Na primeira semana de setembro, o The New York Times publicou um alerta na primeira página: a Coréia do Norte conduz testes de mísseis que revelam avanços tecnológicos destinados à subversão dos sistemas de defesa antimísseis estadunidenses.
Como em tantas outras reportagens sobre questões relacionadas à Coréia do Norte, o artigo — escrito em co-autoria por David Sanger e William Broad — retrata algo legitimamente preocupante (tensões inflamadas entre países detentores de armas nucleares nunca é uma coisa boa), enquanto convenientemente ignora o papel que o militarismo estadunidense, camuflado como estratégia de defesa, desempenhou na criação desse problema.
Sanger e Broad afirmam que os recentes testes norte-coreanos revelam “maior alcance e capacidade de manobra, que podem sobrecarregar as defesas estadunidenses na região”. Alguns desses mísseis, eles observam, são projetados para derrotar sistemas de defesa antimíssil como o Aegis e o Patriot, fornecidos pelos Estados Unidos ao Japão e à Coréia do Sul. Os novos mísseis da Coréia do Norte — que podem carregar tanto ogivas convencionais quanto nucleares — ameaçam, portanto, aliados dos EUA e “ao menos oito bases estadunidenses, que abrigam mais de 30.000 soldados nesses países”.
É improvável que estenógrafos do Pentágono, como Sanger e Broad, questionem o porquê de os Estados Unidos terem dezenas de milhares de soldados e oito bases militares no nordeste da Ásia — sendo uma delas a maior e mais cara base militar estadunidense no mundo, a Camp Humphreys. Mas os jornalistas do Departamento de Defesa dos EUA devem ao menos reconhecer os riscos da implantação de tecnologia de defesa antimíssil em uma região ainda tecnicamente em guerra — e onde um dos lados desenvolveu um programa de armamento nuclear. Sanger e Broad não mencionam esse assunto. Em vez disso, eles sugerem — estranhamente — que os testes com mísseis da Coréia do Norte fazem parte de uma campanha de “pressão máxima” contra os Estados Unidos.
A ideia de que um cerco de ostracismo internacional seria capaz de pressionar os Estados Unidos em qualquer coisa, desnecessário dizer, é tolice. No entanto, este é o sistema de política externa sobre o qual estamos falando, em que a própria diplomacia é vista como uma concessão a Kim Jong-un. Uma explicação mais precisa e sensata para os testes atuais é que eles fazem parte de uma espiral antagônica de desenvolvimento armamentista e de contra-desenvolvimento. Os Estados Unidos, que investem pesadamente em tecnologias de defesa antimíssil, alegremente encorajaram o Japão e a Coréia do Sul a implantá-las nos últimos anos (quem se lembra do sistema THAAD?). Os norte-coreanos, compreendendo esses movimentos como uma ameaça às suas próprias capacidades, responderam de maneira bastante lógica: desenvolvendo novas tecnologias para impedi-los. Isso não é chocante ou surpreendente — é basicamente a primeira lição de relações internacionais.
Embora totalmente previsível, é lamentável que Sanger e Broad ignorem essa dinâmica — porque a obsessão dos Estados Unidos com a defesa antimíssil está inflamando as relações não apenas na península coreana, mas no mundo todo. A retirada dos Estados Unidos do Tratado de Mísseis Antibalísticos em 2002 marcou o silencioso início do colapso do controle de armas nucleares. O Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, estabelecido entre a União Soviética e os Estados Unidos em 1987, está perdido, em parte devido a uma disputa relacionada às implantações de defesa antimíssil dos EUA na Europa. E as novas armas nucleares assustadoras da Rússia que tanto ouvimos falar? Elas foram projetados para deter as defesas antimíssil americanas. Você pode apostar que a China também está de olho nesses desenvolvimentos.
Não é difícil entender o motivo. A defesa estratégica antimíssil tem um histórico risível, mas potências detentoras de armas nucleares como a China e a Rússia precisam considerar que esses sistemas poderão vir a funcionar algum dia. Elas têm uma escolha a fazer: investir em novas tecnologias hoje ou apostar colocando sua própria existência na reta amanhã. Como James J. Cameron disse após o lançamento da Revisão de Defesa Antimíssil de 2019: “O risco hoje é de Moscou e Pequim enxergarem qualquer expansão na defesa antimíssil como uma intensificação da suspeita de um primeiro ataque estadunidense — em uma crise, destruindo suas forças nucleares ofensivas ao atacá-las preventivamente.” Ele segue: “Isso poderia levar a uma nova corrida armamentista, com adversários dos EUA construindo um maior número de mísseis com maior capacidade [ênfase minha].” Isso é exatamente o que estamos vendo agora — tanto em arenas regionais (Coréia do Norte) quanto globais (China e Rússia).
Convenientemente, o The New York Times deixa de fora todo esse histórico — enquanto também omite o papel central desempenhado pelo presidente sul-coreano Moon Jae-in na redução das tensões na península. O leitor médio pode acabar pensando que a Coréia do Norte — um “reino eremita” irracional que avança com seu programa nuclear em um caso absolutamente excepcional de imprudência internacional — está decidida a aniquilar os Estados Unidos e seus aliados.
Um ponto de partida mais útil seria olhar para os novos mísseis da Coréia do Norte em relação ao fetiche estadunidense pela defesa antimíssil, mas isso exigiria lançar um olhar crítico sobre o império estadunidense. Essa perspectiva terá de ser procurada em outro lugar.
Sobre os autores
é um oficial de programa sênior do Plowshares Fund. Seus textos apareceram no Bulletin of the Atomic Scientists, The New Republic, Defense One e outras publicações.