Em 1984, o músico inglês Robert Wyatt lançou um som em defesa da greve dos mineiros britânicos. A canção teve uma longa trajetória. Tendo alcançado renome com a banda cult The Soft Machine, Wyatt atravessou uma radicalização pública no final da década de 1970, evidenciada por sua filiação ao Partido Comunista da Grã-Bretanha e aparições em vários piquetes organizados por sindicatos. Um radicalismo similar era detectável em seu EP com quatro faixas, de 1984, chamado The Age of Self, lançado e co-produzido com a Grimethorpe Colliery Brass Band e os combativos sindicalistas da unidade de inteligência do Government Communications Headquarters. A faixa de Wyatt era uma brava denúncia do thatcherismo e sua pregação egoísta, junto a uma crítica sensível aos tópicos recentes no pensamento à esquerda. A música começa com os seguintes versos:
Eles dizem que a classe trabalhadora está morta, somos todos consumidores agora
Eles dizem que seguimos adiante, somos todos apenas pessoas agora
Eles dizem que precisamos de novas imagens para ajudar nosso movimento a crescer
Eles dizem que a vida é feita de uma coalizão mais ampla, como se não soubéssemos.
Os alvos das reclamações de Wyatt eram claros o bastante. Palavras codificadas tais como “consumidores”, “povo” e “imagens” se destacaram como respostas agressivas a pedidos de dentro do Partido Trabalhista para remodelá-lo como uma coalizão ampla, “popular”, capaz de enfrentar o campo thatcherista. Após os thatcheristas alcançarem sua primeira vitória na eleição geral, em 1979, figuras tais como Neil Kinnock e Peter Mandelson expressaram a esperança de que os trabalhistas se reorientassem ao redor de uma ampla base de classe média e buscassem as pessoas “comuns” ao invés das pessoas “trabalhadoras”. Uma sensibilidade populista estava no ar.
O teórico culturalista Stuart Hall talvez tenha sido o adepto mais sutil da virada de Kinnock. O trabalho de Hall em Marxism Today sobre “O Show da Grande Virada à Direita” no final da década de 1970 avançou a tese de um “populismo democrático” oposto à variante “autoritária” de Thatcher. Apesar de ser um socialista convicto, Hall tinha um relacionamento difícil com o mainstream do movimento trabalhista. Para Hall, a greve dos mineiros estava “condenada a ser lutada e perdida como uma forma antiga, ao invés de uma forma nova de política”. Apesar de seu objetivo “instintivamente de se alinhar com a política do novo” – o que ficava visível nas alianças dos mineiros com grupos feministas e de direitos de gays – a greve foi “lutada e perdida” precisamente por conta do “aprisionamento nas categorias e estratégias do passado” por parte do Partido Trabalhista.
O início dos anos 1990 pareceu trazer um necessário respiro. No começo da década, Hall notou uma abertura na ascensão de Tony Blair, que estava determinado a enterrar a “esquerda radical” do partido. Seu entusiasmo esfriou marcadamente ao longo dos anos. Ele veio a enxergar o Blairismo como “O Show do Grande Turno a Lugar Nenhum”. O populismo de Blair, Hall compreendeu, havia meramente servido como um dispositivo para a renovação neoliberal da Inglaterra – a privatização do serviço ferroviário, a liberação do Banco Central de pressão política e a remodelação dos serviços sociais em direção a um modelo baseado no consumo. Como notou Hall, a remodelação neoliberal estava apenas adocicada com uma cobertura multicultural.
Do Pós-Marxismo ao Populismo
O que sobrou para o populismo contemporâneo, então, vinte anos após a desilusão de Hall?
Muita coisa, aparentemente. Diante de cinquenta indivíduos que, juntos, são donos de metade da riqueza mundial e de programas de austeridade que dizimaram economias nacionais inteiras, não é difícil de notar a atração do populismo. Como observou Gavin Jacobson na New Statesman, a “crescente ‘oligarquização’ das sociedades europeias ocidentais”, combinada com a “ausência de qualquer disputa política significativa entre ideias concorrentes sobre uma vida melhor”, ajuda muito a “explicar a atual onda populista”.
