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Membros da família sentam-se ao lado de uma funerária em chamas em um local de cremação em meio à pandemia de coronavírus em Allahabad, Índia, em 28 de abril de 2021. (Sanjay Kanojia / via Getty Images)

Liberem as vacinas!

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Tradução
Cauê Seignemartin Ameni

As horríveis cenas da Índia devastada pela COVID mostram que, quando países ricos como os EUA aumentam os lucros farmacêuticos, a desigualdade se transforma em um apartheid global da vacina. Qualquer atraso só irá aprofundar mais uma já catastrófica crise - que ceifou mais de 3 milhões de vidas e mergulhou 150 milhões de pessoas na pobreza.

A lacuna de vacinação entre os países ricos e pobres aumentou até o abismo. Como observou o cientista Stephen Buranyi esta semana no Guardian: “Das doses já administradas, cerca de metade foi para os 16% mais ricos do mundo… De acordo com análises do Center for Global Development and the Economist, as nações do sul global podem não alcançar a vacinação em massa até 2023.”

Isso não é um problema de acordo com pessoas como Bill Gates, que só defende esse modelo czarista de saúde pública porque é um multibilionário. Em entrevista à Sky News, ele nos garantiu: “A taxa real de mortalidade nos países mais pobres tem sido bastante baixa. Então, os lugares onde você deseja que todos com mais de 60 anos sejam vacinados, como África do Sul e Brasil, se tornarão uma prioridade apenas nos próximos três a quatro meses, quando os EUA passarem para uma posição de excesso”.

Traduzindo: os países pobres deveriam ser gratos por esperar pelas sobras.

Mas todos os dias na Índia, por exemplo, centenas de milhares de novos casos estão sendo relatados. Na segunda-feira, os 352.991 novos casos bateram o recorde de um único dia para qualquer país. Os hospitais estão sem oxigênio, leitos de UTI e suprimentos.

A temperatura está alta em todos os lugares. E a realidade – que Bill Gates e os CEOs da indústria farmacêutica querem que aceitemos – é que pode levar anos para que o fornecimento de vacinas chegue à maior parte do mundo. Nesse ínterim, a desigualdade global da vacina se tornará um apartheid global da vacina – enquanto isso, o vírus poderá sofrer mutação e se espalhar.

Que parte de “emergência de saúde global” você não entende?

Bill Gates é um dos principais impulsionadores da iniciativa global COVAX, um projeto voluntário de compra de vacinas para países em desenvolvimento. Liderada por Gavi, um projeto da Fundação Bill e Melinda Gates, a COVAX foi elogiada como uma missão humanitária. Mas, embora a iniciativa possa ser um avanço em relação ao nacionalismo da vacina, ela deixa em vigor, propositalmente, os mecanismos de mercado e as proteções de patentes dos quais as empresas farmacêuticas dependem. Ela entregou apenas 38 milhões de doses até agora.

O verdadeiro problema é o abastecimento. E a maneira de aumentar a oferta é liberar as patentes e o know-how tecnológico necessários para aumentar a produção em todo o mundo.

Nem as empresas farmacêuticas, que podem perder bilhões se não tiverem o controle do monopólio sobre a produção de vacinas, nem os autoproclamados filantropos bilionários, que fizeram fortuna com as leis de propriedade intelectual, vão liberar as patentes para aumentar a oferta. É contra seus interesses fazê-lo. Mas o fato de que eles foram deixados no banco do motorista, em primeiro lugar, é culpa dos EUA e de outros governos ricos.

Em uma entrevista à Sky News, Bill Gates zombou, “não temos um governo mundial” que poderia ignorar ou substituir os Estados Unidos ou o Reino Unido. E ele está certo: não temos um governo mundial. Mas o que temos são instituições internacionais onde nações ricas, lideradas pelos Estados Unidos, estão ativamente sabotando quaisquer esforços para pressionar por igualdade na produção e distribuição de vacinas. A África do Sul e a Índia propuseram a isenção de patentes e outras restrições de propriedade intelectual (PI) por meio da Organização Mundial do Comércio (OMC) durante a pandemia.

Apesar do apoio de mais de 100 países, esse esforço tem sido bloqueado até agora. E, enquanto isso, de acordo com o New York Times, empresas farmacêuticas como a Pfizer estão “pedindo aos governos que coloquem ativos soberanos, incluindo suas reservas bancárias, edifícios de embaixadas e bases militares” para proteger as empresas de processos judiciais decorrentes de sua própria negligência.

