Em 28 de novembro de 1990, Margaret Thatcher passou por Downing Street pela última vez. Falando para uma multidão de jornalistas, ela descreveu como ela estava orgulhosa por ter deixado “o Reino Unido em um estado muito melhor do que quando ingressou no governo”. Como no mês retrasado marcou o 30º aniversário daquele dia, o debate sobre o legado de Thatcher voltou ao noticiário. Muitas de suas políticas foram discutidas até a morte, porém, uma área que permanece praticamente intocada é de seu legado econômico.
Parece ter sido amplamente aceito que Thatcher foi a salvadora da economia. A narrativa tende a ser mais ou menos assim: ela pode ter causado danos sociais em todo o país, de mineiros de carvão a pessoas LGBT, mas isso pode ser desculpado dada a forma como ela administrou o economia. Entretanto, essa narrativa está longe de ser verdade.
É inegável que a economia do Reino Unido teve seu quinhão de problemas quando Thatcher chegou ao poder. A inflação havia subido acima de 25%, o que forçou a Grã-Bretanha a buscar um empréstimo de resgate do FMI, e o governo e os sindicatos estavam constantemente em conflito. A mudança era necessária. Mas às vezes é fácil, ao olhar para a história, supor que o que aconteceu é o que precisava acontecer. As políticas de Thatcher tiveram um efeito desastroso sobre a economia do Reino Unido e o lombo dos seus trabalhadores, tanto naquela época quanto nos dias de hoje.
O crescimento econômico desacelerou sob Thatcher. O crescimento anual real do PIB per capita no Reino Unido caiu para 2,09% durante os anos 80 e início dos anos 90. Desde o governo de Thatcher, cada governo subsequente teve um desempenho inferior ao de seu predecessor em termos de crescimento. A renda familiar ficou atrás do PIB na maior parte do país, com a renda caindo para os mais pobres. A dívida das famílias aumentou de 37% para 70% do PIB à medida que as pessoas começaram a depender do crédito para gastar dinheiro; esta mesma dívida doméstica agravaria os efeitos da crise financeira de 2008. O desemprego atingiu 9,5% em abril de 1984 – a maior taxa de desemprego na história do pós-guerra e muito acima de algumas das estimativas mais altas para o desemprego provavelmente causado pela pandemia da Covid-19. Nada disso sugere uma economia saudável.
As políticas de Thatcher também ajudaram a eliminar 15% da base industrial do Reino Unido em apenas alguns anos. Os empregos antes estáveis na mineração, manufatura, siderurgia, entre outros, desapareceram, e com isso vieram as mortes das comunidades que dependiam desses empregos. Nos primeiros dois anos de Thatcher no poder, a Escócia perdeu impressionantes 20% de sua força de trabalho. A desindustrialização atingiu desproporcionalmente o Norte, Midlands e outros países, exceto a Inglaterra – lugares em que a primeira-ministra falhou porão ter investido ou apoiado o desenvolvimento de novas indústrias. Nem é preciso dizer que abandonar áreas inteiras do país tem consequências terríveis. Essas regiões foram vítimas de uma crescente pobreza e privação que já dura décadas. São as mesmas áreas que estão sendo prometidas a tênue chance de “subir de nível” pelo conservador Boris Johnson.
Além disso, a política thatcherista causou um enorme aumento na desigualdade. Em 1979, a Grã-Bretanha estava no auge da igualdade econômica do pós-guerra, com apenas 21% da renda total indo para os 10% mais ricos. Em 1991, a diferença entre os mais ricos e os mais pobres atingiu um novo recorde no abismo social. Você poderia defender esse tipo de desigualdade se isso significasse que todos estavam ficando mais ricos, apenas em taxas diferentes, mas sob Thatcher as rendas dispararam para os mais ricos e caíram para os mais pobres. Esta não é apenas uma questão moral; como regra geral, o dinheiro concentrado nas mãos dos mais ricos tem menos probabilidade de ser gasto e gerar crescimento econômico do que o dinheiro distribuído de forma mais igualitária para toda a sociedade.
Thatcher também minou os sindicatos com uma série de leis que dificultaram a greve dos trabalhadores, restringiram onde eles podiam fazer piquete e limitaram a capacidade de fazer greve em solidariedade com outras categorias. Isso teve um impacto óbvio e desastroso sobre os direitos e o bem-estar dos trabalhadores e minou o papel vital que os sindicatos desempenham na economia como um todo. Em 1979, quando Thatcher assumiu o cargo, 82% dos trabalhadores do Reino Unido estavam cobertos por um acordo coletivo. Isso caiu para 35% em 1996 e 26% hoje em dia. Essas não foram reformas menores para reduzir os excessos sindicais – Thatcher atropelou com uma carroça os direitos dos trabalhadores, e isso está diretamente relacionado ao aumento da desigualdade que vemos hoje.