Poucas intervenções contribuíram mais para aumentar a saliência do debate sobre o populismo do que o livro Por um populismo de esquerda (Autonomia Literária, 2019), de Chantal Mouffe. Mouffe não é nenhuma novata no debate sobre o populismo “de esquerda”. Seu primeiro impacto como uma proponente de uma esquerda “pós-marxista” foi no início dos anos 1980, junto de seu antigo parceiro, Ernesto Laclau. Crescido na argentina, Laclau havia migrado ao Reino Unido no final da década de 1960, sob a supervisão do historiador marxista Eric Hobsbawm. Ele se juntou à Mouffe no final da década de 1970 após conseguir um cargo na Universidade de Essex.
Laclau e Mouffe estavam na linha de frente do que é hoje chamado “pós-marxismo”. Ambos pensaram que socialistas europeus deveriam dispensar seu foco unilateral em “classe” e se organizarem ao redor de outros marcadores – gênero, raça, nacionalidade. Dessa forma a esquerda poderia revindicar um projeto de “democracia radical” contra a ortodoxia stalinista e se equiparar com os novos e crescentes movimentos sociais, tais como as ativistas feministas ou os ativistas pelos direitos LGBTs. A versão de Hall e Mouffe da Rainbow Coalition perturbou o consenso pós 1989, segundo o qual a tomada de decisões havia se tornado um assunto tecnocrático. Hall e Mouffe alegaram que Tony Blair, Bill Clinton e Gerhard Schröder degradaram a política ocidental de tal forma que a transformaram em uma escolha entre “Pespsi e Coca Cola”.
Havia sinais de alerta, é claro. A Frente Nacional francesa alcançou seu primeiro avanço eleitoral em 1984 e o magnata Silvio Berlusconi varreu as eleições italianas de 1994. Na Holanda, o partido Pim Fortuyn teve avanços em 2002.
Discurso popular
No entanto, o populismo de Mouffe e Laclau seria diferente daquele dos europeus. De seu ponto de vista, ele seria mais próximo ao “Socialismo do Século XXI” do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, que havia contestado o Consenso de Washington e reorientado sua economia em direção ao consumo popular. O populismo chavista era sobre a construção de inimigos, é claro, e algumas vezes irritou sensibilidades liberais. E era, sobretudo, preocupado com a identidade, principalmente em um cenário nacional. Mas se preocupou com “identidade” de um jeito diferente do que fazia a extrema direita posterior ou os ativistas à esquerda. O “povo” de Laclau e Mouffe tinha que ser universal e inclusivo, e não excludente e sectário. “Longe de ser uma perversão da democracia”, notou Mouffe, recentemente, o populismo, concebido como a “construção de identidades populares”, “constitui a força política mais adequada para recuperar e reconstituir a própria democracia”.
O populismo de esquerda de Mouffe não passou sem críticas. Alguns afirmaram que sua estratégia centrada na identidade – e na mídia – na verdade reproduz tendências que já são prevalentes no mundo contemporâneo, representando uma rendição, ao invés de um desafio, ao dogma neoliberal atual. Em uma resenha do livro de Mouffe publicada no The Guardian, William Davies argumentou que a autora “não oferece orientação alguma sobre como o populismo de esquerda pode lutar e vencer, tampouco qualquer reafirmação de que o fará”, já que “nada na política é real, até que tenha sido construído mediante a luta”.
Principalmente, Davies acusa os populistas de falta de consciência histórica. Para ele, Mouffe falha em reconhecer os reais fundamentos do “momento populista” atual e como ele interage com outras tendências nas democracias ocidentais. O populismo prospera em uma Era de declínio democrático precisamente porque toma uma longa lista de parâmetros como já dados: insatisfação geral e alienação da política partidária, com uma lista decrescente de filiados e um grau de participação baixíssimo.
Acima de tudo, o populismo de esquerda abraça a obsessão que prevalece com o “discurso”, uma tendência que compartilha com a política atual centrada na mídia. Na ausência de quaisquer órgãos que conectem a sociedade civil ao Estado, políticos tiveram que olhar para diferentes dispositivos de comunicação para avaliar os anseios de seus cidadãos. Certa vez, o escritor húngaro Peter Csigo comparou essa situação de contemplar sinais de fumaça de um continente muito distante, sem jamais empreender àquele continente. Se os políticos de fato empreenderem a viagem, os resultados são universalmente incriminadores. Eles apenas expõem ainda mais a separação dessa pessoa de uma base social.
