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Adriana Salvatierra, presidente do Senado da Bolívia. (ONU Mulheres / Flickr)

Construindo uma Bolívia para a próxima geração

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Tradução
Cauê Ameni

Nas eleições de hoje, o presidente Evo Morales está concorrendo a um novo mandato, depois de quase quatorze anos de reformas econômicas e democráticas. Enquanto isso, seu "Movimento ao Socialismo" também está dando poder aos jovens bolivianos para manter a revolução em andamento.

UMA ENTREVISTA DE

Denis Rogatyuk

Na eleição deste domingo, o presidente da Bolívia, Evo Morales, concorrerá pelo quarto mandato consecutivo, juntamente com seu vice-presidente, Álvaro García Linera. Ao assumir o poder pela primeira vez em 2006, após anos de intensas lutas sociais, o Movimento ao Socialismo (MAS) acumulou notáveis conquistas, desde a renacionalização dos principais recursos naturais até taxas impressionantes de redução da pobreza e os níveis mais altos e consistentes de crescimento econômico da região. A Bolívia também se afirmou como um ator importante na América Latina, defendendo a proteção ambiental e opondo-se à interferência dos EUA na região.

Liderado pelo primeiro presidente indígena do país, o “processo de mudança” também promoveu uma abertura mais ampla da vida pública boliviana, não mais reservada exclusivamente a figuras de origem branca e rica. Desde 2006, o “estado plurinacional” e suas instituições são integradas por membros dos sindicatos, movimentos sociais e comunidades indígenas. Nesse mesmo sentido, jovens líderes do MAS estão desempenhando papéis cada vez mais importantes no governo. A principal delas é Adriana Salvatierra, a mais jovem presidente do Senado na história do país, tendo assumido essa posição aos 29 anos em janeiro de 2019.

Líder do movimento juvenil militante Columna Sur, Adriana se tornou uma voz de liderança na luta pela igualdade de gênero e pela erradicação da violência assassina contra as mulheres (os chamados feminicídios). Ela também promoveu fortemente o planejamento socialista como modelo de crescimento econômico e, antes das eleições presidenciais, criticou ferozmente os opositores neoliberais a Morales, como o ex-presidente Carlos Mesa e o candidato emergente da direita de Santa Cruz, Óscar Ortiz.

Denis Rogatyuk sentou-se com Adriana para discutir o histórico do governo socialista, seu próprio papel no processo de mudança – incluindo um período como presidente interina – e os desafios que se seguirão às eleições de domingo.

DR

Essa eleição terá a maior participação dos millennials na era moderna, mas isso também significa que há uma nova geração de eleitores, especialmente aqueles que nasceram depois de 2000, que conheceram a Bolívia de Morales e não experimentaram seu passado neoliberal. Como o MAS pode convencer esses jovens a votar no governo e não apoiar as figuras da oposição como um ato de “rebelião”?

AS

Uma grande parcela da população é jovem – de fato, 43% do eleitorado tem entre dezoito e trinta e quatro anos. Isso significa que muitos deles são novos eleitores, votando apenas pela primeira ou segunda vez. É evidente que isso traz um grande desafio em termos de definir uma agenda capaz de estender por toda a sociedade o alcance que tivemos sob o governo do presidente Evo Morales. Isso preocupa particularmente os millennials, que não olham da mesma forma para organizações sociais ou sindicatos que as pessoas anteriormente, não têm “dívidas do passado” e não têm as mesmas exigências.

Além disso, os desafios que enfrentamos hoje são diferentes daqueles que o presidente Evo Morales e nosso projeto político enfrentaram no governo em 2005. Naquela época, 60% da população boliviana vivia na pobreza e 38% na extrema pobreza, vivendo com menos de um dólar por dia. Conseguimos reduzir pela metade esses números. Desde então, o número médio de pobreza caiu de 60 para 33%, a pobreza extrema caiu de 38 para 15% e o PIB se multiplicou por quatro, chegando a US$ 43 bilhões este ano.

