O passado pode oferecer um guia para um futuro melhor? A constituição de 1977 da nação costeira da Tanzânia, no lesta da África, pode sugerir isso. Seu propósito, ela proclama,
é facilitar a construção de… uma nação de indivíduos iguais e livres, desfrutando de liberdade, justiça, fraternidade e concórdia, por meio da busca da política pelo Socialismo e Autossuficiência, que enfatiza a aplicação dos princípios socialistas.
A partir daí, ela estabelece uma visão de sociedade que usa os recursos e a riqueza do país para alcançar “a erradicação da pobreza, da ignorância e da doença” e evita a “concentração da riqueza ou dos principais meios de produção nas mãos de poucos indivíduos”.
Já antes de sua codificação constitucional, essas aspirações fizeram da Tanzânia a queridinha, especialmente de uma esquerda internacional ansiosa por uma alternativa ao socialismo real praticado no bloco soviético. A perspectiva humana, harmoniosa e democrática da perspectiva de socialismo africano da Tanzânia, defendida pelo filósofo-presidente do país , Julius Nyerere, alimentou um surto global de “Tanzafilia” que afligiu vítimas tanto previsíveis (escandinavos) quanto surpreendentes (o Banco Mundial sob Robert McNamara).
Quarenta anos depois, as paisagens contemporâneas nas ruas da Tanzânia deixam gritantemente óbvio que o país se afastou muito de suas aspirações constitucionais. Para os adolescentes em chinelos surrados ou sem calçado algum vendendo produtos baratos sob as novas torres de escritórios e arranha-céus residenciais da principal cidade da Tanzânia, Dar es Salaam, a erradicação da pobreza é talvez mais ilusória do que nunca. As disparidades grosseiras da cidade são uma boa indicação de que a economia política da Tanzânia tem sido há algum tempo voltada para aumentar, não para conter, a concentração de riqueza.
As eleições de outubro foram a oportunidade mais recente para os tanzanianos darem um veredito sobre esse estado de coisas. Embora a era socialista do país possa ter passado há muito tempo, ela ainda molda profundamente a situação com a qual os tanzanianos se deparam hoje e as escolhas políticas diante deles.
Socialismo passado
Entre alguns tanzanianos, o status quo estimulou a nostalgia por um “passado melhor” — e tais sentimentos podem muito bem tentar observadores externos também. Mas voltar no tempo pode perder seu apelo depois que alguém olha atentamente para a experiência socialista da Tanzânia.
Houve, com certeza, começos esperançosos. Após liderar o país para a independência pacífica da Grã-Bretanha em 1961, Julius Nyerere descreveu sobriamente o momento como uma “oportunidade que agora tem que ser usada” para construir um “povo saudável, educado e próspero”.
Ele buscava uma sociedade livre de exploração e alimentada por um forte senso de solidariedade e ajuda mútua. O princípio norteador deste projeto era ujamaa — termo suaíli para o vínculo entre membros da família.
Inicialmente, essas ideias eram vagas o suficiente para acomodar uma política ampla com poucos traços de socialismo como é convencionalmente entendido. No início dos anos 1960, para Nyerere ujamaa, o socialismo era uma “atitude de espírito”, ainda não um programa político.
Em um aspecto, no entanto, a prática política da Tanzânia tirou uma página do livro da maioria dos governos que governaram em nome do socialismo: o partido do governo de Nyerere rapidamente estabeleceu um monopólio no reino político e fortaleceu essa posição subsumindo a maior parte da vida associativa sob o sistema unipartidário. Mulheres, jovens, fazendeiros, trabalhadores e a imprensa foram todos trazidos para o rebanho. Se diversas justificativas fundamentavam esses vários movimentos, salvaguardar o projeto do partido governante de construir uma sociedade à imagem de ujamaa animou e legitimou todos eles.
No final da década de 1960, o socialismo ujamaa estava passando por uma metamorfose. A famosa Declaração de Arusha de 1967 marcou a transição de um “estado de espírito” para um programa de ação política.
Em consonância com o ethos antiprivilégio da declaração, políticos e servidores públicos aceitaram cortes drásticos em seus salários e regalias, e um conjunto de “condições de liderança” os impediu de se envolver em empreendimentos econômicos de qualquer tipo. A maioria dos setores-chave da economia — interesses industriais, bancos, operações comerciais, reserva de moradias para aluguel — foram nacionalizados. E um plano ambicioso previa que o reassentamento de tanzanianos rurais em vilas ujamaa traria serviços e prosperidade para as áreas rurais.