Para muitos na esquerda, isso desnudou uma verdade inconveniente. Como escreveu Chris Bickerton na New Statesman ano passado, “os partidos atuais da esquerda tendem a ser” tão “desnatados socialmente” que eles dificilmente têm ideia sobre “o que as pessoas realmente querem”. Sem bases dentro dos partidos, políticos estão, portanto, condenados a uma forma de especulação sem fim a respeito da vontade popular. Os resultados que isso induz tornaram-se visíveis naquilo que o acadêmico Joe Kennedy chamou de a política da “autentocracia”.
Os autentocratas de Kennedy professam um “conservadorismo imputado a uma imaginária ‘classe trabalhadora esquecida’” e obcecado com uma oposição de classe trabalhadora à imigração. Seu protótipo é o parlamentar do Partido Trabalhista britânico Owen Smith. Quando Smith decidiu concorrer à liderança do Partido Trabalhista, em 2016, fingiu não saber o que era “latte”, chamando a bebida de “café espumoso”. Ele também exibiu constantemente suas credenciais do típico homem tradicional britânico, utilizando palavras como “moças” e “rapazes” no Twitter. Os autentocratas de Kennedy oferecem uma aparência de autenticidade em uma época em que a própria autenticidade se tornou um produto midiático – uma aglomeração de caricaturas competitivas.
Tapar as brechas
É difícil entender a grife de populismo de Smith sem olhar para o amplo declínio de democracia partidária na Europa. Nos últimos trinta anos, os antes potentes partidos europeus experimentaram um declínio ininterrupto: o Partido Social Democrata Alemão foi de um milhão de membros em 1986 para 660.000 em 2003; o Partido Trabalhista britânico foi de 675.905 para 200.000; os Socialistas Escoceses (Dutch Socialists) foram de 90.000 para 57.000.
O resultado desse esvaziamento da política partidária europeia foi habilidosamente descrito pelo cientista político irlandês Peter Mair como “governando o vazio”. Políticos europeus agora tem tão pouca noção do que está em jogo com suas populações – tanto que eles precisam especular sobre o que pode constituir um programa de sucesso. Já que os próprios partidos não podem mais colher esse tipo de informação, outros canais precisam ser explorados, sua maioria situada na crescente indústria das relações públicas. Ao invés de ouvir uma base ou obedecer a máquina de seus partidos, os políticos ficam ainda mais enredados por um exército de assessores de imprensa, que providenciam relatórios periódicos sobre o estado da opinião pública – uma tática avançada por gurus da mídia tais como Peter Mandelson e Lynton Crosby, que ajudaram David Cameron a chegar ao posto de Primeiro Ministro britânico em 2010.
Essa história tem também um lado mais profundo e institucional. Desde a década de 1990, sociedades ocidentais vem experimentando uma ruptura profunda entre duas atividades que eram conjuntas na Era do pós-guerra: “política” e “política pública”. Podemos pensar na última como os métodos pelos quais estados ordenam suas sociedades e intervém em suas economias. A primeira compreende o processo que os teóricos da política chamam de “formação de vontade”: competição entre partidos, construção de campanha e a costura de coalizões.
A década de 1990 viu uma mudança drástica no modo como esses dois momentos interagem. A “política pública” se tornou o terreno do “poder não eleito” – órgãos como o Eurogroup, a EU Comission e o Bank of England. A “política”, por sua vez, foi relegada a uma esfera midiática eternamente viciada em novidades. Ambas foram elencadas como a emanação da sociedade civil “emancipada” dos anos 1990, após as revoluções sem derramamento de sangue na Europa oriental.
As coisas acabaram acontecendo de forma depressivamente diferente. Ao invés de criar espaço, a destruição das instituições coletivas nos anos 1980 – a destruição do movimento sindical britânico por Thatcher, o esvaziamento do Partido Comunista Francês pelo presidente socialista François Mitterrand, mas também o envelhecimento dos membros dos partidos conservadores – lançaram as bases para formas mais elusivas de coletividade. Enquanto políticos estavam começando a se tornar mais alienados dos cidadãos e presos no gerenciamento tecnocrático, uma nova forma de mídia pareceu oferecer um atalho para a popularidade.
