Mas o fascismo muda, ele sofre mutação, muda de forma. Conclui-se que o antifascismo faria a mesma coisa.

MB

Sim, isso é muito importante, embora eu não queira estabelecer ligações muito diretas entre os anos 1930 e hoje, e os desafios do fascismo naquela época e aqueles da extrema direita atual. Além disso, as constantes mudanças nas perspectivas antifascistas do Giustizia e Libertà foram particularmente moldadas por suas conexões com as culturas europeia e, especialmente, francesa.

Nesse sentido, sua experiência do exílio em Paris, na França, foi crucial. Suas próprias concepções positivas de antifascismo — a vontade de confrontar soluções fascistas e ir além delas — basearam-se em uma ampla análise das classes médias e do Estado no colapso dos anos 30, bem como em uma reconsideração crítica do socialismo na história europeia com suas contradições e ambiguidades. Seu diálogo com o historiador Élie Halévy, um amigo de Carlo Rosselli, foi particularmente importante nesse aspecto.

CM

Rosselli e outros no Giustizia e Libertà resistiram à política partidária, mas depois que Carlo Rosselli e seu irmão Nello foram assassinados em 1937, o Giustizia e Libertà se transformou no Partito d’Azione, que teve algum impacto no momento imediatamente pós-guerra antes de sumir de cena. Conte-nos um pouco sobre o Partito d’Azione.

MB

Primeiro de tudo, nessa busca por novos significados e ferramentas políticas, a conversa com outras culturas e experiências políticas europeias foi muito importante. No início dos anos 30, Carlo Rosselli e os outros membros do Giustizia e Libertà perceberam que a maioria dos partidos e instituições políticas pré-1914 estavam em crise. A ideia de tentar descobrir uma maneira de fazer política sem usar os velhos meios do partido político ou organização partidária também foi uma tentativa de não seguir o mesmo caminho que levou a Europa a esse tipo de crise. Nesse sentido, eles compartilhavam mais uma vez a mesma cultura elitista que moldou seu inimigo, os fascistas.

No entanto, como você disse, houve uma tentativa de organizar algum tipo de partido após a morte de Carlo, mas especialmente no meio da Segunda Guerra Mundial, durante a Guerra Civil Italiana. Mas eu enfatizaria que o Partito d’Azione era um partido especial, uma espécie de partido antipartido. Era um partido de intelectuais que estavam cientes de que todas aquelas circunstâncias especialmente dramáticas poderiam uni-los e os impelir a usar algumas ferramentas típicas da organização partidária. No entanto, o partido estava muito dividido por desacordos e posições diferentes, entre correntes mais liberais e correntes mais socialistas.

“O antifascismo constituiu um conjunto muito flexível, muito criativo e experimental de respostas aos desafios em constante mudança de movimentos e regimes fascistas.”

Durante a Resistência, ele foi capaz de lutar melhor do que outros, talvez porque dentro dos debates internos do Giustizia e Libertà estava a ideia de guerra civil como uma espécie de confronto final entre fascistas e antifascistas, um confronto que não deveria ocorrer apenas na Itália, mas em toda a Europa. Eles estavam prontos para essa luta em um contexto caótico de colapso do Estado-nação italiano enquanto tentavam repensar as fundações de uma nova comunidade nacional e europeia.

Intelectualmente, eles estavam muito prontos para pegar em armas contra os fascistas. Por exemplo, eles já tinham feito isso na Espanha em 1936 e 1937; Rosselli e outros lutaram na Guerra Civil Espanhola no lado republicano. Mas a maioria deles não era político e a maioria deles, não incidentalmente, saiu da política após o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da república parlamentar italiana.

CM

Se você olhar para a lista de pessoas envolvidas com o Giustizia e Libertà ou o Partito d’Azione, é como um quem é quem das maiores figuras intelectuais e culturais do pós-guerra: Norberto Bobbio, Nicola Chiaromonte, Vittorio Foa, Ginzburg. É impressionante.

MB

Sim. Obviamente, uma das perguntas recorrentes para qualquer interessado no Giustizia e Libertà é o que teria sido se Rosselli tivesse sobrevivido. Alguém pode se perguntar como ele teria sido capaz de afetar o cenário pós-1945. Mas os legados intelectuais foram muito mais importantes do que os legados políticos no sentido mais estrito do termo.

Apesar do fim formal da organização em 1946, acho que eles tiveram um impacto significativo nos anos do pós-guerra por causa de suas ideias sobre a relação entre nacionalidade e Europa, o papel da intervenção pública em economias mistas, a importância das classes médias em democracias constitucionais e a comparação entre diferentes experimentos totalitários como parte de uma reflexão liberal socialista e antifascista. Eles foram capazes de transferir todas essas ideias, que estavam no cerne de muitos de seus debates internos nos anos 30, para os debates e a formulação de políticas pós-1945. Eles foram capazes de afetar direta ou indiretamente a construção de novos sistemas e culturas democráticas, embora não estivessem operando como um partido formal.

CM

Em muitos aspectos, esta é uma história muito italiana, muito europeia. Por que o público estadunidense deveria se interessar pelo Giustizia e Libertà?

MB

Em geral, tendemos a pensar a democracia na Europa Ocidental como algo fácil e imediatamente resultante da Segunda Guerra Mundial, como uma consequência inevitável das derrotas e colapsos fascistas, ou mesmo como um “retorno da democracia” após uma suspensão temporária no período entre guerras. Tenho a sensação de que esse tipo de pensamento também é uma tendência no público americano. De um ponto de vista histórico, as coisas eram muito mais complexas e imprevisíveis. Olhar para os anos 30 significa explorar uma série vibrantemente rica de ideias — de liberalismo e socialismo, de nacionalidade e Europa, de estado e sociedade — que contribuíram de muitas maneiras para moldar e legitimar os reassentamentos pós-1945. É isso que tento sugerir no livro.

Além disso, tendemos a tomar como garantidos os significados das palavras que usamos atualmente (e usamos incorretamente) no debate público, como “antifascismo”. Acho que o Giustizia e Libertà pode oferecer lições importantes também para o público estadunidense em pelo menos dois aspectos.

Primeiro, sua história pode ajudar a entender o que a política era e poderia ser em um momento de crise profunda e sistêmica como a década de 1930 (o historiador Adam Tooze chamou isso de “policrise”). A maneira como o Giustizia e Libertà desvencilhou as soluções fascistas das questões que os próprios fascistas estavam tentando abordar na Europa entre guerras ainda é relevante.

Segundo, eles tentaram juntar diferentes tradições e diferentes culturas para criar algo novo. É sempre tentador buscar recuperar e reencenar todas as boas e velhas soluções. Mas temos que pensar sobre nossos possíveis futuros começando pelo presente, e temos que evitar pensar que o que não gostamos no presente é uma onda irracional — algo que poderia desaparecer fácil e rapidamente.É fundamental entender que ameaças ao Estado de direito e à democracia não surgem do nada. Elas têm suas próprias raízes na política e na sociedade. Se quisermos lutar contra as primeiras, precisamos reconhecer as últimas para ir além delas. Esta é uma das possíveis implicações de “aprender com o inimigo” no presente. E é isso que o Giustizia e Libertà nos leva a enfrentar.

Sobre os autores

Chris Maisano é um editor contribuinte da Jacobin e membro do Democratic Socialists of America (DSA).

é professor associado da Universidade de Florença no departamento de ciências políticas e sociais e autor do livro "Learning from the Enemy: An Intellectual History of Antifascism in Interwar Europe".

Cierre

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Published in Entrevista, Europa, Extrema-direita, História and Política

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