A Amazon não consegue aceitar limites no que diz respeito aos seus “dias mais especiais”.
Apesar do nome, a Amazon Prime Day não é um dia. Este ano, acontecerá nos dias 21 e 22 de junho. Quando essa data foi criada em 2015 para impulsionar as vendas durante a relativa calmaria do verão, o Prime Day marcou vinte anos da Amazon e dez anos do Amazon Prime. Demorou dois anos até esse dia começar a se expandir: em 2017, o Prime Day durou trinta horas. Em 2018, eram 36 horas. Em 2019, atingiu a duração atual: 46 horas.
Até então, a experiência foi observada em dezoito países: Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, Cingapura, Holanda, México, Luxemburgo, Japão, Itália, Índia, Alemanha, França, China, Canadá, Bélgica, Áustria, Austrália, e, pela primeira vez, os Emirados Árabes Unidos. Aquele foi o ano em que Taylor Swift foi a atração principal do show do Prime Day, um amálgama agressivo de anúncios de produtos da Amazon ocasionalmente interrompidos por uma música. Naturalmente, as pessoas poderiam assistir ao evento ao vivo no Amazon Prime Video. Os números foram enormes: 175 milhões de itens comprados, com as vendas atingindo mais de US$ 7 bilhões.
Mas se Prime Day significa negócios para os consumidores, ele tem um significado diferente para as centenas de milhares de pessoas que trabalham nos depósitos da Amazon. Para essas pessoas, Prime Day significa horas extras obrigatórias, com turnos estendidos de 10 a 12 horas, ou turnos extras adicionados à sua rotina de trabalho. Um trabalhador disse-me recentemente que será obrigado a trabalhar 55 horas esta semana. Ele está com dor e um médico disse que é uma “síndrome do túnel do carpo”, mas ele não entrou com a papelada na Amazon porque isso exige que ele vá a outro médico para ser diagnosticado, e ele não tem tempo para fazer isso. Outra pessoa, que desde então deixou a empresa, me disse que foi pressionada a trabalhar por mais de 24 horas seguidas no Prime Day.
A Amazon é notoriamente sigilosa sobre seus dados, mas relatórios recentes mostram as perigosas consequências desta data “especial”. Em um relatório de 2019, bem como sua atualização em 2020, o jornalista Will Evans colocou as mãos nos dados sobre segurança interna e as lesões dos trabalhadores, publicando suas descobertas no Reveal News.
“Apenas cinco meses antes, em junho de 2019, o relatório mensal do diretor de segurança da Amazon responsável pelos armazéns robóticos em todo o país era franco sobre os riscos”, escreve Evans. Ele continua: “Os armazéns na região que engloba Nova Jersey, Nova York, Maryland e Connecticut estavam ‘esperando um aumento de lesões em todos os locais durante a Prime Week’”. As lesões já haviam aumentado no período que antecedeu o Prime Day, uma tendência que Evans atribui as horas extras obrigatórias e traz de 1.200 a 2.000 funcionários sazonais para cada armazém robótico daquela região. Tanto as horas extras quanto o influxo de novos trabalhadores foram rotulados de “situações de alto risco”.
Essas taxas são desiguais: um dos armazéns, em Eastvale, Califórnia, tinha uma taxa quatro vezes acima da média nacional. Dos registros obtidos por Evans, a maioria dos depósitos com as taxas mais altas de robôs implantados. Embora Jeff Wilke, um dos principais executivos da Amazon, tenha dito que os robôs “tornam o trabalho mais seguro”, os robôs na verdade aumentam, em vez de diminuir, as taxas de lesões, de acordo com David Michaels, ex-chefe da Administração Federal de Segurança e Saúde Ocupacional (OSHA).
E esses são os registros da própria empresa. A Amazon, como muitas empresas, tende a manter os ferimentos fora dos relatórios públicos para evitar o escrutínio da OSHA ou de jornalistas como Evans, bem como para minimizar as reclamações dos trabalhadores. Na verdade, os investigadores descobriram que a AmCare, as clínicas locais da Amazon, muitas vezes mandam os trabalhadores feridos de volta ao trabalho em vez de encaminhá-los a outro médico para cuidados médicos mais especializado. Os provedores de serviços médicos disseram a Evans que eles foram desencorajados a dar aos trabalhadores da Amazon um tratamento adequado porque poderiam expor os ferimentos dos trabalhadores nos relatórios.
Ele documenta um incidente particularmente horrível em que Phillip Lee Terry, de 55 anos, um trabalhador de manutenção, foi esmagado até a morte por uma empilhadeira em um depósito em Indiana. A OSHA de Indiana enviou um investigador, que concluiu que a culpa era da Amazon e, a princípio, a agência emitiu quatro advertências e uma multa de US$ 28.000. Mas então o diretor da OSHA do Estado ligou para a Amazon e explicou à empresa como ela poderia transferir a culpa. Havia considerações políticas: o Estado esperava ser escolhido como local para sediar a HQ2 da Amazon. Então, um ano após a morte de Terry, o Estado excluiu as advertências.
Esses problemas só estão piorando. Enquanto a Amazon apregoa quanto dinheiro gasta em práticas de segurança – a empresa está atualmente em uma campanha de relações públicas sobre seu novo programa de bem-estar, que foi recebido com indiferença ou desdém por todos os funcionários de depósito com quem conversei.
O relatório de Evans descobriu que as taxas de lesões só estão subindo. Os armazéns robotizados continuam a liderar, pois os robôs significam um ritmo de trabalho mais rápido, bem como movimentos mais isolados e repetitivos. Enquanto isso, um relatório recente do Strategic Organizing Center – publicado antes do Prime Day 2021 – descobriu que os trabalhadores da Amazon não só se ferem com mais frequência do que em depósitos fora da Amazon, como também sofrem ferimentos mais graves.
A Amazon aconselha os trabalhadores sobre como mover seus corpos com segurança e manusear equipamentos, mas os trabalhadores caracterizam essas instruções como uma piada. Entende-se que eles devem violar as regras para acompanhar a demanda de trabalho, mesmo que a Amazon os obrigue a assinar uma papelada dizendo que seguirão as diretrizes. A realidade dessas condições de trabalho é camuflada pela Amazon dizendo aos trabalhadores para se considerarem “atletas industriais” (a empresa alega que o panfleto que usava essa frase foi distribuído erroneamente, embora os trabalhadores digam que esteve disponível no local de trabalho por meses).
Diante de todas essas evidências de como a empresa está mal equipada para garantir a segurança dos trabalhadores e como Jeff Bezos está desinteressado em dar aos trabalhadores tempo para consultar um médico ou cuidar de seus filhos, o Amazon Prime Day está mais uma vez ameaçando os trabalhos. Esperemos que não mate ninguém.
Sobre os autores
é redatora da equipe da Jacobin. Seus textos são publicados no Washington Post, Vox, the Nation, n + 1, entre outros lugares.
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[…] Jacobin BrasilTradução: Cauê Seignemartin AmeniData original da publicação: […]