Ao mesmo tempo, houve uma transição para um modelo econômico absolutamente diferente que enfatiza a soberania, o fortalecimento da industrialização de nosso aparato produtivo e também uma forte redistribuição de riqueza. É isso que vemos como democracia. Mas também temos um grande desafio, devido ao fato de que, com o uso de novas tecnologias, a mobilidade em direção às cidades e a concentração da população nas áreas urbanas estão rompendo os vínculos associativos nas comunidades bolivianas.

Antes, muitas famílias tinham que escolher qual filho iria para a escola, e havia jovens que caminhavam três, quatro ou cinco horas para chegar a uma escola. Trinta e seis por cento das crianças sofriam de desnutrição crônica – um número que conseguimos reduzir quase pela metade. Esses jovens também estão cientes da nova Bolívia e sabem que o processo de estabilidade econômica de que desfrutamos também lhes deu oportunidades de estudar.

Hoje, temos milhares de formados no ensino médio que são os primeiros em suas famílias a terminar. Existem milhares de jovens profissionais filhos de camponeses – e eles são o orgulho de suas famílias porque são os primeiros a ter acesso à educação universitária. E há jovens recebendo crédito para abrir pequenas empresas que sabem que a vitória para Evo Morales é a garantia de um futuro econômico seguro, com extensão de direitos e democratização da riqueza e dos fundamentos de um sólido aparelho produtivo que garanta condições de emprego decentes para todos.

DR

Recentemente, você liderou a marcha “Hagamos un Pacto” contra os feminicídios, pedindo a erradicação da violência contra as mulheres. Quais são as maiores diferenças na maneira como o governo boliviano lida com essas questões em comparação com os governos neoliberais em países como Brasil, Argentina e Chile?

AS

Dizemos que esse problema de violência física não acontece como um fator isolado. Pelo contrário, também se expressa no fato de que as mulheres não podem acessar a terra. Quando começamos o governo em 2005, 15% dos títulos agrícolas estavam nas mãos das mulheres, enquanto hoje esse número chegou a 46,5%. A violência também teve outra dimensão na limitação da participação familiar das mulheres, nos conselhos de bairro e, é claro, na participação e representação política.

Durante a Assembléia Constituinte de 2006–7, houve debates sobre igualdade e a possibilidade de que as mulheres pudessem ser efetivamente representadas em termos iguais. Isso significava reconhecer que a construção do poder político e da produção econômica eram, naquele tempo, dominados por uma lógica masculina. O patriarcado como sistema de reprodução de privilégios de gênero constitui uma sociedade em que o exercício da violência não é apenas físico, mas também econômico, político, simbólico e comunicacional. Eu acho que entender o exercício da violência em todas as suas dimensões nos permite focar em uma luta eficaz contra ela.

Conseguimos nos tornar o país com o segundo nível mais alto de representação feminina no Congresso. Cinquenta e um por cento dos nossos parlamentares são mulheres, isto é, camponesas, indígenas, trabalhadoras, líderes de bairro, jovens e profissionais, que juntos representam o tecido social. Estamos profundamente orgulhosos dessas transformações estruturais, mas também precisamos entender que esses são direitos pelos quais precisamos lutar constantemente.

A taxa de femicídios e violência física contra as mulheres é um problema preocupante. Propusemos uma lei abrangente contra a violência contra as mulheres e também aumentamos o investimento em segurança, utilizando um pequeno orçamento retirado do imposto sobre hidrocarbonetos. Isso aumentará ainda mais para fortalecer a assistência jurídica, expandir os refúgios às mulheres vítimas de violência e garantir mecanismos institucionais para que, nesses casos, haja proteção efetiva das vítimas, inclusive contra reincidentes.