Uma história de jornal tanzaniano de 1971 evocou a imagem icônica do socialismo ujamaa. Longe da agitação da cidade grande, “o presidente Nyerere… juntou-se aos camponeses da recém-estabelecida vila Chamwino Ujamaa no distrito de Dodoma para fazer tijolos para seus prédios”.
Poucos dias depois, o mesmo jornal observou o povo do distrito emergindo “de seus grupos isolados por quilômetros de matas espinhosas áridas e hostis” enquanto “percebiam a sabedoria do presidente Nyerere de que somente vivendo juntos e trabalhando juntos para o benefício de todos chegariam à salvação deste país”. Nyerere, abrindo caminho entre as matas espinhosas para seu povo, os guiava para a brilhante vila de Ujamaa, em uma colina.
O fato de Chamwino ser um projeto de vitrine não deve prejudicar o que estava sendo exibido. Com seus holofotes presidenciais, Nyerere direcionou a atenção do país para aqueles lugares isolados, tão frequentemente esquecidos pelas elites governantes. Dada a composição predominantemente rural e agrária do país e sua economia, essa mudança foi em si extremamente consequente.
Os detalhes menores da imagem também tinham significado. Enviar alguns caminhões de tijolos para a ocasião e ter o presidente cortando uma fita teria tornado a sessão de fotos mais fácil e convencional (o primeiro-ministro sueco Olof Palme abriu o centro comunitário da vila alguns meses depois, mais ou menos seguindo esse roteiro).
Em contraste, o trabalho físico de Nyerere — “construir a nação ombro a ombro”, como os tanzanianos gostavam de dizer, com as pessoas comuns — era mais do que um golpe publicitário misturado com um respingo de clientelismo político. Era uma demonstração de ujamaa, exemplificando solidariedade igualitária, confiança nos próprios recursos da Tanzânia e trabalho duro para o bem comum.
Mas essa imagem oficial escondia um lado muito menos ensolarado do socialismo tanzaniano. Nyerere pensou que as aldeias ujamaa seriam um verdadeiro atrativo para a população dispersa pelo país. Uma vez que os tanzanianos rurais vissem que se reunir em tais aldeias permitiria ao governo fornecer serviços e facilitar o cultivo comunitário e cooperativo, o pensamento foi de que eles se mudariam voluntariamente.
No entanto, anos de explicações pacientes falharam em gerar ampla adesão popular. As comodidades excepcionais em Chamwino podem ter atraído seus novos moradores, mas em outras partes do país, promessas de apoio e exortações para seguir estratégias econômicas não comprovadas — que de fato muitas vezes se mostraram impraticáveis ou foram fatalmente prejudicadas por erros administrativos — não convenceram as pessoas a arrancar raízes e se mudar.
Assim, a liderança política da Tanzânia — que acreditava ter descoberto a fórmula vencedora na guerra do país contra a pobreza, a ignorância e a doença — enfrentou o problema paradoxal da resistência dos supostos beneficiários de seus planos.
Em resposta, o governo de Nyerere começou a aplicar pressão sobre as populações rurais — por exemplo, retendo o auxílio à fome durante uma seca para qualquer pessoa que residisse fora dos locais de aldeia ujamaa oficialmente reconhecidos — para fazê-las se mudar. Pressionadas a mostrar progresso, as autoridades locais recorreram a métodos ainda mais coercitivos — em alguns casos, até mesmo movendo as pessoas sob a mira de armas e destruindo suas casas para garantir que não pudessem retornar.
Aqueles que estão sendo chutados “para seu próprio bem” raramente se perguntam se os fins justificam os meios — o que, é claro, já implica uma resposta direta à questão. Mas mesmo de um ponto de vista puramente econômico, a estratégia socialista da Tanzânia rendeu poucos sucessos duradouros.
Em 1976, o programa de “deslocamento” conseguiu concentrar a vasta maioria da população rural do país em aproximadamente oito mil vilas, mas um número muito menor de locais tinha suprimentos de água seguros e suficientes. Nyerere atingiu sua meta de construir mais escolas — frequentemente por meio de iniciativas de mutirão — mas a rápida expansão do sistema educacional durante o final da década de 1970 comprometeu severamente a qualidade do ensino. Na década de 1980, a incapacidade do governo de pagar suas contas reverteu a tendência de acesso ampliado.