Do populismo ao tecno-populismo
A inovação ideológica mais potente da década de 1990 foi, portanto, uma nova marca do que Chris Bickerton chama de “tecno-populismo”. Esse novo jeito de fazer política foi encabeçado por figuras como Tony Blair, Pim Fortuyn e o francês Nicolas Sarkozy. Sarkozy ofereceu o melhor exemplo de como o populismo e a tecnocracia poderiam facilmente ser combinados – o primeiro, uma “política sem política pública”, o segundo, “uma política pública sem política”. Ao mesmo tempo em que lançou um “debate” sobre “identidade nacional” na França, ele comprometeu a zona do euro a uma nova rodada de austeridade e aumento rampante do poder do Banco Central Europeu.
Comentaristas franceses descreveram o comportamento de Sarzoky como “Sarko-Berlusconista”. A conexão não é de se surpreender. O império midiático de Berlusconi o permitiu controlar a opinião pública na Itália na década de 1990 e estendeu sua carreira anos 2000 adentro. Como tecno-populistas, Sarkozy e Berlusconi combinaram uma obsessão com normas e valores com uma preferência pela governança tecnocrática.
Essa governança empoderou os órgãos mais antidemocráticos, mas também levou a um desequilíbrio precário no coração dos estados europeus. Por um lado, a soberania “externa” desses estados apenas aumentou. Agora eles lideram poderosos sistemas prisionais, empreendem ambiciosos programas de controle de fronteiras e regeneram setores bancários com novas ondas de flexibilização quantitativa. Por outro lado, os últimos trinta anos também testemunharam um enfraquecimento profundo da soberania interna dos estados – os laços que ligavam estados a instituições como sindicatos, igrejas e partidos, e os permitia exercer poder sobre ele. Governos agora enfrentam amplas restrições quando estruturam sua vida econômica ou redistribuem recursos, cercados por uma longa lista de restrições constitucionais. Dito de forma breve, estados europeus são “duros mas ocos”, como salientou o cientista político italiano Vincent Della Sala – poderosos e espaçosos, principalmente no âmbito do poder executivo, mas insulados de qualquer pressão vinda de baixo.
Soberania Nacional e Popular
Os populistas buscaram responder à soberania desse estado erodido de várias maneiras. Populistas de direita se focaram na recalibração da soberania nacional: pense em Donald Trump contestando os programas do NAFTA, ou a promessa de populistas de direita europeus (Matteo Salvini, Viktor Orban, Marine Le Pen) de endurecer as fronteiras europeias.
Os populistas de esquerda, por outro lado, priorizaram a defesa da soberania popular ao invés da nacional, procurando restaurar partes da herança perdida na década neoliberal de 1990. É aqui que o projeto de Mouffe e Laclau calhou de ser útil – inspirando movimentos como o Podemos espanhol e a France Insoumise.
No entanto, essa busca por uma soberania popular renovada não veio sem suas dificuldade. Paradoxalmente, um dos maiores problemas do populismo de esquerda tem sido a morte parcial do mundo descrito por Peter Mair. Ao invés de um vazio, tem havido apenas uma erosão relativa do sistema partidário clássico. As pessoas continuam a votar com base em classe e sindicatos não desapareceram todos de uma vez. Em alguns países eles vêm resistindo de forma teimosa ao declínio e continuam a cumprir um papel importante na vida política – como os socialistas espanhóis ou os movimentos sindicalistas belgas. Mesmo nos casos em que seu declínio foi espetacular (como os socialistas gregos e franceses), nem todos os seus órgãos desapareceram simultaneamente. Para populistas de esquerda, o “vazio” nunca foi vazio o bastante.
Um vácuo incompleto também significa que conquistas dos populistas de esquerda tendem a ser mais retóricas do que reais. Uma vez que tenham sua chance de formar uma maioria – como o fracassado “sorpasso” (correr atrás) do Podemos em relação aos socialistas espanhóis, ou a inabilidade de Jean-Luc Mélenchon de alcançar o segundo turno das eleições presidenciais francesas – eles usualmente buscam fazer as pazes com os partidos convencionais. Isso implica se posicionar em um eixo direita-esquerda, ou costurar alianças com políticos tradicionais.
Normalização
No entanto, o mais doloroso é que os populistas de esquerda tiveram que se “institucionalizar”. Isso significa deixar para trás slogans como “para além de esquerda e direita” e abrir mão de sua reivindicação de representar “os 99%”, se restringindo a uma base social mais estreita. Mas depois que o “momento populista” passar, os populistas de esquerda tenderão a enfrentar divisões partidárias internas e tetos eleitorais inquebráveis. Essa dinâmica se tornou dolorosamente visível no caso do Podemos. Após seu primeiro revés eleitoral em 2015, o partido adentrou um período de turbulência interna. Esse período acabou em uma disputa entre os líderes Pablo Iglesias e Iñigo Errejón, seguida de uma “normalização” através de uma aliança com a esquerda radical Izquierda Unida. O processo se completou com apoio do Podemos ao governo socialista de Pedro Sánchez.
