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Palestinos inspecionam uma casa destruída por um ataque aéreo israelense na Faixa de Gaza em 4 de outubro de 2024. (Majdi Fathi / NurPhoto via Getty Images)

A impunidade de Israel coloca o mundo em perigo

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Tradução
Pedro Silva

Um ano após o início do genocídio em Gaza, estamos mais próximos do que nunca de uma guerra regional total. O apoio dos governos ocidentais à máquina de guerra israelense e a indiferença à vida humana está colocando toda humanidade em perigo.

Finalmente chegamos em Gaza por volta das 19h. Como não há rota direta para lá, tivemos que voar para o Cairo antes de dirigir até a Travessia de Rafah. Eu tinha perdido a conta do número de postos de controle israelenses pelos quais passamos — uma realidade diária para os palestinos que vivem sob o apartheid. Estávamos hospedados no porto, perto do distrito de Rimal, na Cidade de Gaza; pela janela, eu podia ver barcos de patrulha israelenses, que impediam os pescadores palestinos de navegar mais de três quilômetros mar adentro.

De manhã, fizemos uma curta viagem até o campo de refugiados de Al-Shati, localizado na costa do Mediterrâneo, no norte de Gaza. Al-Shati é também conhecido como “Beach Camp” [Acampamento de Praia]. Estabelecido em 1948, o campo inicialmente acomodava cerca de vinte e três mil refugiados que tinham sido deslocados pela Nakba. Quando o visitei em 2013, esse número havia crescido para noventa mil pessoas, amontoadas em 0,5 quilômetros quadrados de terra.

Dentro do Beach Camp há uma escola primária. Administrada por professores dedicados e esforçados, a filosofia da escola era criar uma atmosfera para descoberta, música, teatro e arte. Algumas crianças me mostraram seus trabalhos. Havia desenhos de aviões, cercas e bombas. Mas havia outros desenhos também: de seus pais, irmãos, irmãs e amigos.

O Beach Camp foi bombardeado nos dias 9 e 12 de outubro do ano passado. Quatro mesquitas foram destruídas e pelo menos quinze pessoas foram mortas. No dia 22 de junho, o campo de refugiados foi bombardeado novamente, matando vinte e quatro pessoas que se reuniram para rezar.

Não sei se a escola primária ainda está de pé. Quando ouço notícias do bombardeio de Gaza, penso nas crianças que conheci e me pergunto se elas ainda estão vivas. Em um mundo justo, elas estariam planejando suas festas de aniversário de dezoito anos, estudando para suas provas e discutindo com seus pais na mesa de jantar. Mas nosso mundo não é justo. Elas estão de luto por entes queridos que uma vez esboçaram, ou estão enterradas sob os escombros junto com seus sonhos de infância?

Após o ataque do Hamas, muitos de nós exigimos um cessar-fogo imediato para evitar mais perdas de vidas. Pedimos calma e uma desescalada após um horror inimaginável. Alertamos nossos líderes políticos de que declarações de sede de sangue teriam consequências por meses, anos e gerações futuras.

Um ano depois, o número de mortos em Gaza ultrapassou quarenta e um mil. Isso não inclui aqueles que estão enterrados sob os escombros ou aqueles que provavelmente morrerão de desnutrição, ferimentos e infecção. Estimativas da Lancet colocam o número real em 186.000. Isso é uma em cada doze pessoas em Gaza, faminta e massacrada em nome da autodefesa. Cada uma tem um nome, um rosto e uma história. Em sepulturas sem identificação jazem artistas cujas pinturas nunca veremos, autores cujos livros nunca leremos e professores cujas lições nunca aprenderemos.

Deveríamos estar buscando justiça para todos os crimes de guerra que testemunhamos no ano passado. Em vez disso, Israel está massacrando milhares de pessoas no Líbano porque foi autorizado a agir com total impunidade. Nosso governo alimentou a máquina de guerra, e sua indiferença à vida humana colocou todos nós em risco. Tudo isso era totalmente evitável, se apenas os líderes políticos tivessem a disposição de defender a aplicação universal do direito internacional.

Sem mais desescalada, um horror inimaginável está no horizonte. Mas, enquanto estamos à beira de uma grande guerra regional, não se esqueçam daqueles que jazem mortos em seu rastro. Não se esqueçam do que nos foi tirado, para sempre. Não se esqueçam do povo de Gaza, onde o genocídio continua inabalável.

Continuamos a marchar porque nos recusamos a deixar a memória dos palestinos morrer. Continuamos a pedir o fim de todas as vendas de armas a Israel. Continuamos a falar pelo único caminho para uma paz justa e duradoura: o fim da ocupação da Palestina. Depois de um ano de aprofundamento do genocídio, podemos nos perguntar por que nos incomodamos em continuar quando nossas demandas caíram em ouvidos moucos. Enquanto houver palestinos sonhando com a liberdade, que escolha temos?

Lembro-me de que, no caminho de volta para casa, vindo do Beach Camp, passamos por um projeto de cultivo de alimentos. O projeto havia comprado cinquenta hectares de um antigo assentamento israelense. Todos os prédios foram destruídos por aqueles que partiram, e os palestinos transformaram os destroços em uma fazenda cooperativa. Em breve, me disseram, azeitonas e frutas cresceriam. Nunca perderei a esperança de que essas azeitonas e frutas cresçam — em uma Palestina livre e independente.

Sobre os autores

é membro do parlamento do Partido Trabalhista por Islington North.

Cierre

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Published in Análise, Guerra e imperialismo, História and Oriente Médio

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