Os números da produção agrícola foram fracos durante a maior parte do período socialista. Embora tais números sejam notoriamente não confiáveis e afetados por fatores alheios à política governamental, a concentração populacional em vilas e o controle estatal dos mercados agrícolas e preços tiveram muito a ver com o desempenho mediano.
Importações de alimentos e remessas de ajuda aumentaram na década de 1970. O serviço de extensão agrícola estava irremediavelmente sobrecarregado. Houve muitas histórias de terras férteis perdidas por mudanças forçadas em novos assentamentos superlotados e mal situados. E em muitas aldeias ujamaa, fazendeiros desmoralizados se recusaram a trabalhar privada ou coletivamente.
Outras partes da economia também se saíram mal. Uma fábrica de fertilizantes aberta com apoio da Alemanha Ocidental nunca atingiu uma taxa econômica de utilização de sua capacidade e teve enormes déficits. Uma fábrica de pão automatizada — financiada por um projeto de ajuda canadense e projetada para mover o país rumo ao processamento — era extremamente cara e fazia pouco sentido econômico, dados os mercados da Tanzânia e as dotações disponíveis.
A State Trading Corporation — encarregada da importação de um amplo espectro de produtos — nunca pareceu ser capaz de fornecer o que, quando e onde era demandado, apesar de suas operações iniciais terem sido estruturadas pelos altos sacerdotes da eficiência corporativa da empresa de consultoria McKinsey & Company.
Agricultores “obstinados”, “atrasados” e perdidos tiveram suas contrapartes em meio aos trabalhadores rapidamente considerados ambivalentes e insuficientemente respeitosos com a autoridade no local de trabalho. Sem uma organização independente do sistema unipartidário, eles foram colocados sob controle.
A história do socialismo tanzaniano, então, é a história tanto de uma visão atraente quanto do paternalismo autoritário que a minou. A noção paternalista de que o autoritarismo é um fardo que líderes esclarecidos podem ter que carregar enquanto buscam uma vida melhor para seus súditos resistentes entrelaça essas duas histórias em uma.
A vida após a morte do socialismo
Choques econômicos externos certamente ajudaram a empurrar as coisas para o precipício no final dos anos 1970 e início dos anos 1980. Mas, naquela época, já estava claro que a economia socialista disfuncional da Tanzânia, apesar de algumas conquistas na prestação de serviços, teve sucesso principalmente em nivelar por baixo — muitas vezes demasiado por baixo — e não em elevar. De fato, o colapso econômico teria sido ainda pior se uma enorme economia paralela, informal e ilícita não tivesse crescido à sombra das estruturas oficiais.
Em meio a modas políticas em mudança e críticas crescentes ao regime econômico da Tanzânia, doadores internacionais — que mantiveram o navio flutuando — começaram a desistir. A retirada deles minou as poucas conquistas econômicas do governo.
Enquanto Nyerere criticava o Fundo Monetário Internacional, acusando-o de se arrogar o papel de um “Ministério Internacional das Finanças”, o ajuste estrutural e a liberalização estavam a caminho. Ao deixar a presidência em 1985, Nyerere reconheceu que a maré havia virado.
Talvez surpreendentemente, partes significativas do establishment político avidamente subscreveram o novo paradigma econômico de liberalização. A falência prática da economia dirigida pelo Estado certamente mudou algumas mentes e deu origem a uma coalizão reformista de políticos e formuladores de políticas (pela mesma razão, o público em geral derramou poucas lágrimas pelo fim do antigo regime). Mas considerações menos voltadas ao público foram provavelmente tão importantes para avançar e moldar a nova ordem.
Uma reinterpretação popular do nome do partido governante capturou apropriadamente o espírito da época: Chama Cha Mapinduzi (Partido da Revolução) tornou-se Chukua Chako Mapema (Leve o Seu Cedo). De fato, similar a outras transições do socialismo, o processo na Tanzânia não produziu nem o comunismo nem uma reversão direta do capitalismo, mas uma forma peculiar de oligarquia político-econômica.
As estruturas que o socialismo tanzaniano deixou para trás continuam a sustentar e alimentar essa nova constelação política. Mas elas também fornecem uma plataforma para desafiá-la. Assim, o socialismo estende seu alcance bem além de sua própria morte — a vida após o socialismo ainda é a vida após a morte do socialismo.