Notoriamente, a “Dama de Ferro” presidiu uma grande onda de privatizações. Empresas administradas pelo governo, desde aço, petróleo, água, gás e telecomunicações foram vendidas, enquanto Thatcher também desencadeou as primeiras ondas de terceirização no NHS [o SUS britânico]. John Lister já escreveu sobre a privatização da saúde detalhadamente e sobre como, na mesma época, o “mercado interno” se afundou em padrões decadentes e contratos mais exploratórios aos trabalhadores.
Em seguida, houve um ataque na política de moradia. O governo de Thatcher instituiu o esquema Right To Buy em 1980, que permitia aos inquilinos de habitação social comprar suas propriedades de suas autoridades locais. Embora o esquema tenha levado a um aumento financeiro de curto prazo, também esgotou o fornecimento de habitação social do governo. Combinado com o declínio da construção de casas e um aumento contínuo no custo das casas – os preços das casas aumentaram mais de 1000% desde 1980 – isso significa que cerca de 40% dos jovens adultos estão agora muito pobres para arcar com a entrada para comprar até mesmo as casas mais baratas em sua região. Da maior demanda por benefícios habitacionais até a escassez de moradias populares, o custo da política está recaindo sobre os conselhos locais e suas comunidades. Enquanto isso, quase metade das casas vendidas sob o Direito de Compra foram transformadas em arrendamentos privados.
O que tudo isso significa a longo prazo? Para simplificar, Thatcher criou uma economia mais fraca e desigual. Regiões inteiras foram “deixadas para trás” quando suas indústrias foram destruídas, a lacuna entre os mais ricos e os mais pobres aumentou e o apoio do governo aos mais pobres foi dizimado. Mais do que isso, os salários caíram, o crescimento caiu, a habitação tornou-se menos acessível e os gastos foram mal administrados. As gerações futuras foram deixadas para lidar com as consequências. Em vez de financiar as reservas governamentais ou investimentos econômicos, Thatcher reduziu pela metade os impostos sobre a renda dos mais ricos do país.
Tudo isso apesar da sorte estar do seu lado. Um boom no petróleo do Mar do Norte juntamente com um aumento no preço do petróleo fez o governo obter um lucro inesperado de £ 270 bilhões na cotação de hoje – o suficiente para cobrir o custo total de funcionamento do NHS nos primeiros 8 anos de governo Thatcher. Em países como a Noruega, esse tipo de riqueza de combustível fóssil foi usado para criar um fundo de riqueza soberano; sob Thatcher, a escala em que o petróleo foi exportado e os danos que ele estava retraindo na taxa de câmbio e na economia levaram um especialista a alertar na época que teria sido melhor “deixar a droga em o chão”.
Durante seu mandato, Thatcher defendeu repetidamente uma nova “economia moral” – em essência, o capitalismo individualista impregnado de valores conservadores, como casamento, família e segurança. Mas sob seu cargo de primeira-ministra, o número de roubos por 10.000 habitantes aumentou 53% entre 1981 e 1991 e a taxa geral de crimes aumentou 34%. As taxas de divórcio também aumentaram 11% e, embora isso possa fazer parte de uma tendência mais ampla, ocorreu sob a liderança “pró-casamento” de Thatcher. O número de famílias monoparentais aumentou acentuadamente. Muitos economistas disseram que essas mudanças foram impulsionadas pela crescente desigualdade e pobreza dos anos 1980. Para simplificar: mesmo pelos seus próprios padrões conservadores de “família e segurança”, Thatcher falhou.
E aqui está o problema real no cerne do pensamento thatcherista. É improvável que seu governo tenha procurado minar os valores conservadores, mas isso foi a consequência inevitável de uma ideologia que trata sociedade e economia separadamente. Se a desigualdade disparar, ela afeta indiretamente o bem-estar das pessoas. Os sindicatos são prejudicados sem o reconhecimento de seu papel fundamental não apenas para os trabalhadores, mas para a economia. Regiões inteiras são devastadas e então abandonadas sem pensar no custo a longo prazo.
Lembrar disso é importante – não apenas para lidar com os problemas políticos concretos que enfrentamos hoje, mas também para entender como enfrentá-los. Durante anos, vendemos uma narrativa que pinta os conservadores como o partido da competência econômica, apesar de uma série de fracassos que tanto prejudicou os trabalhadores quanto custou caro à economia. Tudo isso é sustentado pela ideia de que Thatcher foi um salvadora econômica e uma modernizadora. Como enfrentamos a maior crise desde a Segunda Guerra Mundial, comentaristas estão sugerindo que talvez precisemos voltar às políticas econômicas conservadoras “competentes”, como a austeridade, para lidar com tudo isso. Se a esquerda quiser convencer o país do contrário, temos que derrubar os mitos históricos que estão por trás da nossa história.
Sobre os autores
é um escritor freelance. Seu trabalho é publicado na Wired e LaborList, entre outros veículos.
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[…] crise econômica e via a expansão do racismo. Esse período, marcado pelo início do governo de Margaret Thatcher, registrou os piores índices de crescimento econômico, desemprego e desigualdade social desde o […]