DR

A Bolívia se tornou um motor de crescimento econômico na América do Sul e um dos países mais estáveis da região. Além dessas conquistas, como você vê o papel da Bolívia se desenvolvendo no cenário internacional no futuro, especialmente no que diz respeito à integração latino-americana?

AS

Durante seis anos no governo, fomos o país que mais cresceu na América Latina, incluindo os últimos cinco anos consecutivos. Apesar da queda no preço de matérias-primas como minerais e hidrocarbonetos (dos quais a economia depende muito), a Bolívia continua a crescer. Isso deve-se principalmente à política soberana da Bolívia em relação à exploração e industrialização de nossos recursos naturais, mas também foi impulsionada pelo fortalecimento do mercado interno como principal motor da dinamização da economia. Também estamos em um estágio de industrialização e substituição de importações por produtos fabricados na Bolívia, principalmente no que se refere a produtos industriais que temos em nossa estrutura interna.

Acreditamos que esse modelo econômico, social, comunitário e produtivo ofereceu a possibilidade de construir uma forte presença estatal na economia, mas também uma democratização da riqueza, que ajudou a tirar mais de três milhões de bolivianos da pobreza. Finalmente chegamos a entender que democracia não significa apenas votar a cada cinco anos, mas ter assistência médica gratuita, ter acesso a serviços básicos, ter moradia decente, ter educação de qualidade e ter planejamento político que coloca os seres humanos no centro da economia.

DR

Nos últimos dois anos, surgiram diversos líderes de esquerda importantes em todo o mundo, principalmente nos Estados Unidos, com mulheres como Alexandria Ocasio-Cortez, Ilhan Omar, Tulsi Gabbard e muitas outras na América Latina. Você se relaciona com essas jovens progressistas?

AS

Sim, especialmente Ocasio-Cortez. Estamos atentos ao exemplo dela e também estamos animados com outros casos. Por exemplo, Camila Vallejo (do Chile), Gabriela Rivadeneira (do Equador), Manuela d’Ávila, candidata a vice-presidente do Brasil, entre outras parlamentares e candidatas na Argentina e no Uruguai. Elas oferecem uma enorme esperança, demonstrando que a esquerda continua a contestar o poder do Estado, a fim de garantir melhores condições de vida aos cidadãos. Quando falamos de política, não estamos falando apenas de disputar e controlar o poder, mas, mais fundamentalmente, de contribuir para a dignidade humana.

O surgimento dessa nova geração de jovens líderes é encorajador e demonstra que os projetos de esquerda na América Latina – lutando pela soberania, dignidade, redistribuição da riqueza e por uma forma de crescimento que coloca o estado no centro definidor de políticas econômicas – ainda estão avançando. Com algumas derrotas eleitorais recentes na América Latina, alguns disseram que enfrentávamos o fim do ciclo progressivo. Mas o que está acontecendo é uma luta política, no nível regional – o mundo antigo está morrendo e o novo ainda não nasceu de verdade. Felizmente, na próxima década, esses projetos serão consolidados ainda mais.

DR

Em 17 de julho, você fez história quando se tornou presidente interino na ausência do presidente Morales e o vice-presidente García Linera. Como foi se tornar o presidente mais jovem de todos os tempos do país – e você se vê tentando retomar esse papel em uma futura eleição presidencial?

AS

Eu senti responsabilidade e, claro, algum medo. Devo insistir, para mim, que não se trata de conquistas pessoais – é importante reconhecer que a maneira como me saí, como jovem, como mulher, como militante, carrega uma enorme responsabilidade em termos de abertura de portas para as novas gerações.

Não estou pensando na presidência neste momento. A verdade é que é muito difícil de imaginar alguém fazendo continuação do presidente Evo Morales – um homem que já está em uma reunião todos os dias a partir das 5h, terminando às 00h, muitas vezes à 1h. . . e continua a trabalhar em diferentes partes do país. É muito difícil para alguém acompanhar isso – é um preço bastante alto.