Libere as patentes, compartilhe a tecnologia

Durante meses, ativistas e organizações civis pediram ao presidente Joe Biden que apoiasse uma dispensa temporária de patente na OMS, uma demanda que está em discussão desde outubro passado e voltará a ser discutida novamente em 5 de maio. As mesmas nações ricas que estão acumulando suprimentos também estão bloqueando a renúncia.

Agora, a pressão está aumentando sobre Biden. O editorial do New York Times está defendendo o compartilhamento de patentes e know-how tecnológico, e até mesmo a The Economist está exortando Biden a repudiar o “egoísmo da vacina”. Adar Poonawalla, chefe do maior fabricante de vacinas do mundo, o Serum Institute of India, está implorando ao governo Biden para suspender o embargo às exportações de matéria-prima dos Estados Unidos para permitir uma maior produção de vacinas na Índia.

Biden começou a ceder em certas questões, incluindo o compromisso de enviar geradores de oxigênio e materiais da vacina AstraZeneca para a Índia. O governo prometeu desviar algumas doses que tem em excesso (e não foram aprovadas para uso nos Estados Unidos) para o exterior, seja por meio da COVAX ou de acordos bilaterais. Esses são bons primeiros passos, mas ultrapassam um padrão muito baixo e não chegam nem perto de enfrentar a crise.

Para aumentar a produção de vacinas aos níveis necessários para inocular a maioria da população mundial, as empresas farmacêuticas devem ser forçadas a liberar as patentes e o know-how tecnológico para produzi-las. Isso permitirá que os fabricantes de medicamentos genéricos e outros aumentem a produção de vacinas.

Joe Biden poderia acabar com esta pandemia se quisesse

O governo dos Estados Unidos tem o poder e o direito legal de fazê-lo. O primeiro passo seria parar de bloquear a dispensa de patente na OMC. O governo Biden também poderia fornecer licenças compulsórias de vacinas com financiamento público para fabricantes de medicamentos que têm capacidade para produzir a vacina. A maioria das vacinas para COVID-19, por exemplo, usa tecnologia de proteína spike estabilizada, que foi desenvolvida pelo National Institutes of Health (NIH) com financiamento público. O NIH reivindicou a propriedade conjunta da vacina Moderna.

O governo dos EUA pode ajudar a facilitar a transferência de tecnologia entre fabricantes de medicamentos e compartilhar conhecimento e propriedade intelectual na OMS. Recursos muito maiores também devem ser investidos para aumentar a capacidade de produção em todo o mundo. A Operação Warp Speed, por exemplo, já havia “aumentado e escalado 23 instalações de manufatura em 6 meses”, de acordo com um relatório do Public Citizen. Dado o peso econômico e político dos Estados Unidos, uma combinação dessas medidas poderia ser implementada para transformar as vacinas da COVID-19 em um bem público global.

Esse tipo de ação é extremamente popular. O que impede é o compromisso do governo Biden com a indústria farmacêutica, seus lobbies e seus lucros.

A indústria farmacêutica se beneficia tremendamente com direitos de patente estritos e financiamento governamental para pesquisas. Muitas vezes somos informados de que este é um acordo necessário – caso contrário, as empresas não teriam o incentivo para colaborar e realizar pesquisas arriscadas. Mas as empresas farmacêuticas normalmente gastam uma parcela muito pequena de sua receita em pesquisa e desenvolvimento. Quando o fazem, raramente é para o desenvolvimento de vacinas, que é um empreendimento menos lucrativo e requer pesquisa de longo prazo e investimento.

Não podemos confiar na boa vontade das empresas farmacêuticas ou na “mão invisível” do mercado. Quaisquer outros atrasos irão aprofundar uma já catastrófica crise econômica e sanitário – que ceifou mais de 3 milhões de vidas e mergulhou aproximadamente 150 milhões de pessoas na pobreza.

Os céus de Delhi hoje estão manchados pela fumaça de dezenas de crematórios improvisados. “As pessoas estão simplesmente morrendo, morrendo e morrendo”, disse Jitender Singh Shanty, que coordena mais de 100 cremações por dia, ao Guardian. Este não é um momento para lucrar. Então, liberem as malditas vacinas.

Sobre os autores

é uma ativista e socialista em Nova York e autora de "A People's Guide to Capitalism: An Introduction to Marxist Economics". Ela tweeta em @HadasThier.

Cierre

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Published in América Central, Análise, Ásia and Saúde

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