UMA ENTREVISTA DE
Taj AliCom 50 milhões de visualizações no YouTube, o rapper e militante britânico Kareem Dennis, mais conhecido como Lowkey, tem sido elogiado por sua contribuição ao hip hop britânico. Ele é conhecido em particular por suas letras explorando questões como racismo, imperialismo e política. Sem medo de falar, ele também, inevitavelmente, enfrenta oposição.
Lowkey foi recentemente alvo de uma campanha de lobby pró-Israel We Believe in Israel [Acreditamos em Israel] que tentou retirar sua música de Spotify. Em março, a organização lançou uma petição contra “conteúdo anti-Israel” na plataforma de streaming, citando como exemplos as faixas de Lowkey lançadas há mais de dez anos.
Em resposta, Lowkey e uma multidão de outros artistas e ativistas saíram à luta, com uma declaração de apoio assinada por grandes figuras que vão de Noam Chomsky, Naomi Klein e Mohammed Muna El-Kurd a Mark Ruffalo e Anwar Hadid. Conversamos com Lowkey sobre a campanha contra ele, a onda de apoio de todo o mundo e o esforço mais amplo para expulsar as vozes pró-Palestina da vida pública.
TA
O movimento We Believe in Israel exigiu que sua música fosse tirada do Spotify. As músicas em questão têm mais de dez anos atrás. Por que este grupo fez de você um alvo agora? Qual é o pano de fundo?
KD
Acho que é importante para nós explicar quem é o movimento We Believe em Israel. É um projeto que foi lançado e cultivado pelo Centro Britânico de Comunicações e Pesquisa de Israel, ou BICOM, o maior grupo de lobby israelense do país. A BICOM foi fundada e é patrocinada por seu presidente, Poju Zabludowicz, que também é um doador do Partido Conservador. Sua riqueza vem de seu pai, que fundou a Soltam Systems. A Soltam é uma empresa de armas que agora faz parte da Elbit Systems, e faz parte da Elbit Systems há cerca de dez anos. O ex-diretor da BICOM, Daniel Shek, foi inicialmente um funcionário do Ministério das Relações Exteriores de Israel e depois passou a ser o embaixador israelense na França. Portanto, existem aqui laços com o governo israelense.
A guerra contra Jeremy Corbyn e muitos outros militantes de esquerda durante seu tempo como líder do Partido Trabalhista permitiu aos grupos de lobby israelenses realmente construir e fortalecer suas forças e seus mecanismos de censura. Há pessoas que perderam seus meios de subsistência e foram desqualificadas politicamente. Esta campanha chega na esteira disso.
TA
Não é a primeira vez que a censura à Palestina vem à tona na indústria fonográfica. Em 2010, a palavra “Palestina” foi mascarada com efeitos sonoros durante a música do rapper Mic Righteous’ Fire no estande freestyle da BBC Radio 1 Extra. Parece que a censura sobre este tema está tão enraizada que mesmo a simples menção da Palestina é suficiente para fazer soar o alarme. O que diz esta nova campanha para censurar as vozes pró-Palestina?
KD
Esta campanha contra a música pró-Palestina é uma extensão do que vem acontecendo com os palestinos e, em muitos casos, com as crianças palestinas. O Centro de Estudos dos Prisioneiros Palestinos descobriu que entre 2015-2018, mais de 500 palestinos, entre eles muitas crianças, foram presos e encarcerados pelo Estado de Israel pelo crime de incitação nas redes sociais. Esta é uma extensão desse entendimento do termo, uma tentativa de exportar esse tipo de policiamento da linguagem dos territórios ocupados para outros países, como a Inglaterra.
A poeta Dareen Tatour, por exemplo, foi presa por quase um ano por seu poema Qawem Ya Shaabi Qawemahum (“Resista meu povo, resista à eles”), sob a acusação de apologia. Ela foi tão firme em sua poesia que realmente usou o zíper de seu casaco para escrever o poema na parede de sua cela.
Esta é, no final das contas, uma campanha para reprimir a solidariedade palestina. Eles estão tentando impedir que se faça música pró-Palestina. Esse é o segredo aqui. O que eles não esperaram, que estou certo que é um motivo de preocupação para eles, é o apoio que recebemos.
TA
A campanha contra você parece ter sido espetacularmente retribuída com o apoio de músicos, artistas e, é claro, do público em geral. A última vez que verifiquei, havia quase 40.000 assinaturas na petição Change.org apoiando você. Você esperava esse nível de apoio do público?
KD
Não esperava um apoio tão grande – e esse apoio ainda está crescendo, a cada dia, com mais e mais pessoas de lugares inesperados entrando em contato e dizendo que gostariam de estar envolvidas e assinar a declaração. Esse é um ponto fundamental para demonstrar o mais rápido possível – e que mostra que você não está isolado e tem um apoio generalizado. Há pessoas lá que também podem ter suas próprias experiências com o lobby de Israel, ou podem ter visto outros terem experiências com o lobby de Israel, e eles estão afirmando muito claramente que rejeitam isso. Desta vez, eles não vão deixar que isso aconteça.
O fundamental com estas campanhas é deixar bem claro o mais rápido possível que você não está sozinho, que você não é um pária. Grupos de lobby como We Believe in Israel querem que as pessoas não fiquem ao seu lado. Eles querem que as pessoas tenham vergonha de ficar ao seu lado. Eles querem usar o fato de estar ao seu lado como um motivo para colocar outros na lista negra.
TA
Você tem os nomes de alguns grandes artistas, incluindo Wretch 32, Ghetts, e Avelino na carta aberta. Muitos estão assinados por grandes gravadoras. Existe o medo de que suas carreiras possam ser afetadas como resultado da posição que tomaram?
KD
Eles não serão afetados agora, porque há muitas pessoas. O lobby não será capaz de isolá-los devido à extensão da mobilização. Isso significa que não é possível.
Há pessoas na minha carta que, juntas, valem dezenas de milhões. Na verdade, há pessoas que assinaram essa carta que, sozinhas, valem dezenas de milhões para o Spotify. Portanto, o que eles estão apostando é o quanto estou ligado aos outros – e não estou isolado.
Quero dizer obrigado a todos que me apoiam. Espero que este movimento possa nos ajudar a construir mecanismos sólidos para ajudar outros camaradas em situações como esta, sem nenhuma infraestrutura à sua volta que eu tenha sido capaz de utilizar. A luta continua.