As lutas por terras — ainda cruciais para uma grande maioria dos tanzanianos — ilustram esses legados complicados. A terra é regulada por uma complexa colcha de retalhos de legislação que, em aspectos essenciais, remonta aos tempos socialistas. A maioria das terras é governada por direitos de uso consuetudinário, controlados e empossados por aldeias (embora também exista arrendamento concedido centralmente). Mas o presidente tem autoridade máxima sobre a terra (o ministro de energia e minerais também desfruta de poderes executivos quando se trata de reservar terras para mineração).
Nos dias de ujamaa, esse poder centralizado sobre a terra era exercido em nome das massas (embora aqueles deslocados e coercivamente reassentados possam ser perdoados por sua falta de apreciação pelo sentimento). Hoje, um grande número de pessoas ainda está sendo forçado a deixar suas terras. Mas embora o “desenvolvimento nacional” continue a ser invocado, o espírito público não é a motivação.
Grandes concessões de mineração e caça — esforços de desenvolvimento de turismo e conservação — e grandes fazendas comerciais são os novos motores da expulsão. Embora a lógica das lutas contemporâneas por terra possa ser nova, elas são profundamente moldadas pelo controle político sobre os recursos econômicos que o legado socialista concedeu à classe política pós-socialista. Muitos estão ocupados lucrando.
A história da fazenda estatal de arroz irrigado em Kapunga — traçada pela economista política Elisa Greco e pelo grupo de pesquisa e advocacia da Tanzânia HakiArdhi (DireitosFundiários) — é instrutiva. Durante os últimos dias do socialismo em meados da década de 1980, setenta e três famílias foram deslocadas de uma área de aproximadamente quatro mil hectares para dar lugar à agricultura. Como a produção era fortemente mecanizada, o novo empreendimento não forneceu muito emprego na área (embora benefícios adicionais, como fertilizantes subsidiados e acesso de pequenos proprietários a terras marginais, tenham chegado às comunidades vizinhas).
No final da década de 1990, problemas financeiros e de produção forçaram uma transformação: a produção foi entregue a arrendatários, muitos dos quais alugavam grandes terras onde empregavam mão de obra assalariada.
Quando a questão da privatização da agricultura surgiu em meados dos anos 2000, duas propostas locais foram apresentadas. Uma, difundida por fazendeiros de médio e pequeno porte e apoiada pela deputada local (que logo se veria atacada por uma facção do establishment nacional de seu próprio partido), pedia que a terra fosse redistribuída em pequenas parcelas; uma proposta rival queria que uma cooperativa de fazendeiros de grande porte que eram arrendatários de terras as assumissem.
Nenhum dos dois prevaleceu. Em um leilão (cujos resultados permanecem confidenciais), um investidor tanzaniano com boas conexões políticas levou o prêmio — segundo rumores, a um preço de banana. O investidor, o Export Trading Group (ETG), era um grande comerciante de produtos, não um produtor. Assim, ele tem agido como um senhorio, alugando as terras em sua propriedade principalmente para grandes fazendeiros — assim como a paraestatal havia feito antes dela.
Uma coisa mudou, no entanto: o cálculo econômico do novo senhorio tende a ser mais duro. Tentativas de aumentar os aluguéis levaram a impasses de um ano, e centenas de “invasores” em terras estatais distantes foram supostamente despejados violentamente.
O acesso a instalações como uma escola, moradia para professores, estradas e um hospital foi cortado ou está sendo contestado. A ETG também alegou que seu título cobre não apenas a área central da fazenda de arroz irrigado, mas também uma faixa de terra que abrange quase uma vila inteira.
Não é de surpreender que o ressentimento local seja feroz. No entanto, em outros quadrantes, a ETG e seus negócios encontram apoio considerável; o Banco Mundial, o grupo de private equity Carlyle e um conglomerado sul-africano forneceram apoio financeiro.
A promessa da ETG de promover a meta nacional de aumentar a segurança alimentar pode ter ajudado a torná-la um investimento atraente para essas instituições. Mas um estudo de caso da escola de negócios INSEAD de 2013 sobre o investimento de capital privado proposto também enfatiza outra característica desejável. O relatório observa com aprovação — com um aceno para a presença do “comissário distrital local, médicos locais e o cirurgião regional” entre os inquilinos de Kapunga — que a fazenda desfrutava de “proteção significativa contra desvantagens por meio do capital político e das boas relações que [havia] forjado”. Quer dizer, boas relações com as pessoas que importam politicamente.
