O mundo não está ficando melhor.
Pode ser surpreendente ouvir isso, dado o exército de analistas e pensadores que nos dizem o contrário, enquanto apontam para várias métricas e insistem que o pessimismo sobre o mundo seria o resultado de uma nostalgia carcomida, coisa de pessoas mais velhas. O mais proeminente entre eles é o professor de psicologia de Harvard e amigo de Jeffrey Epstein, Steven Pinker, que insiste que essa melancolia seria “um erro do nível Terra-Plana”, um produto do “pecado da ingratidão”, e aponta em parte para o “tremendo progresso mundial contra a pobreza extrema” para defender que as pessoas hoje em dia simplesmente “se queixam, gemem, choramingam, criticam e se lamentam” demais.
O único problema é que isso não é verdade. Pinker e a indústria do otimismo que ele representa estão na mira do último relatório de Philip Alston como Relator Especial da ONU sobre pobreza extrema, que, em uma declaração que acompanhou o relatório, condena o “triunfalismo desorientado que bloqueia as próprias reformas que poderiam ter impedido os piores impactos da pandemia do [coronavírus]” e a sanha de autoridades, analistas e da própria ONU por promover “uma mensagem de auto-felicitação pela iminente vitória sobre a pobreza”, que não é confirmada pelos dados.
O ponto central da argumentação de Alston é um desmantelamento completo da linha de pobreza internacional (IPL, na sigla em inglês) do Banco Mundial, a principal medida usada pelas instituições globais e por analistas como Pinker para reivindicar a marcha desenfreada do progresso mundial, fixada em US$ 1,90 por pessoa, por dia, em dólares na paridade do poder de compra (PPC) de 2011. Como observam Pinker e Alston, de acordo com esta linha, o número de pessoas em extrema pobreza no mundo caiu de 36% em 1990 para 10% em 2015. Porém, essa medida é “escandalosamente sem ambição”, diz Alston.
Sendo uma média plana e inflexível das linhas de pobreza nacionais dos países mais pobres do mundo, a linha de pobreza internacional fica muito abaixo das linhas de pobreza nacionais de muitos países diferentes, afirma o relatório. Usando essa linha, a Tailândia tem uma taxa de pobreza de 0%; pela sua linha nacional, esse número é de 9,9%. Disparidades ainda mais acentuadas podem ser encontradas em países como África do Sul (18,9% vs. 55%), México (1,7% vs. 41,9%) e, é claro, nos Estados Unidos (1,2% vs. 12,7%).
“A IPL é explicitamente projetada para refletir um padrão de vida incrivelmente baixo, bem abaixo de qualquer concepção razoável de uma vida digna”, escreve Alston. “De acordo com essa medida, seria possível ‘escapar’ da pobreza com uma renda muito distante do necessário para se alcançar um padrão de vida adequado, incluindo acesso a cuidados de saúde e educação”.
Além disso, a IPL achata e até mesmo apaga uma série de outras iniquidades no interior dessa desigualdade surpreendente, incluindo as disparidades de gênero e as centenas de milhões de pessoas sem-teto, refugiados, trabalhadores imigrantes e outros grupos que sentem desproporcionalmente a dor da pobreza. Incrivelmente, Alston observa como o Banco Mundial – um dos líderes na imposição da miséria econômica sobre os países pobres e oprimidos – rejeitou a recomendação da sua própria Comissão Sobre a Pobreza Global de que adotasse uma estimativa baseada em necessidades básicas, em vez da que usa agora, que foi escolhida por quinze países pobres, e que é mantida sob a justificativa de que “seria paternalista e desrespeitoso questionar as escolhas” dessas nações. Só rindo mesmo!
Triunfalismo desorientado
Quando tiramos da frente essa linha, a imagem de um mundo cada vez melhor se dissolve no ar. Subir a medida para meros US $ 5,50 por dia, escreve Alston, significaria que o número de pessoas em situação de pobreza caiu de 3,5 bilhões para 3,4 bilhões de pessoas no mesmo período de 25 anos. Tomando a “linha de pobreza social” do próprio Banco Mundial, desenvolvida em 2018 para medir a pobreza em relação ao consumo de diferentes países, o número caiu apenas 0,25 bilhão ao longo de todos esses anos, ficando em 2,1 bilhões de pessoas – um pouco menos de um terço da população mundial na época. Mas mesmo seguindo a generosa medida da IPL, as coisas ainda não parecem tão boas assim: 700 milhões de pessoas sobrevivendo com menos de US $ 1,90 por dia e 140 milhões a mais de pessoas no Oriente Médio e na África Subsaariana nessas condições durante esse período de tempo.
“O declínio da pobreza propagado [pela IPL] se deve, em grande parte, ao aumento da renda em um único país, a China”, diz Alston.
De maneira sinistra, o relatório adverte que mesmo as poucas razões para esperar que a pobreza esteja sendo gradualmente erradicada logo serão obliteradas. A pandemia de coronavírus “apagará todo o progresso da redução da pobreza nos últimos três anos”, afirma o relatório, e as mudanças climáticas, que quase todos os governos do mundo estão ignorando, “transformarão em piada” as projeções já desanimadoras do Banco Mundial para a próxima década.
Nem otimismo cego, nem desespero
Não há nada inerentemente errado com otimismo – no fim das contas, o desespero é geralmente o primo da inação e da rendição. Contudo, o estilo de otimismo promovido por pensadores como Pinker é projetado para levar exatamente aos mesmos fins, garantindo às pessoas que elas não precisam lutar ou mesmo se preocupar porque as coisas estão inexoravelmente no caminho certo.
Existem, no entanto, razões para sermos otimistas: da onda histórica de protestos globais e agora nos EUA, que tem forçado uma mudança radical nas atitudes sobre raça e neoliberalismo, até o fato de que pobreza e problemas como esse são solucionáveis, se formos capazes de simplesmente reunir a vontade política. Como a Oxfam gosta de nos lembrar, só a tributação dos trilhões de dólares armazenados nos paraísos fiscais já seria o suficiente para erradicar a pobreza extrema várias vezes.
Para esse fim, Alston esboça um conjunto de recomendações com as quais qualquer leitor regular da Jacobin já deve estar familiarizado: rejeitar a dependência sobre e capital privado e políticas pró-mercado, tributar pesadamente as grandes empresas e os ricos e redistribuir sua riqueza, embarcar no perdão de dívidas em larga escala e se afastar do foco míope em uma concepção simplista de “crescimento” como o mecanismo de redução da pobreza. Não é nada muito diferente das prescrições de políticas promovidas recentemente por ninguém menos que o Financial Times.
O mundo não está ficando cada vez melhor – mas poderia estar. E cada vez mais as idéias da esquerda são vistas como as soluções de bom senso para fazer isso.
Sobre os autores
é escritor da redação da Jacobin e mora em Toronto, Canada.
[…] precisaríamos temperar as alegações otimistas dos recentes sucessos do capitalismo global com a dura realidade de que mais de dois bilhões de pessoas sofrem de desnutrição, de que 95% da renda criada com o […]
[…] Não, Steven Pinker, o mundo não está cada vez melhor [Branko Marcetic] […]
[…] econômica é mesmo uma questão importante? Se você perguntar a celebrados intelectuais como Steven Pinker (O novo iluminismo, Companhia das Letras, 2018) e Harry Frankfurt (Sobre a desigualdade, sem […]