DR

Nas eleições gerais deste domingo, você será o candidato ao Congresso plurinacional da sua província natal de Santa Cruz. Nos últimos anos, tornou-se um dos focos mais proeminentes da oposição de direita ao governo de Evo Morales e tem uma história de confronto com grupos de extrema-direita. Na sua opinião, qual é a melhor estratégia para neutralizar as forças de direita, extremistas e neoliberais?

AS

Obviamente, o senso comum de Santa Cruz às vezes é conservador. No entanto, quando você vai às províncias, aos bairros mais humildes, quando encontra militantes de coletivos LGBTI, jovens mulheres feministas, descobre que as sementes estão sendo semeadas para uma sociedade mais inclusiva – uma sociedade diferente daquela que tínhamos treze anos atrás.

Acredito que Santa Cruz, assim como a Bolívia, não é a mesma em 2019 do que era em 2005. Isso não aconteceu apenas por causa do crescimento econômico ou por causa de oportunidades de emprego, mas também porque o governo de Evo Morales garantiu um futuro seguro para o país e crescimento para Santa Cruz, com projetos estratégicos como o aeroporto de Viru Viru, a construção da siderúrgica de Mutún e Puerto Bus como nova rota de exportação.

Santa Cruz é, obviamente, central para nós e acredito que um espírito diferente também está germinando por lá. Eu vejo isso em meus colegas de classe de diferentes origens culturais, entre jovens, mulheres, camponeses, indígenas e assim por diante. E a sociedade é governada por uma lógica que garante, em algum momento, que certos elementos sejam absorvidos de maneiras diferentes. Acredito que deixamos para trás os confrontos de 2006 a 2008, quando houve uma polarização entre o estado plurinacional e a autonomia regional. O estado plurinacional universalizou as possibilidades de inclusão e o exercício de direitos também em Santa Cruz.

DR

Evo Morales enfrenta uma infinidade de desafios na sua presidência – o ex-presidente de direita Carlos Mesa, o movimento 21F, ameaças do governo Trump, bem como as forças políticas de direita no Brasil e no Chile, para não mencionar a tensão de governar a nação nos últimos treze anos. Qual é a razão pela qual você acredita que ele vai ganhar?

AS

Porque Evo Morales é sinônimo de um futuro seguro. Treze anos atrás, quando eu estava terminando o ensino médio, a YPFB (empresa de gás e petróleo) não era uma empresa estatal e, portanto, aqueles que estudavam algo relacionado a esse setor não tinham uma fonte segura de emprego ou confiança em seu futuro econômico. Treze anos atrás, para uma mulher participar da política era uma luta árdua – as coisas estavam melhores do que antes, mas era impossível pensar que haveria uma mulher presidente do Senado que completasse trinta anos em pleno cargo. Agora, existem inúmeras oportunidades que se abriram para essas novas gerações.

Continuaremos nesse sentido. Nacionalizamos o gás natural como um exercício de soberania, mas também iniciamos uma Era de industrialização em áreas como produção de ferro, hidrocarbonetos e lítio. Acreditamos que isso abrirá as portas para a continuidade do crescimento econômico da Bolívia, garantirá oportunidades de emprego para os jovens e, é claro, garantirá uma educação de qualidade.

A Bolívia não é mais a mesma de quando o presidente Evo Morales assumiu o cargo. O governo continuará o processo de transformação para que a pobreza extrema seja reduzida para menos de 5% e garantiremos serviços básicos para todos. Penso que garantir a saúde, a educação e a moradia como um direito são as garantias mais importantes que temos para as novas gerações.

Sobre os autores

é presidente do Senado da Bolívia.

é jornalista da El Ciudadano, escritor, colaborador e pesquisador com várias publicações, incluindo Jacobin, Tribune, Le Vent Se Leve, Senso Comune, GrayZone e outros.

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Published in América do Sul, Entrevista and Política

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