A fazenda Kapunga não é única. Dinâmicas semelhantes de grilagem de terras, frequentemente envolvendo capital transnacional em parceria com ou comprando setores das elites nacionais e locais, têm se desenrolado por todo o país.
Um dos casos mais notórios, documentado pela antropóloga Siri Lange, diz respeito a uma grande concessão de mineração de ouro em Bulyanhulu. O conflito, que remonta a meados da década de 1990, viu o Superior Tribunal da Tanzânia decidir contra um operador de grande escala em favor dos direitos consuetudinários dos mineradores artesanais.
Mas a vitória teve vida curta. O Ministro da Energia logo emitiu uma ordem de despejo desafiando o Superior Tribunal, e milhares de mineradores e fazendeiros locais foram expulsos à força da área e seus assentamentos arrasados. O suposto soterramento de várias dezenas de mineradores artesanais vivos virou manchete nacional e internacional.
Em 1999, a maior mineradora de ouro do mundo, a Barrick Gold — que ostentava George H. W. Bush e o ex-primeiro-ministro canadense Brian Mulroney como consultores internacionais — adquiriu a concessão. Bulyanhulu, portanto, passou a simbolizar os novos circuitos neoliberais da economia política globalizada da Tanzânia. O país havia percorrido um longo caminho desde os dias em que Julius Nyerere estava fazendo tijolos na vila de Chamwino e Olof Palme parava para uma visita.
Os recursos que o partido do governo tem à disposição para afastar os desafios a essa nova ordem foram totalmente exibidos em Bulyanhulu. Em 2001, por exemplo, advogados tanzanianos e o político de oposição mais proeminente do país foram detidos e acusados de sedição por suas demandas de investigação das supostas mortes dos mineiros locais.
No entanto, a necessidade de recorrer a tal repressão aberta também revela vulnerabilidades reais. Nas eleições de 2010, e novamente em 2015, os partidos da oposição fizeram um apelo popular para revogar todos os contratos de mineração existentes. Eles argumentaram que o boom da mineração na Tanzânia havia rendido royalties tão insignificantes que a riqueza da nação havia sido efetivamente doada, e que o novo setor minerador havia destruído muito mais meios de subsistência do que havia criado.
As pessoas nas áreas de mineração se sentem traídas pelo governo, e Lange relata que “muitos citam o primeiro presidente do país, Julius Nyerere, que disse que os recursos naturais do país pertencem a todos os tanzanianos”.
Esta invocação de Nyerere e a visão igualitária da sociedade que ele defendia não é um fenômeno isolado. “Não somos contra o desenvolvimento, mas como… Nyerere disse, se o desenvolvimento real deve ocorrer, as pessoas têm que estar envolvidas”, disse um pequeno agricultor abandonado nas margens da fazenda de arroz de Kapunga ao jornalista investigativo tanzaniano Daniel Mbega em 2011.
Por mais que tentassem, os aproveitadores da nova economia política aparentemente não conseguiram anulá-la dos argumentos morais que uma era anterior lhe infundiu. Que Nyerere e a visão de sociedade que ele defendia ainda sejam convocados para combater a desapropriação e a marginalização hoje sugere uma dimensão progressiva ao legado do socialismo tanzaniano.
Os tanzanianos falam sobre a moralidade de sua economia política. E nenhum partido ou candidato pode escapar de pelo menos proclamar fidelidade a certos preceitos básicos de justiça e inclusão que, afinal, ainda estão definidos na constituição do país. Que as disputas políticas na Tanzânia sejam frequentemente enquadradas como lutas sobre quem é o herdeiro genuíno de Nyerere novamente ressalta a persistência de seu apelo.
Embora tenha vencido todas as eleições presidenciais e parlamentares desde a reintrodução da democracia multipartidária em 1995, o CCM não teve facilidade em defender seu caso neste debate. Com certeza, ele presidiu o renascimento pós-socialista do crescimento (dependendo da metodologia que se prefira, a renda per capita aumentou em algum lugar entre 4 e 7 por cento ao ano na última década e meia).
Mas os frutos dessa expansão econômica foram acumulados para poucos, não para muitos. Em 1992, 72,6% dos tanzanianos viviam abaixo da linha de pobreza de US$ 1,25 definida pelo Banco Mundial. Quinze anos depois, apesar do crescimento contínuo que fez da Tanzânia o objeto de muito incentivo, 67,9% dos tanzanianos ainda estavam empobrecidos.