Os problemas do Podemos estão longe de acabar. No começo do ano, novas disputas surgiram entre Errejón e Iglesias, levando à renúncia do primeiro. Na base da disputa estava uma discordância sobre estratégia. Por um lado, “errejonistas” querem evitar qualquer aliança com a esquerda radical e minimizar seu tom agressivo. Por outro, “pablistas” querem preencher o espaço vazio deixado pela social democracia espanhola e juntar forças com a esquerda radical existente. Enquanto a segunda estratégia se mostrou incapaz de deter a derrocada eleitoral do Podemos, não fica claro se a primeira teria tido um impacto diferente, dada a recente ressurgência dos socialistas espanhóis.
A France Insoumise tem enfrentado problemas parecidos desde a eleição presidencial de 2017. Eles ocuparam um lugar delicado em uma oposição difusa anti-Macron, foram bem sucedidos na construção de um fronte comum com as forças à esquerda na corrida para as eleições europeias e tem experimentado controvérsias recorrentes a respeito de democracia partidária.
Esses contratempos podem muito bem render uma lição crucial. A menos que o momento populista ocorra em um contexto de completo desmantelamento do sistema partidário e uma dissolução do eixo direita-esquerda, qualquer partido populista de esquerda terá que repensar sua estratégia.
Descontentes desorganizados
Todavia, os partidos europeus da esquerda não estão todos em declínio. Jeremy Corbyn e John McDonnell agora lideram o partido de massas de maior base de membros da Europa ocidental, dando origem a um movimento sindicalista que, em linhas gerais, foi marginalizado pela geração blairista. Sob a liderança de Corbyn, o Partido Trabalhista atingiu na eleição de 2017 o maior aumento em sua parcela dos votos desde 1945. Com mais de 500 mil membros, os trabalhistas são agora um dos maiores atores na política partidária europeia.
Ao mesmo tempo, a base sindicalista que apoia Corbyn permanece dolorosamente pequena, confinada a trabalhadores de setores públicos e a uma antiga aristocracia trabalhista. O mesmo pode ser dito dos membros atuais do partido, que ainda carece da base de massas de social-democratas do pós-guerra. Tentativas de reconstruir essa cultura trabalhista – por exemplo, plataformas como a Novara Media ou mesmo o festival World Transformed – apareceram, mas ainda não estão isentos da ausência de conexão entre o eleitorado e os membros do partido que vem atormentando populistas mundo afora. A Novara permanece sendo uma plataforma totalmente baseada em Londres e sua audiência faz lembrar o status do Podemos como o “partido de professores”. Corbyn teve que manter um equilíbrio entre os eleitores de Northern Leave que não permitem vacilação em relação ao Brexit e o apoio vocal ao Voto Popular sobre a própria adesão (o relacionamento difícil entre os Coletes Amarelas e o partido de Mélenchon, por sua vez, oferece um novo estudo de caso francês sobre essa desconexão).
Nesse momento, é difícil emitir um julgamento final sobre o projeto populista como um todo. A despeito de seus óbvios feitos, permanece a possibilidade de que o sucesso do populismo de Mouffe é mais um sintoma do que a cura. O populismo de esquerda calhou de prosperar em um ambiente modelado por aqueles outros fenômenos tão característicos de nosso tempo: tecnocracia, neoliberalismo, desconexão entre “políticas públicas” e “política” e uma sensação anti-política generalizada.
No entanto, uma coisa é inegável: o populismo de esquerda fez um balanço de um cenário partidário e de uma situação totalmente novos, completamente transformados por trinta anos de investida neoliberal. Em contraste com uma velha esquerda moribunda, apegada a remédios antiquados diante da aniquilação, o populismo de esquerda aparou suas velas ao vento. Ele surgiu em uma época que o ator social mais poderoso do século XX, a classe trabalhadora organizada, permanece completamente desorganizada. Foi contra essa mesma desorganização que Wyatt alertou em 1984, no final de sua música:
Me parece que se esquecermos
Nossas raízes e nossas posições
O movimento irá se desintegrar
Como castelos construídos na areia