A dinâmica da agricultura pós-socialista e liberalizada tem muito a ver com a taxa de pobreza insistentemente alta. Os 75% dos tanzanianos que ainda residem nas áreas rurais, argumenta a acadêmica Deborah Bryceson, em geral se viram segurando a ponta curta do bastão em processos contínuos de “desagrarianização” e “descampesinização”. O desmantelamento dos apoios agrícolas da era socialista tornou os lucrativos mercados de exportação amplamente inacessíveis aos pequenos agricultores. O resultado tem sido uma luta para sobreviver por meio da superdiversificação na agricultura e do afastamento dela.
Enquanto isso, a indústria, assim como a agricultura, agora representa cerca de 40% menos da atividade econômica total do que na década de 1980; não é de se admirar que ela não tenha conseguido oferecer oportunidades de emprego para muitos que deixaram suas terras e foram para as cidades.
Nos últimos anos, o governo fez algumas mudanças para melhorar a situação: subsídios para fertilizantes foram reinstituídos, e um esforço sério para reviver o moribundo sistema escolar — na década de 1990 e no início dos anos 2000, a taxa de matrícula havia caído para cerca de 50% — agora parece perto de atingir a educação primária universal, um objetivo político real sob Nyerere. Os cínicos veem políticas para currais eleitorais específicos em tais iniciativas, enquanto outros são mais positivos. Independentemente disso, tais mudanças trouxeram, na melhor das hipóteses, melhorias marginais.
Uma longa lista de escândalos de “grande corrupção” também não ajudou a CCM. Em um caso de 2006, uma empresa sediada em Houston recebeu um contrato para solucionar os apagões que paralisavam Dar es Salaam. Acabou custando à Tanzânia mais de US$ 100 milhões.
Depois que a empresa falhou persistentemente em colocar seu gerador em operação, foi revelado que ela não tinha experiência ou conhecimento em geração de energia. O escândalo resultante derrubou dois ministros e o primeiro-ministro Edward Lowassa, que assumiu a “responsabilidade política” pela confusão.
Nenhuma acusação de corrupção foi feita, mas Lowassa ainda assim entrou para uma “lista da vergonha” cada vez maior dos políticos mais corruptos — elaborada por Willibrod Slaa, líder e candidato presidencial de 2010 do partido de oposição mais forte da Tanzânia, o CHADEMA (Partido da Democracia e Desenvolvimento).
Várias outras pessoas também foram implicadas em outro escândalo na mesma época. Este envolveu o pagamento fraudulento de pelo menos US$ 131 milhões para empresas vinculadas ao CCM de uma conta de pagamentos externos no Banco da Tanzânia. Além da renúncia de duas figuras importantes do Comitê Executivo Nacional do CCM e do diretor do banco, figuras políticas novamente não sofreram consequências.
Escolha no pós-socialismo
Contra esse pano de fundo, alguém poderia esperar que a oposição fosse uma aposta certeira nas eleições de 2010. Mas o titular do CCM, Jakaya Kikwete, prevaleceu facilmente, vencendo com 63% contra 27% de seu desafiante do CHADEMA. Na eleição legislativa, enquanto a oposição fez maiores avanços do que nunca, o CCM ainda conquistou quase 80% dos assentos eleitos diretamente.
No entanto, a exibição da oposição foi crível o suficiente para aumentar as esperanças para as eleições de outubro de 2015. Na corrida deste ano, ela recebeu um impulso adicional quando os partidos de oposição mais significativos resolveram coordenar tanto uma chapa presidencial quanto candidatos ao parlamento.
O CCM permaneceu formidável, no entanto. Como o antigo “partido único” do sistema unipartidário, ostentando uma incumbência que remonta a mais de cinco décadas, o CCM tem profundos recursos infraestruturais, financeiros, organizacionais e legais.
A imprensa e a vida associativa continuam vivendo sob o comando do presidente, que tem o poder de exercê-lo no “interesse nacional”. A sobreposição histórica de Estado e partido também significa que os escritórios do governo em muitos lugares também funcionam como escritórios do CCM; na verdade, o CCM é dono de muitos dos edifícios.
A polícia é frequentemente usada como uma unidade de execução partidária, prendendo candidatos de partidos distintos do CCM e limitando severamente as atividades da oposição durante os períodos eleitorais. Isso tem sido especialmente flagrante nas ilhas de Zanzibar, onde dinâmicas políticas particulares têm criado uma oposição especialmente potente. Lá, as eleições foram roubadas e acompanhadas de repressão total. Este ano não é exceção: a comissão eleitoral, nomeada pelo presidente, anulou os resultados logo após o dia da eleição, e as forças de segurança mostraram novamente as cores de seu partido.
O CCM não usou apenas suas vantagens de titularidade; ele também as fortaleceu estrategicamente quando necessário. Bem a tempo para as eleições acirradamente disputadas de 2010, o parlamento instituiu um fundo de desenvolvimento de constituintes que deu aos parlamentares dinheiro para projetos de desenvolvimento discricionários. Orçamentos semelhantes foram disponibilizados para comissários regionais e distritais nomeados pelo presidente.
Em 2014, o CCM efetivamente sequestrou um processo de reforma constitucional para fins igualmente egoístas quando várias disposições que teriam corroído os poderes autoritários do partido foram apresentadas. Foi esse movimento que finalmente levou os principais partidos de oposição a se unirem sob o guarda-chuva da UKAWA, a Coalizão da Constituição do Povo.
Embora o campo de jogo esteja fortemente inclinado a favor do CCM, sua arma final pode ser as possibilidades camaleônicas inerentes à “grande tenda” do partido. Nas últimas décadas, sempre houve facções partidárias em ambos os lados de questões-chave. Assim como os reformistas confrontaram uma velha guarda socialista nos anos 1980 e no início dos anos 1990, hoje há pessoas suficientes no CCM que deploram as maquinações de partes frequentemente aparentemente dominantes do partido.
O CCM provavelmente não pode ser dividido claramente em CCM- Safi (CCM-limpo) e CCM- Mafisadi (CCM-corrupto), como os apelidos populares sugerem; redes pessoais e regionais importantes criam um quadro mais confuso.
No entanto, as manifestações de desgosto dos parlamentares do CCM em resposta a relatos de várias investigações de corrupção sugerem fortemente que nem todos estão do lado de um grupo que, pelo menos até sua destituição como primeiro-ministro em 2008, se concentrava em Edward Lowassa, popularmente conhecido como fisadi (algo como bandido-chefe).
Assim como fez com a saída de Lowassa antes das eleições de 2010, o CCM novamente apresentou alguns rostos novos para a disputa deste ano. Tendo permanecido discreto por alguns anos, Lowassa investiu muita energia e — se rumores não comprovados forem verdadeiros — dinheiro em sua tentativa de ganhar a nomeação presidencial do CCM. Em julho passado, um processo de seleção interno opaco do partido lançou um candidato diferente, John Magufuli, um ministro de obras imaculado, reputado como um político trabalhador, eficaz e imparcial.
Se a intenção por trás da rejeição de Lowassa era tirar o sentido dos slogans anticorrupção da oposição, Magufuli foi uma boa escolha. Sua promessa de estabelecer um tribunal especial de corrupção foi claramente elaborada para reforçar esse ponto — e ele conseguiu fazê-lo com alguma credibilidade.
O jogo de campo do CCM não foi menos astuto: em um comício de campanha local em setembro passado, Magufuli prometeu que, se eleito, usaria seus poderes presidenciais para resolver o conflito de terras em Kapunga em favor da vila na periferia da fazenda comercial.
Promessas semelhantes foram feitas antes, tornando esta apenas a mais recente tentativa de roubar a cena da oposição. No entanto, quatro semanas antes das eleições, esperanças de que nove anos vivendo sob a ameaça de despejo poderiam estar chegando ao fim estavam sendo novamente criadas.
Quando o Dia da Eleição chegou, o CCM levou o eleitorado de Kapunga, embora as disputas presidenciais e parlamentares tenham sido acirradas. Os 44% para o candidato parlamentar do CCM acabaram sendo suficientes apenas porque a Alliance for Change and Transparency (ACT), um novo partido de oposição que permaneceu fora da coalizão UKAWA, teve uma recepção excepcionalmente boa entre o eleitorado, dividindo fatalmente o voto da oposição.
Talvez os 20% dos eleitores locais que favoreceram o ACT tivessem uma razão particular para se sentirem atraídos pela sua promessa de restabelecer as “condições de liderança” da era Nyerere, que tinham interposto um muro entre a arena política e os “negócios”.
Mas o resultado do partido certamente também foi motivado pela estatura de seu candidato, talvez em combinação com suas posições. Ele era o atual deputado do CCM que CHADEMA havia cortejado anteriormente devido à sua posição contra investidores de terras. Quando o CCM se recusou a renomeá-lo, ele desertou para o CHADEMA. Mas isso também não o colocou em sua chapa. Para ele, o ACT foi um caso de sorte pela terceira vez. O CCM, é claro, acabou sendo o terceiro regozijante.
Nacionalmente, a oposição conseguiu derrotar vários ministros em exercício e mandachuvas em disputas parlamentares. Também houve vitórias muito significativas da oposição em nível local. Mas, prejudicada pelo sistema eleitoral majoritário, ela teve apenas um impacto insignificante na maioria parlamentar ainda esmagadora do CCM.
Na corrida presidencial, a aposta do CCM em Magufuli, que ganhou 58,5% dos votos, garantiu o resultado de que precisava. O candidato da oposição da UKAWA chegou com pouco menos de 40% — muito melhor do que o candidato líder de uma oposição dividida cinco anos antes, mas ainda significativamente aquém.
A identidade do candidato da UKAWA certamente teve algo a ver com esse resultado — nisso, tanto aqueles que consideram esse como um sucesso da oposição quanto aqueles que consideram uma derrota concordarão.
Ele não era outro senão Edward Lowassa. Não tendo conseguido ganhar a nomeação presidencial para o CCM, ele deixou o partido no final de julho deste ano. No início de agosto, havia manobrado para o primeiro lugar na chapa da oposição. Slaa, que havia colocado Lowassa em sua lista da vergonha, renunciou ao CHADEMA. O líder do segundo partido de oposição mais significativo também renunciou.
Atestando a percepção do público sobre a onipresença e onipotência do CCM, muitos explicaram esses eventos como outro caso de maquinações do partido no poder. Além dessas teorias da conspiração, as reações dos leitores nos jornais à candidatura de Lowassa se dividiram em dois campos.
Alguns viram uma traição a tudo o que a oposição alegava defender e se preocuparam com as prováveis repercussões eleitorais, as implicações de longo prazo para o processo de reforma constitucional da Tanzânia e o futuro da oposição.
Outros viram uma jogada inteligente, ainda que oportunista. Para eles, como talvez para aqueles na liderança da UKAWA que o colocaram na chapa, a deserção de Lowassa havia dado à oposição a chance de uma vida. Sua rede, meios e estatura certamente, finalmente, nivelariam o campo de jogo.
A saída de Lowassa do CCM abriu um buraco na rede do partido — como alguns temiam e outros esperavam? Ou, pelo contrário, limpou o CCM — ou pelo menos sua imagem — quando ele mais precisava?
A oposição se saiu tão bem porque finalmente conseguiu colocar em campo seu próprio “grande homem” que chegou a comícios eleitorais arrebatadores em um helicóptero de campanha? Ou engoliu ansiosamente uma isca envenenada, perdendo pelo menos tantos apoiadores quanto ganhou ao abandonar oportunisticamente os princípios de moralidade pública que energizaram sua campanha?
Além de tais questões indecifráveis está o futuro. Mais imediatamente, isto é, por mais cinco anos durante os quais o Partido da Revolução de Nyerere pode revelar aos tanzanianos que tipo de revolução ele agora representa.
Se os últimos vinte anos de democracia multipartidária pós-socialista servirem de referência, ela continuará a explorar as vantagens estruturais de longo alcance que o período socialista lhe concedeu para enriquecer uma oligarquia político-econômica.
Talvez seja forçado a mudar de rumo diante de uma ameaça crescente de uma oposição que se apoderou de um discurso público profundamente enraizado de moralidade econômica e política e virou isso, o próprio patrimônio do CCM, contra o partido no poder. Mas, por outro lado, o oportunismo da UKAWA provavelmente neutralizou essa ameaça, pois deixou os tanzanianos com uma escolha entre o antigo CCM com uma nova face e os novos partidos com uma velha face do CCM.
E assim, depois de cinco décadas, o partido que ainda está no poder pode continuar a desempenhar o seu curioso papel vacilante, falando muito de um lado da cerca e agindo muito do outro.
Sobre os autores
é professor associado de ciência política na Universidade Concordia e autor do livro "Government of Development: Peasants and Politicians in Postcolonial Tanzania".